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Inexigibilidade de EIA/RIMA não se confunde com sua dispensa

por Vinícius Monte Custodio.

A Constituição da República – CR consagrou o “direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (art. 225). De modo a garantir a efetividade desse direito, a Carta Magna endereçou ao Poder Público, entre outros, o dever de “exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade” (art. 225, § 1º, inc. IV).

A Lei Maior determina que o estudo prévio de impacto ambiental seja exigido “na forma da lei”. Malgrado a inequívoca reserva de lei contida no art. 225, § 1º, inc. IV, da CR, o estudo prévio de impacto ambiental é exigido no plano federal com base não em lei, mas em resoluções do Conama, que são atos normativos infralegais secundários. E a jurisprudência do STJ, lamentavelmente, calcada numa interpretação sobejamente ampliativa da competência deliberativa desse conselho, vem atribuindo a essas resoluções, para os fins do art. 24, §§ 1º a 4º, da CR, uma força normativa de lei federal que elas não têm. Pior ainda, ela impõe uma vinculação dos legisladores estadual e municipal às resoluções do Conama, como se estas fossem leis federais.[1]

Na esteira desse aresto, cite a título de exemplo, o acórdão da Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro o qual manteve a decisão de primeira instância que condenou, em sede de ação civil pública, o Estado do Rio de Janeiro a se abster de “dispensar” a realização de EIA/RIMA para as modalidades de empreendimentos previstas no rol de incisos do art. 2º da Resolução Conama nº 01/1986, apenas reduzindo a multa de cem mil reais para mil reais, a ser revertida para o Fundo Estadual de Conservação Ambiental e Desenvolvimento Urbano – Fecam, por cada dispensa.[2] Por se tratar de ação civil pública já transitada em julgado, a eficácia dessa decisão extrapolou os limites da lide, revestindo eficácia erga omnes no âmbito da competência territorial do órgão prolator, segundo o art. 16 da Lei Federal nº 7.347/1985.

A Lei Estadual nº 1.356, de 03 de outubro de 1988, que dispõe sobre os procedimentos vinculados à elaboração, análise e aprovação dos estudos de impacto ambiental, no § 5º de seu art. 1º, faculta à Comissão Estadual de Controle Ambiental – Ceca “dispensar” o EIA/RIMA, desde que fundada em parecer técnico da Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente – Feema, hoje Instituto Estadual do Ambiente – Inea, que conclua pela ausência de potencial de significativo dano ambiental, para as instalações e/ou atividades arroladas nos incisos do caput, desde que a licença preveja as medidas necessárias à preservação e proteção do meio ambiente.

O julgado fluminense peca duplamente: primeiro, por ignorar completamente que o próprio art. 3º, parágrafo único, da Resolução Conama nº 237/1997 — teleologicamente idêntico ao art. 1º, § 5º, da Lei Estadual nº 1.356/1988 — já excepciona a aplicação da norma do art. 2º da Resolução Conama nº 01/1986 quando admite que “o órgão ambiental competente, verificando que a atividade ou empreendimento não é potencialmente causador de significativa degradação, definirá os estudos ambientais pertinentes ao respectivo processo de licenciamento”; e depois, por confundir dispensa com inexigibilidade de EIA/RIMA.

Em que pese a impropriedade terminológica do legislador estadual ao empregar o verbo “dispensar”, uma vez atestado pelo órgão ambiental que o empreendimento que se pretende licenciar não possui significativo impacto, não há absolutamente de se falar em caso de dispensa, mas em inexigibilidade de EIA/RIMA. Enquanto esta ocorre quando falta o pressuposto jurídico ou fático do EIA/RIMA, qual seja o potencial de causar significativa degradação ambiental, aquela tem lugar quando, à revelia de justificativa técnica idônea, o proponente é isento da apresentação desse estudo, quer por norma legal, quer por ato administrativo do órgão licenciador.

Fica fácil de perceber que a dispensa de EIA/RIMA hostiliza o art. 225, § 1º, inc. IV, da CR, ao passo que a inexigibilidade não é senão a aplicação do princípio da defesa do meio ambiente, mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental, plasmado no art. 170, inc. VI, da CR.

O estudo prévio de impacto ambiental – EIA/RIMA é uma garantia fundamental, e não um direito fundamental, razão pela qual não constitui um fim em si mesmo, antes tendo índole acessória e assecuratória do direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Este último, sim, caracteriza-se como um fim em si mesmo, portanto possuindo existência autônoma em relação àquele.[3] Por esse motivo, não é a instalação de qualquer obra ou atividade com potencial de alterar adversamente as características do ambiente que sujeita seu proponente à realização de estudo prévio de impacto ambiental, mas somente aquela que possa causar significativa degradação ambiental.

Por isso, está com a razão o Procurador do Estado do Rio de Janeiro Vittorio Constantino Provenza ao sustentar que “desrespeita a vontade do legislador constituinte tanto dispensar o EIA nos casos de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação ambiental, assim como exigir, por mera burocracia, EIA onde constatar-se que a obra ou a atividade não é potencialmente causadora de significativa degradação ambiental” (grifos do original).[4]

[*Este breve artigo é uma síntese de nosso recente PARECER Nº 12/2019 – VMC – ASJUR/SEAS, aprovado pelo Assessor Chefe Leonardo Quintanilha, no dia 26 de abril de 2019.]

Notas:

[1] “Possui o CONAMA autorização legal para editar resoluções que visem à proteção das reservas ecológicas, entendidas como as áreas de preservação permanentes existentes às margens dos lagos formados por hidrelétricas. Consistem elas normas de caráter geral, às quais devem estar vinculadas as normas estaduais e municipais, nos termos do artigo 24, inciso VI e §§ 1º e 4º, da Constituição Federal e do artigo 6º, incisos IV e V, e §§ 1º e 2º, da Lei n. 6.938/81”, cf. SUPERIOR Tribunal de Justiça. REsp 194.617/PR (Segunda Turma). Diário da Justiça 01 jul. 2002. Rel. Min. Franciulli Netto.

[2] AC 0031558-46.2004.8.19.0001 (Nona Câmara Cível). Julgamento 07 nov. 2006. Rel. Des. Joaquim Alves de Brito.

[3] Direitos fundamentais e garantias fundamentais não se confundem. Enquanto aqueles são os “bens e vantagens conferidos pela norma”, estes “são meios destinados a fazer valer esses direitos, são instrumentos pelos quais se asseguram o exercício e gozo daqueles bens e vantagens”, cf. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, 38. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 415.

[4] Parecer nº 05/2001-VCP, aprovado pelo então Procurador Geral do Estado Francesco Conte.

imagem Vinícius Monte Custódio
Vinícius Monte Custodio – Coordenador da Assessoria Jurídica Especializada em Direito Ambiental da Secretaria de Estado do Ambiente e Sustentabilidade do Rio de Janeiro (Asjur/Seas), membro da Comissão de Meio Ambiente do IBRADIM e mestre em Ciências Jurídico-Políticas com menção em Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente pela Universidade de Coimbra.

 

Direito Ambiental

Confira a íntegra do Parecer nº 12/2019 – VMC – ASJUR/SEAS:

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Um comentário

  1. Em Minas Gerais também temos algo parecido. Para atividades de baixo impacto ou pequeno porte, temos a Certidão de Dispensa de Licenciamento. Também seria o caso de inexigibilidade e não dispensa?

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