“O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) manteve a validade das licenças ambientais para a construção do porto de Pontal do Paraná (PR). As autorizações, expedidas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), estavam sendo questionadas pelo fato da Fundação Nacional do Índio (Funai) não ter participado do processo. A decisão da 4ª Turma, que foi proferida na última semana, entendeu que a Fundação pode ser chamada a participar sem que seja necessário anular o que já foi feito.
A ação civil pública que pretendia cancelar as licenças foi ajuizada no início do ano passado pelo presidente da federação nacional dos trabalhadores que atuam na área portuária. Ele alegou que existem territórios indígenas nos arredores das obras e que o Ibama permitiu que a construção do porto fosse iniciada antes de fazer qualquer consulta prévia à Funai.
O autor solicitou a suspensão das obras até que o órgão fizesse todos os estudos ambientais necessários, para que fosse evitada a violação dos territórios indígenas que estão localizados próximo ao local onde o terminal portuário será construído.
A empresa Porto Pontal Paraná, responsável pelo empreendimento, ressaltou que a Funai foi devidamente informada de todos os atos do processo de licenciamento ambiental em trâmite no Ibama.
A ação foi julgada improcedente pela primeira instância, levando o presidente da federação a recorrer contra a decisão no TRF4.
Segundo o relator do processo, desembargador federal Cândido Alfredo Silva Leal Júnior, ‘a Funai deveria estar participando desde o início do processo de licenciamento, o que não foi reconhecido pelos órgãos competentes. No entanto, isso não significa que a licença prévia deva ser anulada, pois é possível que tal irregularidade possa ser sanada sem a ocorrência de maiores prejuízos’”.
Notícia e imagem publicadas pelo TRF4 em 09/11/2015.
Leia a íntegra da decisão proferida pelo TRF4 nos autos do processo nº 5000550-92.2014.4.04.7008/TRF:
RELATOR
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CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
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APELANTE
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MARIO TEIXEIRA
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ADVOGADO
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JAMES BILL DANTAS
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CELIO LUCAS MILANO
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FABIANE TESSARI LIMA DA SILVA
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AMIR JOSE FINOCCHIARO SARTI
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Saulo Sarti
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Lia Sarti
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Ludmilla Guimarães Rocha
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Cauê Martins Simon
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APELADO
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ABELARDO BAYMA AZEVEDO
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INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS – IBAMA
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APELADO
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PORTO PONTAL PARANA IMPORTACAO E EXPORTACAO S.A.
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ADVOGADO
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FERNANDA MACIEL GARCEZ
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APELADO
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FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO – FUNAI
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VOLNEY ZANARDI JUNIOR
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MPF
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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
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RELATÓRIO
Foram apresentadas as contrarrazões.
Nesta instância, o autor noticia fato novo consubstanciado na concessão de Licença de Instalação do empreendimento e pede a suspensão dessa licença até que sejam regularizados os estudos de impacto ambiental quanto ao componente indígena relativos à emissão da licença prévia, sob pena de ineficácia do provimento final pretendido (eventos 5 e 6).
O pedido foi indeferido (evento 8).
O Ministério Público Federal manifestou-se pelo desprovimento da apelação e do reexame necessário (evento 17).
O autor interpôs embargos de declaração (evento 23).
A ré Porto Pontal Paraná Importação e Exportação S.A. apresentou contrarrazões aos embargos de declaração (evento 26).
É o relatório. Peço dia.
Estou votando por dar parcial provimento à apelação e ao reexame necessário apenas para reconhecer a necessidade de participação da FUNAI no processo de licenciamento em questão, cabendo à FUNAI e ao IBAMA continuar adotando as providências cabíveis no âmbito de suas competências no sentido de garantir a participação da FUNAI no processo de licenciamento dentro daquilo que aqueles órgãos entenderem necessário e pertinente para proteger as terras indígenas em questão e respectivas comunidades, pelas seguintes razões.
Realmente, era necessária a participação da FUNAI desde o início do processo de licenciamento, o que não foi observado pelos órgãos competentes antes de expedir a licença prévia.
Da análise do processo de licenciamento juntado com a inicial, verifica-se que a FUNAI estava ciente do procedimento e estava participando do mesmo, mas a licença teria sido concedida com base em EIA/RIMA que não considerou o componente indígena, antes mesmo de um parecer conclusivo daquele órgão sobre os efeitos do empreendimento às terras e comunidades indígenas próximas.
Em 13/09/2010, a FUNAI reiterou a solicitação feita anteriormente ao IBAMA para que este encaminhasse documentos para embasar o termo de referência específico no âmbito do componente indígena (evento 1 – processo administrativo 21, p. 87). Em 30/09/2010, o IBAMA encaminhou alguns documentos (evento 1 – processo administrativo 21, p. 95). Em 10/11/2010, o IBAMA concedeu a licença prévia.
Em 02/02/2011, a FUNAI informa a proximidade do projeto em relação às Terras Indígenas Sambaqui e Ilha da Cotinga e manifesta a necessidade do acompanhamento, por aquela Fundação, do Componente Indígena do processo de licenciamento ambiental. Disse, ainda, naquela ocasião, que ‘a partir das informações contidas no EIA/RIMA, serão realizadas plotagem e análise técnico-cartográfica do empreendimento e então será emitido um Termo de Referência para os estudos específicos do Componente Indígena’ (evento 1 – processo administrativo 21, p. 165).
Depois disso, não se tem notícias quanto à participação efetiva da FUNAI no processo, até o exame do pedido liminar em sede de agravo de instrumento. Tem-se apenas um ofício encaminhado pela FUNAI à Coordenação Geral de Licenciamento Ambiental informando que ‘Com base na Informação Cartográfica nº 0738/13 (CGGeo) e em consulta aos arquivos desta Diretoria, o referido terminal dista 3km da Terra Indígena Ilha da Cotinga (regularizada) e 9km da Terra Indígena Sambaqui (em estudo por meio da Portaria nº 528/PRES, de 14/04/2010). No momento, não há registro de reivindicações fundiárias indígenas na área do licenciamento. Ressaltamos ainda que o terminal não incide na proposta de delimitação da Terra Indígena Sambaqui.’.
Isso foi constatado por ocasião do julgamento do agravo de instrumento nº 5009059-84.2014.404.0000 e, por isso, esta Turma decidiu conceder em parte a antecipação de tutela para suspender os efeitos da licença prévia até manifestação da FUNAI. Naquele julgamento, expedi os seguintes argumentos, os quais reproduzo aqui, adotando-os como razão de decidir, nestes termos:
A controvérsia envolve a expedição (e renovação) de licença ambiental prévia do empreendimento denominado ‘Terminal Portuário Pontal do Paraná’, previsto para ser implantado na Ponta do Poço, Município de Pontal do Paraná-PR, sem que tenha havido manifestação prévia da FUNAI, à vista da proximidade da localização com áreas definidas como terras indígenas.
A FUNAI, nas contrarrazões do agravo, confirmou a proximidade do empreendimento de terra indígena, bem como a possibilidade de impacto sobre ela, assim se pronunciando sobre sua participação no respectivo licenciamento ambiental:
‘O empreendimento denominado Terminal Portuário Pontal do Paraná tramita na CGLic, no processo nº 08620.002893/10-12, instaurado a partir de Ofício remetido pela FUNAI ao IBAMA.
Portanto, é certa a necessidade da realização de estudos sobre a possibilidade de impactos do empreendimento sobre as comunidades indígenas, e, no caso da conclusão ser positiva, das medidas preventivas e mitigadoras a serem adotadas.
A questão é saber-se se a participação da FUNAI, introduzindo o componente indígena no processo de licenciamento ambiental, deve ocorrer desde a primeira fase do processo, quando da expedição da licença prévia (que, no caso, já ocorreu, sem a participação da FUNAI e desconsiderando o componente indígena), ou se ela pode acontecer posteriormente, no curso do processo de licenciamento, como pretendem o IBAMA e, ainda que sub-repticiamente, a própria FUNAI.
Data venia, tenho que, sendo conhecida e evidente a possibilidade de impacto ambiental do empreendimento sobre terras e comunidades indígenas, a participação da autarquia indigenista tem de ocorrer desde o início do processo de licenciamento, de forma que o componente indígena seja abordado e inserido já quando da expedição da licença prévia, fazendo-se incluir no documento a obrigatoriedade dos estudos e as condicionantes que se mostrem necessárias. A licença prévia contém a formatação inicial do empreendimento, ao passar pelo primeiro crivo da legislação ambiental, e delimita os estudos a serem desenvolvidos no curso do licenciamento. Confira-se, a propósito, o teor do art. 8º da Resolução237/97 do CONAMA:
Art. 8º – O Poder Público, no exercício de sua competência de controle, expedirá as seguintes licenças:
Portanto, a intervenção formal da FUNAI no processo de licenciamento é impositiva desde seu início, independentemente das conclusões a que chegar a autarquia indigenista sobre a existência ou não de impacto a comunidades indígenas, sua extensão, e eventuais medidas preventivas e mitigadoras, no termo de referência a ser elaborado.
Aliás, a participação da FUNAI no processo de licenciamento ambiental de empreendimentos que potencialmente gerem impactos ambientais e socioculturais que afetem terras e/ou povos indígenas está disciplinada na Instrução Normativa nº 01/2012, da Presidência da FUNAI, cuja redação foi alterada em parte pela Instrução Normativa nº 4 do mesmo ano. O ato normativo prevê a intervenção da autarquia indigenista desde o início do processo de licenciamento ambiental nos caso em que haja potencialmente risco a comunidades indígenas, como se pode depreender da leitura dos preceitos que transcrevo:
A PRESIDENTE, SUBSTITUTA, DA FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO – FUNAI, no uso das atribuições que lhe são conferidas pelo Estatuto,(…) considerando (…),resolve:
Art. 2º Para efeito da presente instrução normativa, os empreendimentos ou atividades potencial e efetivamente causadores de impactos ambientais e socioculturais a terras e povos indígenas são aquelas:
A propósito, segundo o anexo II da portaria acima mencionada, em todas as regiões brasileiras (à exceção da Amazônia Legal), presume-se a interferência sobre terras indígenas quando o empreendimento distar 8 km, no caso de ‘empreendimentos pontuais’ (portos, mineração e termoelétricas), como é o caso dos autos. O empreendimento ora em questão está localizado a 3 km da Terra Indígena Ilha da Cotinga (regularizada) e a 9 km da Terra Indígena Sambaqui, o que demonstra tratar-se de ‘empreendimento potencial e efetivamente causador de impacto ambiental e sociocultural a terras e povos indígenas’.
Segue a Instrução Normativa, prevendo a intervenção da FUNAI em todas as fases do licenciamento ambiental quando estiverem em causa interesses das comunidades indígenas:
Art. 4 À Coordenação Geral de Gestão Ambiental – CGGAM da Diretoria de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável -DPDS é atribuída a responsabilidade de coordenação dos processos de licenciamento ambiental dos empreendimentos ou atividades potencial e efetivamente causadoras de impactos ambientais e socioculturais a terras e povos indígenas, no que se refere ao componente indígena.
Os artigos 9º e seguintes da IN 01/2012 estabelecem os procedimentos internos da FUNAI e o modo de intervenção na fase de licenciamento prévio:
Procedimentos internos da Funai na fase de Licença Prévia
Art.10 O Termo de Referência deve necessariamente solicitar:
Art. 11 A Funai encaminhará o Termo de Referência do componente indígena ao órgão licenciador.
Art. 12 Para a realização dos estudos o empreendedor deverá apresentar Plano de Trabalho contendo cronograma de atividades, currículo da equipe técnica e termo de compromisso para ingresso em terras indígenas devidamente assinado para análise e manifestação da CGGAM/DPDS.
Art. 13 A CGGAM acompanhará, diretamente, com apoio ou por meio das unidades locais da Funai, a realização dos estudos previstos no Termo de Referência junto às comunidades potencialmente afetadas.
Art. 14 A equipe que realizará os estudos de impacto ambiental não poderá utilizar os conhecimentos e práticas tradicionais e os conhecimentos da biodiversidade e imateriais dos povos indígenas estudados para outros fins que não o de análise dos possíveis impactos ambientais, sociais e culturais.
Art. 15 O empreendedor deverá apresentar os estudos do componente indígena, devidamente assinado pelos membros da equipe técnica, para análise da CGGAM quanto ao atendimento dos itens previstos no Termo de Referência.
§ 1º A análise referida no caput será informada ao órgão licenciador
Art. 16 Após a aceitação dos estudos do componente indígena, a CGGAM/DPDS analisará o seu mérito através de parecer técnico, considerando:
Art. 17 Os estudos e o resultado da análise serão apresentados às comunidades indígenas afetadas, em consulta prévia, livre e informada.
Art. 18 Ouvidas as comunidades indígenas, a FUNAI manifestar-se-á, conclusivamente, sobre a concessão da licença prévia, por meio de ofício dirigido ao órgão licenciador competente.
Procedimentos internos da Funai na fase de Licença de Instalação.
Como se pode depreender, a própria normatização dos procedimentos da FUNAI prevê sua intervenção antes da expedição da licença prévia, inclusive realizando a mediação com os grupos indígenas potencialmente atingidos, para decidir sobre a viabilidade ambiental do empreendimento sob o enfoque dos interesses das comunidades indígenas, para determinar os estudos que se façam necessários, para estabelecer as condicionantes que devam constar da licença prévia, e assim por diante.
Ressalto que, embora a licença prévia tenha sido concedida em 12-11-2010, e a IN 01/2012 só tenha entrado em vigor em janeiro de 2012, isso em nada prejudica o entendimento desse voto porque a instrução normativa não criou direito novo nem estabeleceu novos deveres ou obrigações para as partes envolvidas no licenciamento.
Com efeito, a necessidade de consideração da terra indígena no licenciamento ambiental já estava prevista na legislação então vigente (Decreto 1.141/94, que regulamentou o art. 1º da Lei 5.371/67) e não dependia da previsão expressa na instrução normativa – apesar de, em verdade, já estar prevista também na Instrução Normativa nº 02/2007 da FUNAI, que a antecedeu (art. 8º). Essas instruções normativas não são declaratórias nem constitutivas do direito/obrigação, mas apenas estabelecem orientação administrativa para consolidar as regras existentes a respeito do licenciamento. Mesmo sem elas existiria a necessidade da terra indígena ser considerada, seja para se reconhecer efetiva influência, seja para se reconhecer serem necessários estudos. O que não pode acontecer é a absoluta omissão da Funai e dos órgãos ambientais quanto à menção à possibilidade de conflito do empreendimento com interesses ou terras indígenas reconhecidas ou com possibilidade de reconhecimento.
Concluindo, ainda que entenda não haver necessidade de se pronunciar a nulidade da licença prévia, julgo que o agravo deva ser provido em parte para suspender os efeitos da mencionada licença, até quer a FUNAI se manifeste sobre a existência ou não de impactos sobre as terras indígenas em questão e respectivas comunidades, bem como indique, se for o caso, estudos e condicionantes necessários para a expedição da licença prévia, que nela deverão ser incluídos.
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento ao agravo de instrumento, na forma da fundamentação.
Em cumprimento a esta ordem, a FUNAI apresentou Termo de Referência tendo por finalidade orientar a elaboração do Componente Indígena do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) (evento 105). O Porto Frontal, por sua vez, protocolou junto à FUNAI Plano de Trabalho para realização do Estudo do Componente Indígena para, posteriormente, realizar as eventuais medidas compensatórias e mitigatórias em caso de impacto com a implantação do empreendimento (evento 106).
Assim, não se pode ignorar que (a) a FUNAI realmente não estava atuando no processo de licenciamento; (b) a licença prévia foi concedida sem manifestação conclusiva daquele órgão sobre os impactos do empreendimento às comunidades indígenas próximas; (c) no julgamento do agravo de instrumento por esta Turma foi determinado à FUNAI que se manifestasse no processo administrativo; (d) e somente a partir de então é que o órgão apresentou o Termo de Referência para realização do estudo do componente indígena.
Por essas razões, impõe-se reconhecer a necessidade de participação da FUNAI no processo de licenciamento, o que não significa que a licença prévia seja nula, pois, é possível que tal irregularidade seja sanada e que a falta seja suprida no curso do licenciamento, como parece estar acontecendo, considerando que a licença prévia constitui apenas a etapa inicial daquele processo.
Por oportuno, transcrevo os fundamentos da sentença proferida pelo juiz federal Guilherme Roman Borges, adotando-os como razão de decidir:
Na hipótese, a inobservância de norma aplicável à espécie, a qual determina que a FUNAI participe do processo de licenciamento, ante à existência de comunidades indígenas na área circundante, configura-se ato administrativo anulável decorrente de vício meramente formal, passível de convalidação.
Não há falar que a licença prévia ambiental emitida ao PORTO PONTAL PARANÁ IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO LTDA esteja gravada por algum dos vícios de nulidade, principalmente pelo fato de a FUNAI ter acompanhado o procedimento junto ao IBAMA, bem como apresentado posteriormente em juízo o Termo de Referência para elaboração do componente indígena dos estudos de impacto ambiental. Além disso, inexiste qualquer prejuízo material e a finalidade da norma foi atendida em sua plenitude, qual seja, proteger os interesses das comunidades indígenas.
Nesse ponto, insta salientar as lições de Marçal Justen Filho. In verbis:
‘(…) não se admite que a invalidade resulte de mera discordância entre o ato concreto e um modelo jurídico. É imperioso agregar um componente axiológico ou finalista. A nulidade evidencia-se como um defeito complexo, em que se soma a discordância formal e a infração aos valores que derivam. Então, a discordância é a causa geradora desse efeito, consistente no sacrifício dos valores jurídicos. Sem a consumação do efeito (lesão a um interesse protegido juridicamente) não se configura invalidade jurídica. (…) Daí se segue que a ausência de lesão ao interesse do valor tutelado pelo Direito torna irrelevante a desconformidade entre a conduta concreta e o modelo legal. Nesse caso, poderia reconhecer-se a irrelevância da desconformidade, qualificando-a como mera irreguralidade’. (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e contratos administrativos. 15ª Edição. São Paulo: Dialética, 2012. p. 776-777).
Em outros termos, sopesando as circunstâncias envolvidas, o vício procedimental deve ser afastado ante à possibilidade de violação de princípios de índole constitucional e vinculantes da atividade administrativa do Estado, tais como da finalidade, da proporcionalidade e da segurança jurídica. A finalidade é a possibilidade de execução da obra resguardando-se os interesses indígenas, a proporcionalidade é a mitigação das consequências que adviriam com a restrição aos direitos já constituídos e a segurança jurídica é a não alteração desnecessária de fases e atos já vencidos no âmbito do procedimento ambiental.
Ademais, no que tange ao dano material, insta frisar que se tratar de licença emitida em fase preliminar do planejamento de atividade, a qual perquiri apenas os requisitos básicos a serem atendidos pelo empreendedor, sem qualquer autorização para início das atividades. Ou seja, a manifestação da FUNAI, apesar de posterior, em nada afeta os interesses indígenas, muito pelo contrário, permite de igual maneira incorporar cuidados outros mediante a solicitação de complementações e/ou revisões antes da instalação do empreendimento.
Com efeito, é da própria natureza do procedimento administrativo de licenciamento ambiental seu caráter dinâmico, uma vez que a previsão normativa garante a possibilidade de a Administração Pública solicitar esclarecimentos, complementações, revisões do empreendedor, bem como incorporar novas condicionantes. Portanto, descabida a alegação de existência de preclusão administrativa na espécie em relação à participação da FUNAI, por existir neste procedimento diversas etapas e possibilidade de complementações e saneamentos, sem que tais imperfeições impliquem, necessariamente, a invalidade dos atos pretéritos.
Em outros termos, conclusão contrária é admitir que haverá, no curso do procedimento ambiental, nulidade das licenças já concedidas, diante de esclarecimentos e saneamento de deficiências, o que prejudicaria, de forma definitiva, a efetividade da atuação administrativa no licenciamento ambiental.
Em suma, afastados os preciosismos quanto à forma, deve-se primar pela compatibilização da execução de obras necessárias ao desenvolvimento econômico e social do País com a proteção ao meio ambiente e demais direitos e interesses coletivos.
Destarte, o saneamento de eventuais falhas e consequente convalidação do ato mostra-se plenamente factível, ante à inexistência de lesão ao interesse público nem de prejuízo a terceiros, sendo desnecessária a declaração de nulidade absoluta do procedimento.
Assim, nestes termos e por tais fundamentos, não reconheço a nulidade da Licença Prévia e sua respectiva renovação, tais como pretendidas na exordial.
Assim, em que pese se entenda necessária a participação da FUNAI desde o início do processo de licenciamento, essa irregularidade não implica nulidade da licença prévia concedida, porque é possível que o componente indígena venha a integrar o licenciamento incluindo-se, se for o caso, novas condicionantes.
Quanto à alegação de reconhecimento do pedido, rejeito a alegação porque as providências foram tomadas pela FUNAI em cumprimento à ordem judicial emanada do julgamento do agravo de instrumento, não havendo concordância da FUNAI com a pretensão do autor de anular a licença prévia, nem de que estivesse em falha com sua obrigação de acompanhar o processo de licenciamento.
Quanto ao pedido formulado nesta instância de suspensão dos efeitos da licença de instalação, que foi concedida em 05/05/2015, não conheço do pedido porque não se trata de um fato novo que possa ser discutido nesta ação, mas de um novo pedido e modificação substancial da causa de pedir, o que não pode ser admitido. Entendo que fato novo em apelação só pode ser admitido quando não alterar causa de pedir nem pedido. Se alterar, o desembargador vai precisar produzir provas para examinar e vai perder o exame inicial feito pelo juiz na sentença. A matéria não pode ser conhecida só neste Tribunal (causa de pedir e pedido). É importante o trabalho do juiz, seja pelas provas que pode colher, seja pelo exame que faz na sentença. O TRF não decide, apenas controla a decisão do juiz. Se não houve decisão do juiz, não há o que controlar sobre o fato novo e o CPC falha no julgamento colegiado. Nesse caso, se o autor pretende discutir a licença de instalação, deve ingressar com ação nova, impugnando a licença de instalação. Nesta nova ação vai provar seus argumentos, o juiz vai enfrentar isso, e o tribunal vai controlar.
Sucumbência
Com a reforma da sentença em relação ao IBAMA e à FUNAI, fica caracterizada a sucumbência recíproca das partes, a qual reputo equivalentes, razão pela qual os honorários advocatícios ficam integralmente compensados, nos termos do art. 21 do CPC.
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação e ao reexame necessário apenas para reconhecer a necessidade de participação da FUNAI no processo de licenciamento em questão, cabendo à FUNAI e ao IBAMA continuar adotando as providências cabíveis no âmbito de suas competências no sentido de garantir a participação da FUNAI no processo de licenciamento dentro daquilo que aqueles órgãos entenderem necessário e pertinente para proteger as terras indígenas em questão e respectivas comunidades, nos termos da fundamentação.
RELATOR
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CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
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APELANTE
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MARIO TEIXEIRA
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ADVOGADO
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JAMES BILL DANTAS
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CELIO LUCAS MILANO
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FABIANE TESSARI LIMA DA SILVA
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AMIR JOSE FINOCCHIARO SARTI
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Saulo Sarti
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Lia Sarti
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Ludmilla Guimarães Rocha
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Cauê Martins Simon
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APELADO
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ABELARDO BAYMA AZEVEDO
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INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS – IBAMA
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APELADO
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PORTO PONTAL PARANA IMPORTACAO E EXPORTACAO S.A.
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ADVOGADO
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FERNANDA MACIEL GARCEZ
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APELADO
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FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO – FUNAI
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VOLNEY ZANARDI JUNIOR
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MPF
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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
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AÇÃO POPULAR. ANULAÇÃO DE LICENÇA PRÉVIA. EMPREENDIMENTO QUE ATINGE TERRAS E COMUNIDADES INDÍGENAS. NECESSIDADE DE PARTICIPAÇÃO DA FUNAI DE TODO O PROCESSO DE LICENCIAMENTO. IRREGULARIDADE QUE PODE SER SANADA.
Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR