Confira a íntegra da decisão:
APELAÇÃO CÍVEL/REEXAME NECESSÁRIO 2008.36.00.018420-7/MT
Processo na Origem: 184207420084013600
RELATOR(A) | : | DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE |
APELANTE | : | SEBASTIAO BARBOSA DOS REIS E OUTROS(AS) |
ADVOGADO | : | MT00009276 – JOSE RICARDO ELIAS E OUTRO(A) |
APELANTE | : | INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVACAO DA BIODIVERSIDADE – ICMBIO |
PROCURADOR | : | ADRIANA MAIA VENTURINI |
APELADO | : | OS MESMOS |
REMETENTE | : | JUÍZO FEDERAL DA 3ª VARA – MT |
RELATÓRIO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE (RELATOR):
Cuida-se de recurso de apelação interposto contra sentença proferida pelo Juízo da 3ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado de Mato Grosso, nos autos da ação ajuizada por Sebastião Barbosa dos Reis e Outros em desfavor do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBIO, em que se busca o pagamento de indenização, a título de danos morais e materiais, em virtude de sinistro com resultante morte de um dos membros da família, decorrente de desmoronamento ocorrido na “cachoeira véu de noiva”, localizada no Parque Nacional da Chapada dos Guimarães, no Estado de Mato Grosso.
A controvérsia instaurada nestes autos restou resumida pelo juízo a quo, com estas letras:
Trata-se de ação pelo rito ordinário interposta por SEBASTIÃO BARBOSA DOS REIS, JUSSARA DE FÁTIMA DUTRA DOS REIS c EULA ANDREIA DUTRA DOS REIS, em face do IBAMA e ICMBIO, objetivando indenização por danos morais, bem como pensão mensal, decorrente da morte de SAIRÁ TAMARYS DUTRE DOS REIS, provocada pelo desmoronamento ocorrido na Cachoeira Véu de Noiva, localizada no Parque Nacional da Chapada dos Guimarães.
Alegam, em síntese, que no dia 21/04/2008 a vítima SAIRÁ, juntamente com sua irmã EULA e um grupo de pessoas de sua igreja foram passear no Parque Nacional da Chapada dos Guimarães, especificamente na Cachoeira Véu de Noiva, sendo que nesse dia houve um desmoronamento de um bloco de arenito, que se desprendeu do paredão atingindo várias pessoas, inclusive SAIRÁ, a qual teve traumatismo craniano e acabou por falecer em 02/05/2008.
Aduzem que não havia nenhuma placa indicativa de “perigo” ou “proibido adentrar” ou qualquer coisa que advertisse os visitantes, impedindo o acesso na base da Cachoeira. Defendem que houve omissão por parte das requeridas quanto à conservação do paredão e encostas existentes na Cachoeira, o que permitiu o desmoronamento ocorrido.
Assim, os autores na qualidade de pais e irmã da vítima requerem indenização pelos danos morais sofridos com a morte da SAIRÁ, bem como pensão mensal equivalente a um salário mínimo até o ano de 2016, data em que a vítima completaria 25 anos de idade, reduzida a metade a partir de então até a data em que a vítima completaria 65 anos de idade, uma vez que SAIRÁ contribuía para a renda familiar.
Citado o IBAMA contestou às fls. 174/178, alegando ilegitimidade passiva. No mérito defendeu que o acidente se deu por causa natural, decorrente de força maior, fato que exclui a responsabilidade do Estado, uma vez que não restou caracterizada omissão culposa. Alega, ainda, que não restou comprovada a existência de dependência econômica dos autores em relação à vítima, o que afasta qualquer possibilidade de pagamento de pensão mensal.
Tutela indeferida (fl. 186/187).
Os autores comunicaram a interposição de agravo de instrumento às fls. 190.
Impugnação às fls. 204/208.
Citado o ICMBIO apenas reiterou as razões lançadas pelo IBAMA em sua contestação (fl. 214).
Impugnação às fls. 221.
Em decisão saneadora de fl. 250/251 foi acolhida a preliminar de ilegitimidade passiva do IBAMA, bem como foi determinada regularização processual dos autores, com ajuntada de nova procuração, o que foi cumprido às fls. 253 e 258.
Em decisão de fl. 261 foi deferida prova testemunhal postulada pelas partes, oportunidade cm que foi indeferido o depoimento pessoal da autora EULA.
Às fls. 309 consta depoimento da testemunha JUAREZ JOSÉ VASTO (arrolada pelo réu), cujo depoimento foi colhido mediante carta precatória.
Às fl. 336 consta depoimento das testemunhas MARIA DA GLÓRIA CARMO CARVALHO, HORTIZ WELBERSON DA SILVA ROSA e DIEGO DE OLIVEIRA CAMARGO, arrolados pelos autores.
Com relação às demais testemunhas arroladas pelo autor, houve desistência das suas oitivas, o que foi homologado pelo juízo em audiência (fl. 331/332).
As oitivas das demais testemunhas arroladas pelo réu foram dispensadas, com a aplicação do art. 453, §2° do CPC, ante o não comparecimento do ICMBIO em audiência de instrução (fl. 331/332).
Os autores desistiram da juntada de mídia eletrônica requerida às fls. 209, o que foi homologado pelo juízo às fls. 341.
Intimado o ICMBIO para se manifestar sobre as testemunhas não localizadas, o réu deixou transcorrer o prazo sem manifestar-se.
Encerrada a instrução, os autores apresentaram alegações finais às fls. 343/346 e o réu às fls. 355/362.
Após regular instrução do feito, o juízo monocrático julgou parcialmente procedente a pretensão deduzida na inicial, para impor ao promovido obrigação de pagar pensão mensal, a ser dividida entre os pais da vítima (SEBASTIÃO e JUSSARA), no valor de 2/3 (dois terço) do valor do salário mínimo, inclusive, gratificação natalina, contados a partir do óbito até a data em que a vítima viria a completar 25 (vinte e cinto) anos de idade, reduzida, a partir de então, para 1/3 (um terço) do salário mínimo, até o óbito dos beneficiários da pensão ou a data em que a vítima completaria 65 anos de idade, o que ocorrer primeiro, todo corrigido monetariamente pelo INPC-IBGE, desde a data do óbito até o efetivo pagamento. Houve, também, a imposição do pagamento de indenização por danos morais, no seguinte montante: R$ 50.00,00 (cinquenta mil reais), para cada um dos pais da vítima e R$ 100.000,00 (cem mil reais), para a sua irmã (EULA), tudo corrigido monetariamente a partir da data da sentença, devendo, ainda, incidir juros moratórios, no percentual de 1% (um por cento) ao mês, deste a data do evento danoso até o efetivo pagamento. Os honorários advocatícios restaram fixados em quantia correspondente a 10% (dez por cento) sobre o valor atribuído à causa (R$ 678.950,00, em dezembro/2008).
Houve interposição de recurso por ambas as partes.
Em suas razões recursais, insurgem-se os autores quanto ao montante da indenização arbitrado a título de danos morais, pugnando pela sua elevação, ao argumento de que, na espécie, a quantia fixada afigurar-se-ia desproporcional ao dano por eles sofrido, insistindo na sua fixação nos valores indicado na peça de ingresso, quais sejam: correspondentes a 500 (quinhentos) salários mínimos para cada um dos pais e a 300 (trezentos) salários mínimos, para a irmã da vítima. Postulam, ainda, a reforma da sentença monocrática, no tocante ao quantum da verba honorária, elevando-o para o limite máximo previsto na legislação de regência, qual seja, no percentual de 20%(vinte por cento) e não de 10% (dez por cento) estipulado no referido julgado (fls. 382/389).
Por sua vez, sustenta o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBIO, em resumo, a inexistência de qualquer responsabilidade objetiva ou subjetiva quanto à ocorrência do evento danoso, destacando-se, ainda, que, na espécie, não teria sido demonstrada qualquer relação de dependência econômica dos autores da demanda em relação à vítima do acidente descrito autos, insurgindo-se, também, quanto ao valor da indenização arbitrada pelo juízo monocrático, por considerá-lo exorbitante e desproporcional ao dano supostamente suportado pelos demandantes (fls. 393/403).
Embora regularmente intimadas as partes, apenas os autores manifestaram-se em contrarrazões recursais (fls. 409/413), subindo os autos a este egrégio Tribunal, por força, também, da remessa oficial interposta.
Este é o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE (RELATOR):
A discussão travada nestes autos restou resolvida, pelo juízo monocrático, com estas letras:
Pretende a parte Autora responsabilizar civilmente o ICMBIO pelos danos materiais (pensão) e morais que alega ter sofrido em razão do desmoronamento ocorrido na Cachoeira Véu de Noiva, localizada no Parque Nacional da Chapada dos Guimarães/MT, que vitimou fatalmente SAIRA TAMARYS DUTRA DOS REIS, filha de SEBASTIÃO BARBOSA DOS REIS e JUSSARA DE FÁTIMA DUTRA DOS REIS e irmã de EULA ANDREIA DUTRA DOS REIS, alegando que o acidente somente ocorreu em virtude da atitude omissa do réu, correspondente à má conservação do Parque Nacional e ausência de fiscalização adequada, já que o acesso ao local não estava proibido, ausente qualquer tipo de sinalização quanto aos riscos.
Vê-se, pois, que a causa de pedir não é um ato comissivo, mas sim uma conduta omissiva do Poder Público.
Dessa forma, com base na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, é necessária a comprovação do elemento subjetivo (dolo ou culpa) na atuação do réu.
Nesse sentido, confiram-se os precedentes abaixo transcritos:
ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. QUEDA DE ÁRVORE. DANO EM VEÍCULO ESTACIONADO NA VIA PÚBLICA. NOTIFICAÇÃO DA PREFEITURA ACERCA DO RISCO. INÉRCIA. NEGLIGÊNCIA ADMINISTRATIVA COMPROVADA. DEVER DE INDENIZAR MANTIDO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA ENTRE OS ARESTOS CONFRONTADOS.
1. A jurisprudência desta Corte se firmou no sentido de ser subjetiva a responsabilidade civil do Estado nas hipóteses de omissão, devendo ser demonstrada a presença concomitante do dano, da negligência administrativa e do nexo de causalidade entre o evento danoso e o comportamento ilícito do Poder Público. Precedentes.
2. Na hipótese dos autos, conquanto a Corte a quo tenha acenado com a responsabilidade objetiva do Estado, restaram assentados no acórdão os pressupostos da responsabilidade subjetiva, inclusive a conduta culposa, traduzida na negligência do Poder Público, pois mesmo cientificado do risco de queda da árvore três meses antes, manteve-se inerte.
3. O conhecimento da divergência jurisprudencial pressupõe demonstração, mediante a realização do devido cotejo analítico, da existência de similitude das circunstâncias fálicas e do direito aplicado nos acórdãos recorrido e paradigmas, nos moldes dos arts.
541 do CPC e 255 do RISTJ.
4. Recurso especial conhecido em parte e não provido.
(STJ – REsp 1230155/PR, Rei. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado cm 05/09/2013, DJe 17/09/2013)
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. OMISSÃO. SUBJETIVA. NEXO DE CAUSALIDADE. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ.
1. Inexiste violação do art. 535 do CPC quando a prestação jurisdicional é dada na medida da pretensão deduzida, com enfrentamento e resolução das questões abordadas no recurso.
2. A responsabilidade civil do Estado por condutas omissivas é subjetiva, sendo necessário, dessa forma, comprovar a negligencia na atuação estatal, o dano e o nexo causal entre ambos.
3. Hipótese em que, conforme se extrai do acórdão recorrido, ficou demonstrado a existência de nexo causal entre a conduta do Estado e o dano, o que caracteriza o ato ilícito, devendo o autor ser indenizado pelos danos suportados. Rever tal posicionamento requer, necessariamente, o reexame de fatos e provas, o que é vedado ao STJ por esbarrar no óbice da Súmula 7/STJ.
Agravo regimental improvido.
(STJ – AgRg no AREsp 302.747/SE, Rei. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/04/2013, DJe 25/04/2013)
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ATO OMISSIVO DO PODER PÚBLICO: DETENTO FERIDO POR OUTRO DETENTO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA: CULPA PUBLICIZADA: FALTA DO SERVIÇO. C.F., art. 37, § 6°.
1. – Tratando-se de ato omissivo do poder Público, a responsabilidade civil por esse ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, em sentido estrito, esta numa de suas três vertentes — a negligência, a imperícia ou a imprudência – não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço publico, de forma genérica, a falta do serviço.
2. – A falta do serviço – faute du service dos franceses – não dispensa o requisito da causalidade, vale dizer, do nexo de causalidade entre ação omissiva atribuída ao poder público e o dano causado a terceiro.
III. – Detento ferido por outro detento: responsabilidade civil do Estado: ocorrência da falta do serviço, com a culpa genérica do serviço público, por isso que o Estado deve zelar pela integridade física do preso.
4. – RE conhecido c provido.
(STF, RE 382.054/RJ, Rei. Min. Carlos Velloso, Segunda Turma, DJU 3.8.2004)
Essa conclusão decorre da interpretação do art. 37, § 6°, da Constituição Federal vigente, segundo o qual “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa“. Como se sabe, somente quem age pode causar danos a terceiro. Daí porque a limitação da abrangência daquele dispositivo constitucional aos casos de ação do Poder Público, restando aos casos de omissão a regra geral, qual seja, a responsabilidade civil subjetiva, que depende de dolo ou culpa.
Assim, para que o Estado responda subjetivamente, é necessário que se prove o dano sofrido, o nexo de causalidade (liame) e a conduta culposa da Administração (omissão voluntária, negligência ou imperícia), desde que evidenciado que a vítima não concorreu, total ou parcialmente, para o evento danoso e, ainda, que não tenha havido caso fortuito ou força maior.
O ICMBIO foi criado pela Lei n. 11.516, de 28 de agosto de 2007 e ficou responsável pela gestão, proteção, fiscalização e monitoramento das unidades de conservação instituídas pela União, tais como o Parque Nacional da Chapada dos Guimarães.
Assim, dispõe a Lei n. 11.516/2007:
“Art. 1° Fica criado o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – Instituto Cinco Mendes, autarquia federal dotada de personalidade jurídica de direito público, autonomia administrativa e financeira, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, com a finalidade de:
I – executar ações da política nacional de unidades de conservação da natureza, referentes às atribuições federais relativas à proposição, implantação, gestão, proteção, fiscalização e monitoramento das unidades de conservação instituídas pela União;
Portanto, não há dúvida de que o ICMBIO tem o dever jurídico de fazer a fiscalização e conservação do Parque Nacional da Chapada dos Guimarães, que é uma Unidade de Conservação Federal.
No caso dos autos, ficou evidenciado pelo Laudo Pericial nº 02-08-002945/2008, acostado às fls. 90/143, elaborado pela Secretaria de Justiça e Segurança Pública (Seção Técnica de Perícias em Engenharia Legal e Meio Ambiente) que foi observado na parte superior do paredão, nas proximidades do desmoronamento, rachaduras nas bordas do paredão (trincas geológicas) e escoamento de água superficial, sendo que alguns desses escoamentos e infiltrações estão posicionados na direção daquela parte que desmoronou.
Às fls. 117 e 118 do laudo, constam fotos de parte da trilha de acesso à base da Cachoeira Véu de Noiva, que demonstram a presença de blocos de rochas alterados e ação erosiva favorecendo a instabilidade e riscos de desmoronamento e acidente.
Do mesmo modo, às fls. 124 consta anexo fotográfico que mostra parte da trilha, nas proximidades do leito do córrego coxipózinho, com a seguinte descrição: “Notar a intensificação da ação erosiva causada pela falta de conservação e de estruturas de controle de erosão que impeçam a concentração do escoamento das águas de chuva. Notar a exposição de raízes que ilustram a ação erosiva.”
Portanto, os dados contidos no Laudo Pericial acima mencionado apontam que havia riscos de desmoronamento, ante a intensificação da ação erosiva. Cabe ao ICMBIO a responsabilidade pela Administração do Parque Nacional da Chapada, o que inclui assegurar a segurança dos visitantes no local. No entanto, o réu foi omisso no seu dever de fiscalização e conservação, pois ou sequer tomou conhecimentos dos iminentes riscos de desabamento, fato que demonstra falha no dever de fiscalizar permanentemente o Parque ou, se tomou conhecimento dos riscos, falhou ao não alertar os visitantes do perigo iminente.
Ressalto que a Cachoeira Véu de Noiva é um local destinado à visitação diária de turistas. Assim, o réu deveria ter tido o cuidado de impedir o acesso ao local, como medida preventiva de acidentes ou, ao menos, deveria ter sinalizado, por meio de placas e cordões de isolamento, acerca dos riscos de desabamentos. Até poderia ser afastada a responsabilidade do réu, sob a alegação de “FORÇA MAIOR”, se o acidente tivesse ocorrido em um ponto isolado do Parque, não destinado à visitação, mas não é esse o caso dos autos.
Por fim, os testemunhos colhidos na fase instrutória confirmam que o acesso à queda d’água era livre na época do acidente e não havia qualquer tipo de sinalização, placas ou cordões de isolamento alertando sobre o risco de desmoronamento no local.
Portanto, resta evidenciada a negligência do ICMBIO quanto à fiscalização e conservação do Parque, pois deixou o acesso da Cachoeira Véu de Noiva livre aos visitantes, mesmo com a iminência de desmoronamento e sem alertar quanto aos riscos. Presente, pois, uma omissão culposa do réu, a ensejar a sua responsabilização pela morte da vítima.
PENSÃO MENSAL – DANO MATERIAL:
Os autores pleiteiam o recebimento de uma pensão mensal, equivalente à um salário mínimo (valor que a vítima recebia em vida), até o ano de 2016, data em que a vítima completaria 25 anos de idade, reduzida pela metade a partir de então (1/2 salário mínimo), até a data em que completaria 65 anos de idade, ou seja, 2056.
Dispõe o artigo 984, II, do CC, que a indenização, no caso de homicídio, consistirá na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima.
O documento de fl. 37 comprova que SAIRA TAMARYS DUTRA DOS REIS, vítima fatal do acidente, era filha de SEBASTIÃO BARBOSA DOS REIS e JUSSARA DE FÁTIMA DUTRA DOS REIS, sendo certo que a sua morte enseja o pagamento de indenização, sob a forma de pensão a seus dependentes. Fica excluída desse benefício a irmã EULA, pois não se enquadra no conceito legal de dependente da vítima.
O Superior Tribunal vem se posicionando no sentido de que quando se trata de família de baixa renda, presume-se que o filho contribuiria para o sustento de seus pais, quando tivesse idade para passar a exercer trabalho remunerado, por isso a sua morte prematura configura dano passível de indenização.
Nesse sentido, transcrevo o seguinte julgado:
AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. MORTE DE FILHA MENOR. PENSÃO DEVIDA AOS PAIS. TERMO INICIAL. TERMO FINAL. DÉCIMO-TERCEIRO SALÁRIO.
1. Tratando-se de família de baixa renda, presume-se que o filho contribuiria para o sustento de seus pais, quando tivesse idade para passar a exercer trabalho remunerado, dano este passível de indenização.
2. Pensão mensal de 2/3 (dois terços) do salário mínimo, inclusive gratificação natalina, contada a partir do dia em que a vítima completasse 14 anos até a data em que viria a completar 25 anos, reduzida, a partir de então, para 1/3 (um terço) do salário mínimo, até o óbito dos beneficiários da pensão ou a data em que a vítima completaria 65 anos de idade, o que ocorrer primeiro.
3. Agravo regimental provido. Recurso especial conhecido e provido.
(AgRg no Ag 1217064/RJ, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 23/04/2013, DJe 08/05/2013).
Assim, é forçoso reconhecer o direito dos pais SEBASTIÃO e JUSSARA a uma prestação de alimentos, na forma de pensionamento mensal, a ser fixada, em regra, de acordo com a renda percebida pelo filho falecido, à época do acidente automobilístico.
No presente caso, pela cópia da CTPS de fl. 40 é possível verificar que SAIRA estava empregada na época do acidente e recebia R$ 430,00 (quatrocentos e trinta reais), que correspondia a um salário mínimo no ano de 2008.
Em vista da prova dos ganhos mensais da vítima, que correspondia a um salário mínimo, e tratando-se de família de baixa renda deve-se entender que todos os integrantes participam do sustento comum com parte do salário, sendo razoável fixar a pensão com base em 2/3 (dois terços) do salário mínimo, deduzindo um terço (1/3) correspondente ao que a vítima, por presunção, despenderia com seu próprio sustento.
Assim, em consonância com a jurisprudência do STJ o réu deve pagar pensão mensal a ser dividida entre os pais da vítima (SEBASTIÃO e JUSSARA), no valor de 2/3 do salário mínimo, inclusive gratificação natalina, contados a partir do óbito até a data em que a vítima viria a completar 25 anos, reduzida, a partir de então, para 1/3 (um terço) do salário mínimo até o óbito dos beneficiários da pensão ou a data em que a vítima completaria 65 anos de idade, o que ocorrer primeiro.
Para fins de cálculo do valor a ser pago pelo réu a título de pensão na fase de liquidação da sentença deverá ser considerado o valor do salário mínimo vigente em cada período da condenação, devendo o valor ser pago de forma unitária e total e não mensalmente.
DANO MORAL:
A existência do dano moral no caso presente é indiscutível, pelo evidente abalo que os familiares sofrem ao perder seu ente querido de forma prematura, sendo privados não só do seu sustento, mas, muito mais importante, do carinho, do convívio e do afeto.
Fácil deduzir que o abalo sofrido foi grave e jamais poderá realmente ser composto de forma integral.
Por outro lado, imperioso sopesar estes elementos com a ideia de que a indenização por danos morais não deve gerar enriquecimento sem causa, mas sim punir o causador do dano para fazê-lo repensar a conduta, a fim de evitar que a postura negligente se repita.
O pedido de indenização a título de danos morais pela autora se mostra excessivo em vista à iterativa jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Em tal contexto, a minoração do valor da indenização para R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) se mostra adequada a casos da espécie.
A esse respeito, confira-se:
CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO, CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO. COLISÃO DE AUTOMÓVEL COM ANIMAL. DANOS MATERIAIS E MORAIS. PENSIONAMENTO CIVIL E PREVIDÊNCIÁRIO. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO. PRAZO DE VIDA DA VÍTIMA PRESUMIDO. TABELA IBGE. LEGITIMIDADE. DESPESAS COM FUNERAL E SEPULTURA NÃO COMPROVADAS. JUROS MORATÓRIOS E CORREÇÃO MONETÁRIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS (ART. 20, § 4°, DO CPC).
1. Comprovado o nexo causal entre a conduta e o resultado danoso que reclama reparação, emerge inequívoca a obrigação da União relativa à recomposição dos danos experimentados pelos autores, que tiveram a perda irreparável de seu esposo/pai, restando o dever do responsável minorar o sofrimento, com a recomposição dos danos materiais experimentados.
2. Não se compensam, nem se deduzem da indenização por ato ilícito na forma de pensionamento, as quantias recebidas pelos beneficiários da vítima dos institutos previdenciários ou assistenciais, haja vista que são verbas pagas sob títulos e pressupostos distintos, sem relação de causalidade entre si, podendo ser perfeitamente cumuláveis. 3. Não é absoluto o entendimento de que a estipulação de idade presumida da vítima a ser adotada como marco final de pensionamento deve observar a tabela de sobrevida utilizada pela Previdência Social, já que esta tem caráter meramente orientativo, sendo legítima a expectativa de vida apurada segundo a tabela do IBGE. Precedentes do STJ.
3. Ainda que não comprovadas, as despesas com funeral e sepultura decorrentes da morte da vítima devem ser indenizadas, dada a certeza de sua ocorrência e tendo em vista a natureza social da verba, a ser apurada em liquidação de sentença. Precedentes do STJ.
4. Já que o quantum fixado para indenização do dano moral não pode configurar valor exorbitante que caracterize o enriquecimento sem causa da vitima ou seus beneficiários, nem consistir valor irrisório a descaracterizar a indenização almejada, mostra-se justa e equânime a fixação do valor da indenização por danos morais na quantia de RS 50.000,00 (cinquenta mil reais), para cada um dos autores, com a ressalva de que tão-somente quanto ao valor da condenação por dano moral o termo a quo para a incidência da correção monetária é a data cm que foi arbitrado o valor definitivo, ou seja, na sentença.
5. Quanto à correção monetária e os juros moratórios, aplicam-se, respectivamente, os Enunciados de n” 43 e 54, do STJ, que dizem: “Incide correção monetária sobre dívida por ato ilícito a partir da data do efetivo prejuízo” e “Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual”, com a ressalva de que tão-somente quanto ao valor da condenação por dano moral o termo a quo para a incidência da correção monetária c a data em que foi arbitrado o valor definitivo, ou seja, na sentença.
6. Os percentuais de juros moratórios fixados em “6% (seis por cento) ao ano até a entrada cm vigor do novo Código Civil (l 1/01/2003) e 1% (um por cento) ao mês a partir de então” estão de acordo com a legislação civil (CC/1916, art. 1.062; e CC/2002, art. 406) e seguem a orientação do Enunciado n” 20, formulado na I Jornada de Direito Civil, organizado pelo Conselho de Justiça Federal.
7. Honorários advocatícios fixados de acordo com o § 4°, do art. 20, do CPC, cm R$ 20.000,00 (vinte mil reais).
8. Apelação da União e remessa oficial improvidas. Apelação dos autores provida. (TRF1 AC 1998.43.00.001890-0/TO; APELAÇÃO CÍVEL Relator Convocado: JUIZ FEDERAL MOACIR FERREIRA RAMOS (CONV.) – Publicação: DJ p.47 de 13/08/2007).
Isto considerando, arbitro a indenização por danos morais em R$ 50.00,00 (cinquenta mil reais) para os pais da vítima (SEBASTIÃO e JUSSARA), valor unitário para cada um.
Por outro lado, com relação à irmã EULA, que presenciou o acidente e esteve ao lado da vítima, vendo-a agonizar cm seus últimos momentos de vida, arbitro a indenização por danos morais em R$ 100.000,00 (cem mil reais).
A correção e juros do dano seguirão o padrão fixado pelo c. STJ:
AGRAVO REGIMENTAL AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – RESPONSABILIDADE CIVIL – FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO BANCÁRIO – INSCRIÇÃO EM CADASTRO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO – DANOS MORAIS – REEXAME DO CONJUNTO FÁTICOPROBATÓRIO – QUANTUM INDENIZATÓRIO – RAZOABILIDADE – IMPOSSIBILIDADE – SÚMULA 7/STJ – JUROS MORATÓRIOS – INCIDÊNCIA – SÚMULA 54/STJ – CORREÇÃO MONETÁRIA – SÚMULA 362/STJ-DECISÃO AGRAVADA MANTIDA – IMPROVIMENTO.
/.-….
3.- No tocante aos juros, a jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido de que os juros de mora incidem desde a data do evento danoso, em casos de responsabilidade extracontratual, entendimento consolidado com a edição da Súmula 54/STJ.
4.- A correção monetária, em casos de responsabilidade contratual, deve incidir a partir do arbitramento do valor da condenação.
5.- Agravo Regimental improvido.
(AgRg no AREsp 322.479/SP, Rei. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/06/2013, DJe 01/08/2013)
DISPOSITIVO
Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos para:
1) CONDENAR o ICMBIO a pagar pensão mensal a ser dividida entre os pais da vítima (SEBASTIÃO e JUSSARA), no valor de 2/3 do salário mínimo, inclusive gratificação natalina, contados a partir do óbito até a data em que a vítima viria a completar 25 anos, reduzida, a partir de então, para 1/3 (um terço) do salário mínimo até o óbito dos beneficiários da pensão ou a data em que a vítima completaria 65 anos de idade, o que ocorrer primeiro. Os valores atrasados devem ser corrigidos monetariamente pelo INPC-IBGE desde a data do óbito até o efetivo pagamento, sendo ainda acrescidos juros de mora de 1% ao mês, também contados da mesma data;
2) CONDENAR o ICMBIO a pagar danos morais para os autores, os quais arbitro em R$ 50.00,00 (cinquenta mil reais) para cada um dos pais (SEBASTIÃO e JUSSARA) e R$ 100.000,00 (cem mil reais) para a irmã EULA. O valor será corrigido monetariamente a partir desta data c acrescido de juros de mora de 1% ao mês, estes contados desde a data do óbito.
Considerando a sucumbência recíproca, mas de ínfima monta para os autores, fixo os honorários em 10% do valor da causa, a serem pagos pela Ré, nos termos do art. 20 § 4° e 21, parágrafo único, do CPC.
Sem custas.
Sentença sujeita ao duplo grau obrigatório” (fls. 364/373).
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Como visto, a pretensão indenizatória veiculada nestes autos tem por suporte fático a ocorrência de acidente em trilha de acesso à “cachoeira véu de noiva”, localizada nos limites territoriais do Parque Nacional da Chapada dos Guimarães, no Estado de Mato Grosso, do que resultou a morte de uma das filhas dos dois primeiros autores e irmã da terceira demandante.
Concluiu o juízo monocrático, amparando-se nas conclusões da perícia técnica e da prova testemunhal produzida durante a instrução processual, que, na espécie, restou caracterizada a responsabilidade do Instituto promovido, na medida em que, a despeito dos riscos de desmoronamentos então existentes, não teriam sido adotadas as indispensáveis medidas de precaução, tais como, contenção/eliminação de tais riscos, interdição do local ou sinalização do perigo existente, mormente por se tratar de área aberta à diária visitação pública.
Por sua vez, insiste o Instituto promovido na alegação de que o acidente em referência teria decorrido de causa natural, de mera fatalidade, não guardando qualquer ligação com eventual ação antrópica, não se lhe podendo atribuir, por conseguinte, a aventada responsabilidade por culpa ou dolo de seus agentes, quanto ao resultado morte noticiado nos autos.
Assim posta a questão e não obstante os fundamentos deduzidos pela autarquia recorrente, não prospera a pretensão recursal por ela veiculada, na medida em que não conseguem infirmar as lúcidas razões em que se amparou a sentença recorrida.
Registre-se, por oportuno, que, na espécie, afigura-se irrelevante a discussão trazida à baila pela autarquia recorrente, no sentido de que, na espécie, eventual responsabilidade seria subjetiva, e não objetiva, impondo-se, assim, a necessidade de comprovação da ocorrência de culpa ou dolo, o que não teria ocorrido, na espécie.
Com efeito, acerca do tema, o colendo Supremo Tribunal Federal já assentou o entendimento, inclusive, em sede de repercussão geral, que “a responsabilidade civil estatal, segundo a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, § 6º, subsume-se à teoria do risco administrativo, tanto para as condutas estatais comissivas quanto paras as omissivas, posto rejeitada a teoria do risco integral” e de que “a omissão do Estado reclama nexo de causalidade em relação ao dano sofrido pela vítima nos casos em que o Poder Público ostenta o dever legal e a efetiva possibilidade de agir para impedir o resultado danoso”. (RE 841526, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 30/03/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-159 DIVULG 29-07-2016 PUBLIC 01-08-2016).
Nesse sentido, confira-se, dentre outros, o seguinte julgado:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – INOCORRÊNCIA DE CONTRADIÇÃO, OBSCURIDADE OU OMISSÃO – PRETENDIDO REEXAME DA CAUSA – CARÁTER INFRINGENTE – INADMISSIBILIDADE – RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO PODER PÚBLICO – ELEMENTOS ESTRUTURAIS – TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO – FATO DANOSO (MORTE) PARA O OFENDIDO (MENOR IMPÚBERE) RESULTANTE DE TRATAMENTO MÉDICO INADEQUADO EM HOSPITAL PÚBLICO – PRESTAÇÃO DEFICIENTE, PELO DISTRITO FEDERAL, DO DIREITO FUNDAMENTAL A SAÚDE, INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS.
(…)
– Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) a alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o “eventus damni” e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público, (c) a oficialidade da atividade causal e lesiva imputável a agente do Poder Público que tenha, nessa específica condição, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do comportamento funcional e (d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal. Precedentes. A omissão do Poder Público, quando lesiva aos direitos de qualquer pessoa, induz à responsabilidade civil objetiva do Estado, desde que presentes os pressupostos primários que lhe determinam a obrigação de indenizar os prejuízos que os seus agentes, nessa condição, hajam causado a terceiros. Doutrina. Precedentes.
– A jurisprudência dos Tribunais em geral tem reconhecido a responsabilidade civil objetiva do Poder Público nas hipóteses em que o “eventus damni” ocorra em hospitais públicos (ou mantidos pelo Estado), ou derive de tratamento médico inadequado, ministrado por funcionário público, ou, então, resulte de conduta positiva (ação) ou negativa (omissão) imputável a servidor público com atuação na área médica.
– Configuração de todos os pressupostos primários determinadores do reconhecimento da responsabilidade civil objetiva do Poder Público, o que faz emergir o dever de indenização pelo dano pessoal e/ou patrimonial sofrido.
(AI 734689 AgR-ED, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 26/06/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-167 DIVULG 23-08-2012 PUBLIC 24-08-2012)
Na hipótese dos autos, embora a conclusão da perícia técnica tenha concluído que o desmoronamento de parte do paredão da cachoeira descrita na inicial tenha decorrido de causas naturais, tal circunstância, por si só, não tem o condão de afastar a responsabilidade da autarquia promovida, por não se estar aqui a discutir a causa do referido desmoronamento, mas sim, a omissão daquele órgão ambiental quanto à sua responsabilidade pela conservação, manutenção e fiscalização do Parque Nacional em que ocorreu o acidente. Nesse viés, impende consignar a que aquela mesma perícia técnica constatou que, a despeito dos evidentes riscos de desmoronamentos na referida área, encontrava-se a mesma aberta à visitação pública, sem a adoção das medidas preventivas necessárias, seja pela sua interdição ou, ao menos, a aposição de placas indicativas do perigo ali existente, providências essas que, se oportunamente implementadas, certamente teriam evitado a ocorrência do sinistro do que resultou a morte de uma visitante.
Vê-se, assim, que a autarquia promovida foi omissa quanto ao seu dever de preservar a segurança dos frequentadores do Parque Nacional por ela administrado, do que resulta a sua responsabilidade objetiva, na espécie.
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No que pertine à alegada inexistência de prova de relação de dependência econômica dos pais em relação à vítima, as razões recursais limitam-se a repetir aquelas já deduzidas em sua peça de defesa e devidamente rechaçadas na sentença recorrida, na linha da orientação jurisprudencial já sedimentada em nossos tribunais, no sentido de que, tratando-se de família de baixa renda, como no caso, presume-se que o filho contribuiria para o sustento de seus pais, quando tivesse idade para passar a exercer trabalho remunerado, dano este passível de indenização.
Sobre o tema, confira-se, dentre outros, o seguinte julgado:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. FALECIMENTO DA FILHA DA AUTORA, MENOR DE IDADE, EM DECORRÊNCIA DE ATROPELAMENTO EM LINHA FÉRREA. 1. VALOR DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. MAJORAÇÃO. CABIMENTO. 2. FAMÍLIA DE BAIXA RENDA. DANOS MATERIAIS PRESUMIDOS. 3. CONSTITUIÇÃO DE CAPITAL. NECESSIDADE. 4. TERMO INICIAL DOS JUROS DE MORA. DATA DO EVENTO DANOSO. 5. RECURSO PROVIDO.
1. Trata-se de ação de indenização por danos materiais e morais decorrentes do falecimento da filha da autora, vítima de atropelamento por composição férrea, caso em que a condenação por danos morais deve ser majorada, observando-se, todavia, a existência de culpa concorrente.
2. Segundo a jurisprudência deste Tribunal, é devido o pensionamento aos pais, pela morte de filho menor, nos casos de família de baixa renda, equivalente a 2/3 do salário mínimo desde os 14 até os 25 anos de idade e, a partir daí, reduzido para 1/3 do salário até a data correspondente à expectativa média de vida da vítima, segundo tabela do IBGE na data do óbito ou até o falecimento da mãe, o que ocorrer primeiro.
(…)
4. Na hipótese de responsabilidade extracontratual, os juros de mora são devidos desde a data do evento danoso (óbito), nos termos da Súmula 54 deste Tribunal.
5. Recurso especial provido.
(REsp 1325034/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/04/2015, DJe 11/05/2015)
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No que se refere ao pagamento de danos morais, o entendimento jurisprudencial atualizado já pacificado em nossos tribunais, inclusive no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, cristalizou-se no sentido de que o dano moral, prescinde de comprovação, provado o fato que gerou a dor, o sofrimento, sentimentos íntimos que o ensejam, impõe-se a condenação, como na espécie.
No caso dos autos, considerando, pois, que restou demonstrada a ocorrência do evento danoso, bem assim, o nexo de causalidade entre o seu resultado (morte) e a conduta omissiva da autarquia promovida (omissão quanto ao seu dever de preservar a segurança dos frequentadores do Parque Nacional por ela administrado), do que resultou a morte da filha de dois dos autores e irmã da terceira suplicante, há de ver-se que tal fato, que se caracteriza como de natureza grave, afigura-se causa suficiente a ensejar alterações no ecossistema familiar dos demandantes, a caracterizar a ocorrência de danos morais, na espécie, diante dos desconfortos de ordem física, psíquica e emocional, bem como dos demais transtornos por eles suportados.
Dessa forma, no tocante ao quantum indenizatório, como sabido, não pode configurar valor exorbitante que caracterize o enriquecimento sem causa da vítima, nem consistir valor irrisório, a descaracterizar o caráter punitivo, reparador e educativo da indenização almejada.
Assim, conforme o entendimento jurisprudencial consagrado sobre a matéria, no sentido de que a fixação da indenização deve ser feita “com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, o nível sócio-econômico da autora e, ainda, ao porte econômico do réu, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso” (RESP Nº 243.093/RJ, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 14/03/2000), e, considerando, na hipótese, as condições econômicas das partes e a finalidade da reparação, bem assim, a responsabilidade da promovida pelos danos causados, afigura-se-me razoável a elevação da quantia arbitrada na sentença monocrática, fixando-a no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), para cada dos pais da vítima, e de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), para a sua irmã (considerados os fundamentos lançados pelo juízo monocrático), a título de danos morais, corrigidos monetariamente a desta data, quantia essa que, mesmo não sendo a ideal, na medida em que a dor moral não tem preço.
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No que pertine à fixação dos danos materiais, a sentença monocrática encontra-se em sintonia com a orientação jurisprudencial já sedimentada em nossos tribunais, não merecendo, portanto, qualquer reforma, quanto a esse tema.
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Relativamente à verba honorária, em casos assim, em que restou vencida a Fazenda Pública, a sua fixação haveria de se operar nos termos do § 4º do art. 20 do CPC vigente na época, com vistas nos parâmetros previstos nas alíneas a, b e c do § 3º do aludido dispositivo legal, atentando-se para a importância da causa, a natureza da demanda, o princípio da razoabilidade, bem como respeitando o exercício da nobre função e o esforço despendido pelo patrono dos autores.
Na hipótese dos autos, verifica-se que o juízo monocrático a fixou em valor correspondente a 10% (dez por cento) sobre o valor atribuído à causa, que, na época do ajuizamento da ação (2008), foi de R$ 678.940,00 (seiscentos e setenta e oito mil, novecentos e quarenta reais), resultando num montante de R$ 67.894,00 (sessenta e sete mil, oitocentos e noventa e quatro reais), a descaracterizar, na espécie, o seu aventado caráter irrisório, mormente em face da circunstância de que sofrerá regular atualização monetária.
Não prospera, assim, a pretensão recursal deduzida pelos autores recorrentes, quanto a essa matéria.
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No tocante aos juros moratórios, devem os mesmos seguir a orientação do enunciado da Súmula 54/STJ e dos arts. 405 e 406 do novo Código Civil, mediante a aplicação da taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional, que, no caso, é a SELIC, nos expressos termos da Lei n. 9.250/95, até a vigência da Lei nº 11.960/2009, quando deverão ser calculados pela remuneração básica aplicável às cadernetas de poupança, englobando juros e correção monetária.
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Com estas considerações, dou parcial provimento à remessa oficial e aos recursos de apelação interpostos, para reformar, em parte, a sentença recorrida, tão-somente, para elevar o valor da indenização fixada a título de danos morais e no tocante à forma de incidência dos juros moratórios, na forma acima explicitada, mantendo-se, no mais, o aludido julgado, em todos os seus termos.
Retifiquem-se a autuação, a distribuição e os demais assentamentos cartorários, a fim de que deles conste a anotação referente ao reexame necessário.
Este é meu voto.
EMENTA
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE COM RESULTADO MORTE OCORRIDO EM PARQUE NACIONAL. CONDUTA OMISSIVA DO ÓRGÃO AMBIENTAL RESPONSÁVEL PELA PRESERVAÇÃO DA SEGURANÇA DE SEUS FREQUENTADORES. DESCUMPRIMENTO DE EXPRESSA PREVISÃO LEGAL (AUSÊNCIA OU DEFICIÊNCIA DE FISCALIZAÇÃO). RESPONSABILIDADE CIVIL (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ART. 37, § 6º). NEXO DE CAUSALIDADE. COMPROVAÇÃO. DANOS MORAIS E MATERIAIS. CABIMENTO. FIXAÇÃO DO QUANTUM DEVIDO.
I – A orientação jurisprudencial já sedimentada no âmbito do colendo Supremo Tribunal Federal, inclusive, em sede de repercussão geral, é no sentido de que “a responsabilidade civil estatal, segundo a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, § 6º, subsume-se à teoria do risco administrativo, tanto para as condutas estatais comissivas quanto paras as omissivas, posto rejeitada a teoria do risco integral” e de que “a omissão do Estado reclama nexo de causalidade em relação ao dano sofrido pela vítima nos casos em que o Poder Público ostenta o dever legal e a efetiva possibilidade de agir para impedir o resultado danoso”. (RE 841526, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 30/03/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-159 DIVULG 29-07-2016 PUBLIC 01-08-2016).
II – Na hipótese dos autos, comprovada a ocorrência de conduta omissiva do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBIO, consistente na ausência ou deficiência na preservação da segurança dos frequentadores de unidade de conservação ambiental, no caso, o Parque Nacional da Chapada Diamantina, bem assim, o nexo de causalidade entre essa conduta e o resultado danoso (morte de visitante do aludido Parque), resta caracterizada a responsabilidade da referida autarquia, incumbida, legalmente, pela preservação e fiscalização em referência e, por conseguinte, o dever de indenizar os danos materiais e morais dali resultantes. Dano moral e material que se configuram, na espécie, diante dos transtornos de ordem física e emocional, que se presumem, no caso, dada a natureza grave do evento danoso, com resultado morte.
III – Segundo entendimento jurisprudencial já consagrado em nossos Tribunais, afigura-se cabível a concessão de pensão aos pais, a título de danos materiais, em virtude da morte de filho, na hipótese de família de baixa renda, como no caso, devendo a mesma corresponder a 2/3 (dois terços) do valor da remuneração por ele percebida (na espécie, um salário mínimo), até a data em que viria a completar 25 anos, reduzida, a partir de então, para 1/3 (um terço), até o óbito dos beneficiários da pensão ou a data em que a vítima completaria 65 anos de idade, o que ocorrer primeiro. Precedentes.
IV – O quantum fixado para indenização pelo dano moral, não pode configurar valor exorbitante que caracterize o enriquecimento sem causa da vítima ou de seus dependentes, como também não pode consistir em valor irrisório a descaracterizar o caráter reparador, punitivo e educativo da indenização almejada, afigurando-se razoável, na espécie, a sua fixação no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), para cada dos pais da vítima, e de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), para a sua irmã (que teve a vítima em seus braços no momento do sinistro), corrigidos monetariamente a partir desta data, quantia essa que, mesmo não sendo a ideal, na medida em que a dor moral não tem preço.
V – Fixação dos honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor atribuído à causa, nos termos delimitados no art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC vigente na época.
VI – Os juros moratórios são devidos, nos termos do enunciado da Súmula 54/STJ e dos arts. 405 e 406 do novo Código Civil, mediante a aplicação da taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional, que no caso é a SELIC, nos expressos termos da Lei n. 9.250/95, até a vigência da Lei nº 11.960/2009, quando deverão ser calculados pela remuneração básica aplicável às cadernetas de poupança, englobando juros e correção monetária.
VII – Provimento parcial da remessa oficial e dos recursos de apelação interpostos pelos autores e pela autarquia promovida. Sentença reformada em parte, tão somente, para elevar o montante da indenização a título de danos morais e adequação da forma de incidência dos juros moratórios.
ACÓRDÃO
Decide a Turma, por unanimidade, dar parcial provimento à remessa oficial e aos recursos de apelação interpostos, nos termos do voto do Relator.
Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região – Em 29/11/2017.
Desembargador Federal SOUZA PRUDENTE
Relator