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REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA (REURB): FUNDAMENTOS, MODALIDADES, PROCEDIMENTOS E EFICÁCIA SOCIOJURÍDICA

Por Paulo Sérgio Sampaio Figueira

Resumo: A Regularização Fundiária Urbana (REURB), instituída pela Lei n.º 13.465, de 11 de julho de 2017, consolida-se como um instrumento jurídico-urbanístico de efetivação de direitos fundamentais, notadamente o direito social à moradia (art. 6º, CF/88) e a função social da propriedade (art. 5º, XXIII, CF/88). Este artigo objetiva analisar a estrutura normativa da REURB, detalhando suas modalidades — Interesse Social (REURB-S), Interesse Específico (REURB-E) e a modalidade Inominada (REURB-I) —, os procedimentos administrativos para sua implementação e os benefícios multifacetados por ela gerados. Adotando uma abordagem qualitativa e dogmática, o estudo demonstra que a REURB transcende a mera formalização da propriedade, atuando como um mecanismo de inclusão socioespacial, valorização imobiliária e promoção da cidadania. Destaca-se, ainda, o papel indutor e articulador do Poder Judiciário, por meio do Programa Solo Seguro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), como um fator crítico para a superação de obstáculos históricos à segurança jurídica, especialmente em regiões com desafios de informalidade, como a Amazônia Brasileira. Conclui-se que a REURB se consolida como uma ferramenta indutora de justiça social e ordenamento urbano, materializando, na prática, o direito à cidade.

1. INTRODUÇÃO

A Regularização Fundiária Urbana (REURB), estabelecida pela Lei nº 13.465/2017, representa um marco normativo na concretização do direito fundamental à moradia digna e do princípio da função social da propriedade, previstos na Constituição Federal de 1988.
Nos Estados da Amazônia Brasileira, onde particularidades socioambientais e a histórica informalidade impõem desafios únicos à segurança jurídica, a REURB surge como um instrumento essencial de pacificação social e integração urbana.
Este artigo explora os fundamentos jurídicos da REURB, detalhando suas modalidades, procedimentos e os benefícios sociojurídicos que proporciona.

2. A REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA (REURB): FUNDAMENTOS JURÍDICOS E ETAPAS PROCEDIMENTAIS

A REURB constitui um procedimento administrativo complexo que visa conferir legalidade a assentamentos urbanos informais, integrando-os à cidade formal. Seu objetivo principal é materializar a segurança jurídica por meio da titulação da propriedade ou da posse, garantindo o direito à moradia e o acesso à infraestrutura urbana.
Dessa forma, a REURB atua como um instrumento de efetivação de direitos fundamentais, transformando realidades de informalidade em situações jurídicas plenamente reconhecidas e protegidas.

2.1. Natureza Jurídica e a Fundamentação Constitucional da REURB

A REURB configura-se como um procedimento administrativo de natureza declaratória e constitutiva. É declaratória na medida em que reconhece uma situação fática preexistente (a posse), e constitutiva ao criar um novo título de domínio (a propriedade registrada) ou consolidar direitos possessórios.
Seu fundamento repousa no tripé:
Direito Social à Moradia (Art. 6º, CRFB/88): A moradia digna é elevada à categoria de direito fundamental, impondo ao Estado o dever de criar mecanismos para sua realização.
Função Social da Propriedade (Art. 5º, XXIII, CRFB/88): A propriedade deve atender a sua destinação social, justificando a intervenção estatal para regularizar áreas urbanas consolidadas que cumprem essa finalidade habitacional.
Direito à Cidade: Princípio consagrado no Estatuto da Cidade (Lei n.º 10.257/2001), que assegura o usufruto equitativo da cidade, permeando a atuação do poder público na urbanização e regularização.

2.2. As Modalidades da REURB: Distinções Jurídicas e Materiais

A lei prevê três modalidades, adaptadas ao perfil socioeconômico dos ocupantes e à natureza da ocupação:
REURB de Interesse Social (REURB-S): Aplicável a núcleos urbanos informais ocupados predominantemente por população de baixa renda. Do ponto de vista jurídico, caracteriza-se pela titulação por legitimação de posso, uma forma originária de aquisição da propriedade que independe de translativo dominical anterior, conferindo título de domínio e pleno aos ocupantes. O poder público assume o ônus financeiro do procedimento e das obras de infraestrutura, em observância ao princípio da supremacia do interesse público.

REURB de Interesse Específico (REURB-E): Destinada a núcleos ocupados por população não enquadrada como de baixa renda. Nesta modalidade, prevalece o princípio do interesse público secundário, sendo os custos do procedimento arcados pelos próprios beneficiários. A titulação pode se dar por usucapião extrajudicial ou por reconhecimento de alienação, desde que comprovado o negócio jurídico subjacente.

REURB Inominada (REURB-I): Trata-se de um procedimento especial e simplificado, com base no princípio da segurança jurídica e da consolidação do fato urbano, aplicável a núcleos consolidados anteriormente a 19 de dezembro de 1979. Dispensa exigências técnicas complexas, como georreferenciamento de precisão, operando uma presunção juris tantum de boa-fé e consolidação possessória.

2.3. O Procedimento da REURB: Uma Análise Dogmática das Fases

O processo de regularização segue uma sequência lógica de atos administrativos vinculados e discricionários:

Requerimento e Legitimidade Ativa: A iniciativa pode partir do poder público, associações de moradores, Ministério Público, Defensoria Pública ou dos próprios possuidores, demonstrando a pluralidade de sujeitos com interesse jurídico no procedimento.

Instrução e Contraditório: O ente instaurador notifica os titulares de direitos reais sobre a área e os confrontantes, assegurando o devido processo legal e o direito de defesa dos eventuais afetados.

Elaboração do Projeto de Regularização Fundiária (PRF): Fase técnica que materializa a conformidade urbanística e ambiental, incluindo memorial descritivo georreferenciado, estudo de impacto ambiental e plano de intervenção em áreas de risco.

Decisão Administrativa: A autoridade competente profere decisão, aprovando ou indeferindo o projeto. Trata-se de um ato administrativo complexo que exige fundamentação jurídica robusta.

Expedição da Certidão de Regularização Fundiária (CRF): A CRF é um título hábil para registro, com eficácia de transcrição do ato administrativo no registro de imóveis, conforme disposto no artigo 167 da Lei nº. 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos).

Registro no Cartório de Imóveis: Fase final e essencial para a constitutio dominii. O registro da CRF e do projeto aprovado no RGI abre matrícula individual para cada unidade, conferindo oponibilidade erga omnes ao direito de propriedade, nos termos do art. 1.245 do Código Civil.

2.4. Benefícios Jurídicos e Efeitos Socioeconômicos da REURB

A regularização fundiária produz uma série de efeitos jurídicos imediatos e mediatos:
Segurança Jurídica e Imutabilidade Dominical: O título de propriedade registrado confere proteção contra ações reivindicatórias e esbulhos, assegurando a paz no lar e a estabilidade possessória.
Acesso ao Sistema de Crédito e Serviços Públicos: A moradia regularizada permite o cadastro em programas sociais e viabiliza a utilização do bem como garantia real em operações de crédito (ex.: contratação de financiamento com uso do FGTS).
Valorização Patrimonial e Ingresso no Mercado Formal: A propriedade formalizada tem seu valor de mercado reconhecido, inserindo o titular no circuito econômico formal.
Efetivação da Cidadania: O endereço formal é condição para a emissão de documentos e o pleno exercício de direitos civis e políticos.
Ordenamento Urbano e Sustentabilidade: A REURB promove a integração urbanística da área, permitindo o planejamento estatal e a adoção de medidas de proteção ambiental, em consonância com a ordem econômica urbanística (art. 182, CRFB/88).

2.5. O Papel do Poder Judiciário e o Programa Solo Seguro: Uma Análise da Atuação Judicial

Em contextos de alta informalidade, como na Amazônia Brasileira, as Corregedorias Gerais de Justiça dos Tribunais de Justiça estaduais exercem um papel fundamental como articuladoras do processo, por meio do Programa Solo Seguro, instituído pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Este programa atua como um indutor de eficiência e cooperativismo institucional, promovendo:
A simplificação e a celeridade dos procedimentos de registro, mitigando a morosidade registral.

A cooperação entre Judiciário, Executivo, Ministério Público, Defensoria e Serviços Notariais e de Registro.

A realização de mutirões para a entrega massiva de títulos, assegurando a efetividade da norma e o acesso à justiça.

3. CONCLUSÃO

A Regularização Fundiária Urbana consubstancia-se em um poderoso instrumento de política pública e engenharia jurídica, destinado a sanar o déficit de segurança jurídica e promover a inclusão socioespacial.

No contexto amazônico, a superação de desafios históricos como a ausência de matrículas-mãe e as ocupações em áreas ambientalmente sensíveis exige uma atuação conjunta e determinada de todos os entes envolvidos.

Nesse escopo, o papel essencial do CNJ e das Corregedorias Gerais dos Estados consolida-se como um instrumento vital para orientar gestores públicos, cartórios, profissionais técnicos e a comunidade, pavimentando o caminho para cidades mais justas, ordenadas e com dignidade para todos.

A REURB é, em sua essência, a materialização concreta do direito à cidade e da função social do Direito.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 21 nov. 2024.

BRASIL. Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm. Acesso em: 23 nov. 2025.

BRASIL. Lei nº 13.465, de 11 de julho de 2017. Dispõe sobre a regularização fundiária rural e urbana. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13465.htm. Acesso em: 23 nov. 2025.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ). Programa Solo Seguro. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/solosseguro/. Acesso em: 23 nov. 2025

Paulo Sérgio Sampaio Figueira – Advogado, Administrador de Empresa, Ciências Agrícolas, Professor Universitário com pós-graduação em metodologia do ensino superior, Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Direito Eleitoral, Arquivologia e Documentação, com mestrado em Direito Ambiental e Políticas, Presidente da Comissão de Meio Ambiente da OAB/AP, Conselheiro do COEMA, Vice-Presidente da Região Norte da Comissão Nacional de Assuntos Fundiário da UBAU, Presidente Nacional de Meio Ambiente e Agrário da UBAM

 

 

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