O corpo pequeno e coberto por pelagem rosada da Typhochlaena amma lembra muito pouco a imagem típica das aranhas caranguejeiras – conhecidas por serem grandes, peludas e assustadoras.
Com delicadas pintas em tons de amarelo, azul e rosa sobre o dorso marrom escuro, a Typhochlaena costae tampouco se parece com as aranhas gigantes que normalmente são vistas em filmes de terror.
Essas e outras sete espécies de caranguejeiras arborícolas foram recentemente descobertas no Brasil pelo pesquisador Rogério Bertani, do Laboratório Especial de Ecologia e Evolução do Instituto Butantan.
A pesquisa, realizada entre 2004 e 2008 com apoio da FAPESP, deu origem a um artigo de 94 páginas publicado em edição especial do periódico ZooKeys, em outubro.
Ainda dentro do gênero Typhochlaena, Bertani também descreveu pela primeira vez a T. curumim e a T. paschoali. Do gênero Iridopelma, o pesquisador descreveu a I. katiae, a I. marcoi, a I. oliveirai e a I. vanini. Do gênero Pachistopelma, foi descrita a P. bromelicola.
As espécies são encontradas na região de Mata Atlântica e Cerrado nos estados do Pará, Tocantins, Paraíba, Maranhão, Piauí, Sergipe, Espírito Santo e Bahia. A análise também permitiu ao pesquisador redescrever algumas espécies previamente identificadas, como a T. seladonia e a I. hirsutum.
“Chamamos de caranguejeira um grande grupo de aranhas, de diversas famílias e gêneros, que têm como característica comum a posição do ferrão. O ferrão é paralelo ao eixo do corpo e se movimenta de cima para baixo. Nas demais aranhas, ele se assemelha a um alicate e se movimenta um contra o outro”, explicou Bertani.
Embora para muitas pessoas as caranguejeiras sejam assustadoras por causa do tamanho – que pode chegar a 26 centímetros da ponta da perna anterior à ponta da perna posterior –, seu veneno é inofensivo para os humanos.
Estima-se que existam 2,7 mil espécies no mundo – 300 já foram descritas no Brasil. O país tem a maior fauna de grandes caranguejeiras, com cerca de 200 espécies. A maioria vive em tocas no chão, mas existem espécies arborícolas na Ásia, na África e, principalmente, nas Américas.
“Elas são mais leves, perderam os espinhos nas pernas e têm as patas anteriores mais largas para caminhar com mais facilidade sobre superfícies verticais e escorregadias. Também possuem tufos bem desenvolvidos nas pontas das patas que funcionam como ventosas”, disse Bertani.
Como as demais caranguejeiras, as arborícolas não usam a teia para capturar presas e sim para construir refúgios entre as folhas das árvores e embrulhar os ovos. Alimentam-se de insetos e pequenos vertebrados, como lagartixas e rãs.
Segundo Bertani, as caranguejeiras arborícolas da região amazônica já são bem conhecidas, mas nas regiões Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste havia apenas cinco espécies descritas. “Em um único trabalho descrevemos outras nove espécies. Isso mostra como ainda se sabe pouco sobre a fauna do Brasil”, afirmou.
Com comprimento que varia entre 2 e 3 centímetros, as aranhas do gênero Typhochlaena são as menores caranguejeiras arborícolas do mundo. Antes do levantamento taxonômico feito por Bertani, apenas uma espécie do gênero era conhecida: a T. seladonia, descrita em 1841.
“Todas as caranguejeiras arborícolas são coloridas quando filhotes e, à medida que amadurecem, perdem as cores. As Typhochlaenas são as únicas que permanecem coloridas depois de adultas”, contou o pesquisador.
Embora a função das cores ainda não tenha sido completamente desvendada, acredita-se que elas estejam vinculadas à relação com predadores.
“É possível que a cor escura ajude as aranhas maiores a se camuflar. Como as Typhochlaenas continuam pequenas mesmo depois de adultas, permanecem também com a coloração de filhotes”, disse Bertani.
Já as Iridopelmas e a Pachistopelma descritas têm em média de 10 a 12 centímetros de comprimento. Nascem com a cor verde metálica e, a cada muda de pele, mudam de aparência e ganham ares mais discretos.
Endemismo
A pesquisa também revelou que a P. bromelicola e a I. katiae apresentam um grau de especialização incomum entre as caranguejeiras: vivem exclusivamente dentro das bromélias existentes na região Nordeste do país, principalmente na Bahia.
“As nove espécies descobertas são bastante endêmicas, ou seja, têm uma distribuição muito limitada. Isso é um fator que as coloca em risco porque se essa pequena área sofrer alterações importantes – seja pela atividade agrícola, seja por mudanças climáticas – as aranhas vão desaparecer”, contou Bertani.
A perda de informações genéticas seria grande principalmente no caso das Typhochlaenas. “Análises filogenéticas mostraram que as quatro espécies descobertas desse gênero são sobreviventes de um grupo muito antigo de caranguejeiras. Um dos primeiros a divergir”, disse.
Embora a pesquisa feita no Butantan não permita saber com precisão quando essas espécies surgiram, Bertani estima que tenha sido logo após a separação dos continentes africano e sul-americano, uma vez que os parentes mais próximos são africanos. “Este trabalho abre caminho para que pesquisadores que trabalham com técnicas de relógios moleculares estudem a evolução dessas espécies”, afirmou.
As descobertas também abrem possibilidades para cientistas que se dedicam ao estudo de venenos. “A peçonha das caranguejeiras é muito rica em substâncias interessantes do ponto de vista farmacológico. De uma espécie chilena, por exemplo, foi isolada uma molécula que pode ser usada no tratamento de fibrilação atrial”, destacou.
O mais importante na opinião de Bertani, porém, é oferecer subsídios para formuladores de políticas públicas decidirem onde criar áreas de proteção ambiental.
“Acredita-se que esse endemismo seja resultado de um processo histórico natural que, possivelmente, afetou também outras espécies de animais e plantas. Se você analisa o mapa de distribuição de várias espécies e eles coincidem, isso indica que aquela é uma área única, que deve ser preservada”, explicou.
O artigo Revision, cladistic analysis and biogeography of Typhochlaena C. L. Koch, 1850, Pachistopelma Pocock, 1901 and Iridopelma Pocock, 1901 (Araneae, Theraphosidae, Aviculariinae) (doi: 10.3897/zookeys.230.3500), de Rogério Bertani, pode ser lido em www.pensoft.net/journals/zookeys/issue/230.
Fonte: Karina Toledo, da Agência FAPESP