Por Enio Fonseca
A 29ª Conferência das Partes (COP29) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês) ocorreu entre 11 e 24 de novembro em Baku, no Azerbaijão.
Plenária da COP 29
Desde a primeira edição, em 1995 na Alemanha, as COP se consolidaram como o principal fórum global para discutir e propor ações frente à crise climática. Ao longo dos anos, as discussões promovidas nas COP evoluíram, por exemplo, para acordos importantes, como o Protocolo de Kyoto (1997) e o Acordo de Paris (2015).
Nas COP, diversos grupos se reúnem para debater o progresso das ações de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. Neste ano, mais de 65.000 pessoas estiveram presentes, incluindo representantes dos quase 200 países signatários, cientistas, povos originários, organizações não governamentais, ativistas, mídia e representantes da indústria e da sociedade civil.
O objetivo central da COP é limitar o aquecimento global abaixo de 2°C, com esforços para mantê-lo em 1,5°C acima dos níveis pré-industriais. Para isso, os países submetem suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), que detalham planos de redução de emissões e adaptação climática. Essas metas são revisadas regularmente, buscando maior ambição e efetividade.
O país anfitrião da COP29, o Azerbaijão, é o que contou com a maior delegação, com mais de 2.200 pessoas registradas. O Brasil assumiu o segundo lugar, com mais de 1.900 participantes.A COP registrou a presença de 1.773 representantes da indústria de combustíveis fósseis, número que supera o total de representantes de quase todas as delegações nacionais, porém o número de ambientalistas dentre os 65.000 participantes não foi divulgado.
O Brasil enviou uma grande delegação do evento, sob a justificativa da participação ampla como um sinal de compromisso com a agenda climática. A comitiva brasileira só perdeu para o país anfitrião do evento.
Contudo, essa decisão é amplamente questionável tanto pelo ponto de vista do uso dos recursos públicos, quanto pela emissão de CO2 emitido nas viagens de avião, situação que atinge boa parte dos participantes do evento.
A COP29 foi considerada uma das mais difíceis da história das Conferências. A Cúpula aconteceu no final de um ano recorde em impactos extremos climáticos, com aumento das temperaturas no nível global e a ocorrência de inundações, furacões, secas e incêndios florestais destruindo comunidades e ecossistemas ao redor do globo.
Além disso, ela foi realizada em um contexto geopolítico muito delicado, na sombra de conflitos armados.
O mundo enfrenta atualmente o maior número de conflitos desde a Segunda Guerra Mundial: Ucrânia, Rússia, Mianmar, Gaza, Líbano, Irã, Israel, Sudão, para citar apenas alguns países.
A COP-29 trouxe frustrações globais ao apresentar metas consideradas insuficientes para financiamento climático e redução de emissões, evidenciando mais uma vez conflitos de interesse entre as muitas nações e diferentes e às vezes antagônicos setores econômicos.
Este ano, o evento foi apelidado de “COP das finanças”, refletindo a ênfase nas discussões sobre financiamento climático e na definição de metas para apoiar os países em desenvolvimento na redução de emissões de gases de efeito estufa e adaptação aos impactos das mudanças climáticas.
O Novo Objetivo Coletivo Quantificado (NCQG), centro das negociações, foi formalmente estabelecido prevendo um aumento gradual nos fluxos financeiros globais destinados à mitigação e à adaptação climática, estabelecendo um novo patamar de US$ 300 bilhões anuais até 2035. No entanto, as lacunas permanecem em relação à clareza sobre fontes e mecanismos de financiamento, bem como na garantia de apoio efetivo a comunidades vulneráveis já afetadas pelos impactos do aquecimento global.
O montante aprovado, de US$ 300 bilhões anuais para o financiamento climático, ficou bem abaixo do US$ 1,3 trilhão pedido pelos países em desenvolvimento, e foram considerados insuficientes para enfrentar a emergência climática.
Segundo o Fundo Monetário Internacional, somente os subsídios aos combustíveis fósseis chegaram a US$ 7 trilhões em 2023, cifra 23 vezes maior do que o acordado em Baku para fazer frente à crise que tais combustíveis ajudaram a criar.
O texto final estabelece que os países ricos precisam financiar os US$ 300 bilhões anuais até 2035, “de uma grande variedade de fontes, públicas e privadas, bilaterais e multilaterais,incluindo fontes alternativas”.
Não restringir os recursos a fontes públicas é um dos pontos criticados por ambientalistas e países mais pobres, que entendem que a conta não será paga de forma justa e devida se delegada a outros entes.
A decisão final da COP29 não coloca os países desenvolvidos – os maiores emissores históricos – como responsáveis pela destinação dos recursos. O texto diz apenas que as nações mais ricas devem estar “na dianteira” dos esforços.
Também foi alvo de críticas o fato do texto não determinar que esse financiamento deve ser público, de governo para governo, na forma de doações ou empréstimos a juros baixos. Assim, além de diluir as fontes, o acordo abre espaço para que parte do aporte seja feito através de empréstimos a juros de mercado, o que pode representar um risco de endividamento ainda maior dos países em desenvolvimento.
Assim, além de diluir as fontes, o acordo abre espaço para que parte do aporte seja feito através de empréstimos a juros de mercado, o que pode representar um risco de endividamento ainda maior dos países em desenvolvimento.
O novo NCQG chega para substituir o compromisso de financiamento de US$ 100 bilhões anuais, válido entre 2020 e 2025, e cuja implementação efetiva é questionada por observadores e por vários países, incluindo o Brasil.
Os recursos serão igualmente distribuídos entre iniciativas para reduzir emissões de gases de efeito estufa e ações voltadas à adaptação climática, como a construção de
infraestruturas resilientes e o incentivo à agricultura sustentável.
O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, afirmou que “esperava um resultado mais ambicioso”, pediu que o acordo seja “honrado integralmente e dentro do prazo” e que os compromissos “se traduzam rapidamente em recursos financeiros”. Ainda assim, para ele, o documento final representa a base para manter vivo o objetivo de limitar o aumento da temperatura global a 1,5°C.
Além do NCQG, foi aprovado o Objetivo Global de Adaptação (GGA). Porém, não houve decisão sobre sobre o Programa de Trabalho sobre Transição Energética Justa .
As discussões sobre a implementação dos resultados do Balanço Global também ficaram sem uma decisão e serão levadas para a COP 30, que acontecerá em Belém, em 2025, presidida pelo Brasil, que já sinalizou a intenção de priorizar discussões sobre financiamento e justiça climática, bem como de consolidar a missão global para limitar o aquecimento a 1,5°C.
O texto final da COP29 destaca a urgência de aumentar as ambições e as ações nesta “década crítica” e reconhece que há um “fosso” entre os fluxos de financiamento climático e as necessidades, especialmente para adaptação nos países em desenvolvimento. O entendimento é de que são necessários de US$ 5,1 a 6,8 trilhões, até 2030, sendo US$ 455–584 bilhões por ano para se alcançar os objetivos do Acordo de Paris.
A conferência em seu documento final reiterou a importância de reformar a arquitetura financeira multilateral e sublinha a necessidade de remover barreiras e abordar os fatores desfavoráveis enfrentados pelos países em desenvolvimento no financiamento da ação climática, incluindo elevados custos de capital, espaço fiscal limitado, níveis de dívida insustentáveis, elevados custos de transação e condicionalidades para acesso aos recursos para o clima”.
Foi proposta a redução de custos para acessar o financiamento climático, além da simplificação de processos e a introdução de instrumentos financeiros inovadores, como garantias e fundos de risco.
Foi acordado também o lançamento de um programa de trabalho Baku-Belém, que tem o objetivo de finalmente se chegar à marca de US$ 1,3 trilhão, considerada ainda um piso para os países-ilhas e as nações menos desenvolvidas.
Outro ponto de destaque da cúpula foi a aprovação das regras gerais do mercado de carbono, previstas no Artigo 6 do Acordo de Paris, que se arrastavam há mais de oito anos.
A COP-29 avançou na regulamentação do mercado global de carbono, abrindo oportunidades para países que já se destacam em mecanismos como MDL e REDD+, como o Brasil, mas não concluiu com a implementação efetiva das regulamentações do Artigo 6 do Acordo de Paris.
Houve progresso na regulamentação do mercado global de créditos de carbono, tema pendente desde o Acordo de Paris, estabelecido em 2015. Representantes dos países participantes aprovaram diretrizes para o funcionamento deste mecanismo de mercado, que passa a ser administrado pela ONU.
Com as novas regras, os créditos de carbono, gerados por projetos como aqueles de restauração florestal e de energias renováveis, poderão ser utilizados na contabilidade nacional de emissões e compensações.
Com isso, espera-se a maior cooperação internacional e a redução dos custos anuais de implementação dos planos climáticos nacionais em até 250 bilhões de dólares. A regulamentação também deve assegurar a integridade dos créditos, prevenindo impactos negativos sobre comunidades locais e o meio ambiente.
Ainda no contexto da COP29, o Brasil também deu um passo importante com a aprovação do projeto de lei que regula o mercado de carbono no país.
Para o secretário-geral da ONU, António Guterres, o fim da era dos combustíveis fósseis é uma inevitabilidade econômica”. Ele afirmou que as novas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC, na sigla em inglês), que são os planos climáticos de cada país, devem acelerar essa mudança e garantir que ela ocorra com justiça.
A transição dos combustíveis fósseis para fontes de energia mais limpas também foi um dos principais temas da COP29, mas a falta de consenso sobre o assunto gerou impasses. Apesar do compromisso assumido na COP28, em 2023, de reduzir a dependência dos combustíveis fósseis, a resistência de alguns países produtores de petróleo dificultou o avanço das negociações.
Embora houvesse acordo na COP anterior para avançar na transição energética, na COP29 não foi possível definir um plano global para cumprir esse objetivo. Além disso, a não inclusão do compromisso sobre combustíveis fósseis no rascunho final da COP29 gerou preocupação em alguns líderes de países, especialistas e ativistas, especialmente considerando o aumento das emissões globais de gases de efeito estufa e a superação do limite de 1,5 °C do aquecimento global em relação aos níveis pré-industriais.
Apesar das dificuldades nas negociações, a COP29 trouxe alguns avanços. Por exemplo, um grupo de 25 países comprometeu-se a não inaugurar novas centrais de energia a carvão sem a implementação de sistemas de captura de carbono.
O Brasil foi o segundo país a apresentar a terceira geração da NDC que define a redução de emissões de gases de efeito estufa de 59% até 67%, em 2035. O documento entregue reassume a meta de neutralidade climática até 2050.
Além de reunir um resumo de políticas públicas que se somam para viabilizar as metas propostas na NDC, o documento também detalha, por setor da economia brasileira, as ações que vêm sendo implementadas no país para que as emissões de gases do efeito estufa sejam mitigadas.
Um dos temas discutidos na COP mostrou que as cidades abrigam de metade da população mundial, e devem receber mais 2,4 bilhões de habitantes nos próximos 20 anos, os debates na COP29 abordaram como os centros urbanos emitem gases de efeito estufa e, por outro lado, sofrem desproporcionalmente com o aquecimento do planeta.
Em um evento que reuniu prefeitos de várias partes do mundo, a diretora executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio ambiente, Pnuma , Inger Andersen, destacou que 52% de todas as emissões de gases de efeito estufa vêm de apenas 25 megacidades, incluindo, entre outras, Xangai, Pequim,
Tóquio, Moscou e Nova Iorque.
Ela disse aos prefeitos que as ações implementadas nos centros urbanos “podem ter um impacto enorme”. Ela estimulou medidas como padrões para eficiência energética, gerenciamento de resíduos e emissões de metano, melhoria do transporte público e incentivo à mobilidade elétrica.
Durante uma reunião ministerial, a diretora executiva do ONU-Habitat, Anaclaudia Rossbach, alertou que o desenvolvimento urbano rápido e desordenado representa ameaças à biodiversidade, ao meio ambiente e à segurança alimentar. Segundo ela, as consequências também incluem a fragmentação social e deterioração financeira.
Rossbach enfatizou que há apenas um caminho a seguir, “uma trilha coletiva onde as necessidades sociais, urbanas e climáticas são tratadas de maneira harmoniosa sobre uma base econômica sólida”.
Em 2023, o setor de turismo se recuperou das dificuldades da pandemia de Covid-19, com as chegadas internacionais voltando a quase 90% dos níveis pré-pandemicos. Nesse ano, o setor contribuiu com 3% do Produto Interno Bruto global, o equivalente a US$ 3,3 trilhões, e empregou uma em cada 10 pessoas no mundo.
Em uma entrevista para a ONU News, Andersen reiterou seu apelo para que as partes interessadas da COP29 garantam que a indústria do turismo diminua as emissões de carbono.
A chefe do Pnuma disse que é preciso entender que o setor de turismo “é tanto vítima quanto contribuidor da mudança climática”.
Durante a COP29, a indústria brasileira buscou destacar seu potencial como protagonista da descarbonização. A Confederação Nacional da Indústria (CNI), por exemplo, apresentou iniciativas que reforçam o papel da indústria brasileira na promoção do desenvolvimento sustentável. Baseada em quatro pilares, transição energética, mercado de carbono, economia circular e conservação florestal e bioeconomia, a agenda industrial brasileira buscou alinhar progresso econômico com compromissos climáticos.
A CNI também apresentou 30 projetos de pesquisa e desenvolvimento realizados pelos Institutos SENAI de Inovação e Tecnologia em parceria com outras instituições, demonstrando o potencial do Brasil em liderar soluções tecnológicas para o enfrentamento da crise climática. Além disso, a proposta de um fórum empresarial como foco na elaboração de políticas verdes, inspirado no B20, busca engajar o setor privado nas decisões climáticas globais, preparando o terreno para a COP30, que será realizada no Brasil.
Assim, recai para o Brasil, que sediará a COP30, como uma das principais responsabilidades, articular caminhos para aumentar os recursos para tratar as questões de transição energética até o patamar de US$ 1,3 trilhão.
O sucesso em Belém dependerá da capacidade dos líderes globais de superar divisões e intensificar a ambição, garantindo que a transição energética e o financiamento climático avancem com a velocidade necessária para proteger o futuro do planeta.
Enio Fonseca – Engenheiro Florestal, Senior Advisor em questões socioambientais, Especialização em Proteção Florestal pelo NARTC e CONAF-Chile, em Engenharia Ambiental pelo IETEC-MG, , em Liderança em Gestão pela FDC, em Educação Ambiental pela UNB, MBA em Gestão de Florestas pelo IBAPE, em Gestão Empresarial pela FGV, Conselheiro do Fórum de Meio Ambiente do Setor Elétrico, FMASE, foi Superintendente do IBAMA em MG, Superintendente de Gestão Ambiental do Grupo Cemig, Chefe do Departamento de Fiscalização e Controle Florestal do IEF, Conselheiro no Conselho de Política Ambiental do Estado de MG, Ex Presidente FMASE, founder da PACK OF WOLVES Assessoria Ambiental, foi Gestor Sustentabilidade Associação Mineradores de Ferro do Brasil . Membro do Ibrades, Abdem, Adimin, Alagro, Sucesu, CEMA e CEP&G/ FIEMG e articulista do Canal direitoambiental.com.
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