Uma das características de grandes obras púbicas no País – tais como a construção de usinas hidrelétricas, estradas e portos – são atrasos que elevam os custos e prejudicam a população. Apesar de existir uma variedade de razões para tais atrasos, como falta de recursos para sua execução, projetos inadequados, superfaturamento e até corrupção, tornou-se habitual culpar o licenciamento ambiental por esses problemas. Mais ainda, as exigências feitas pelas autoridades ambientais são vistas frequentemente como obstáculos ao crescimento econômico e ao desenvolvimento.
O que há de verdade nisso? A legislação brasileira na área ambiental é moderna e foi introduzida no País na década de 1970, em plena vigência do regime militar. Entre os países em desenvolvimento, na categoria de emergentes, como a China e a Índia, o Brasil é o que tem a melhor legislação ambiental, devida à visão clarividente de Paulo Nogueira Neto, que na época convenceu as autoridades em Brasília a adotá-la. É até paradoxal que o governo militar tenha aceitado essa legislação, sobretudo num período de crescimento acelerado, em que restrições ambientais eram vistas pela área econômica como um obstáculo.
O fato é que a legislação foi adotada, dando início à criação de Secretarias Estaduais de Meio Ambiente e empresas públicas como a Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb), em São Paulo, e outras nos demais Estados da Federação encarregadas do controle e licenciamento de indústrias e outras atividades consideradas impactantes.
No caso de São Paulo, graças à ação da Cetesb é que a indústria local é hoje relativamente moderna e mais "limpa", porque foi se instalando nos últimos 30 anos de acordo com as normas vigentes. Anteriormente, sem normas ambientais aplicadas, Cubatão transformou-se num desastre ecológico, o que acarretou custos elevados para ser remediado, no governo Franco Montoro.
O que aconteceu nos Estados Unidos cerca de 40 anos atrás, quando foi adotada a "Lei do Ar Limpo", ilustra bem esse ponto. Argumentou-se, na ocasião, que eliminar a poluição produzida pelos automóveis e pelas indústrias teria custos tão elevados que arruinariam a economia americana. Mas aconteceu exatamente o oposto: a economia americana cresceu mais de 200% desde 1970, a qualidade do ar melhorou substancialmente em todo o país e se calcula que para cada dólar investido no combate à poluição se ganharam US$ 40 em benefícios.
A legislação introduzida por Paulo Nogueira Neto na área industrial e urbana, infelizmente, não teve o mesmo sucesso na Amazônia, para onde está migrando há décadas a fronteira agrícola. Cada vez que uma grande hidrelétrica é planejada nessa região, o debate entre desenvolvimento e preservação ambiental se reacende.
Vejamos o caso da Hidrelétrica de Belo Monte, no coração da Amazônia. Hidrelétricas são uma das fontes mais baratas e menos poluentes que existem para a produção de energia elétrica. É fundamental, contudo, que elas tenham amplos reservatórios de água que permitam que continuem funcionando nos períodos em que não chove. A formação de lagos como reservatórios, no entanto, afeta ecossistemas locais e, em geral, leva à necessidade de reassentar milhares de pessoas. Em compensação, não aumentam praticamente as emissões de carbono e beneficiam, pela eletricidade que produzem, milhões de pessoas que vivem no Sudeste do Brasil, a milhares de quilômetros de distância, e não são organizadas como as diretamente atingidas.
O problema, então, não é impedir o desenvolvimento econômico para proteger o meio ambiente, mas adotar um tipo de desenvolvimento que, ao mesmo tempo, permita que a economia cresça sem arruinar irreversivelmente o meio ambiente. Os problemas sociais, terceira dimensão do desenvolvimento sustentável, devem ser resolvidos por meio de medidas compensatórias, como reassentamento e criação de novas oportunidades de emprego.
Pode-se até discutir a decisão de construir a usina no local escolhido, e provavelmente existem outros aproveitamentos hidrelétricos na Amazônia que seriam mais atraentes. Todavia, uma vez definido o local – inclusive com adequados critérios socioambientais, como os da Comissão Mundial de Barragens -, é a melhor engenharia que deveria definir o tipo de usina a construir e seu reservatório.
As concessões feitas pelo governo aos opositores da usina não resolveram nenhum problema. No desenho atual, a área do reservatório é pequena (cerca de 500 quilômetros quadrados) e a usina, praticamente a fio d"água, desperdiçando, por redução de capacidade na prática, quase metade da energia que poderia ser gerada. As tentativas de diminuir as pressões dos ambientalistas que levaram à redução da área inundada pioraram o projeto de engenharia e estimularam os grupos que se opõem a ele por inteiro. Vale lembrar que o desmatamento na Amazônia causado pela expansão da soja e do gado é hoje de cerca de 2 mil quilômetros quadrados por ano.
Cabe ao poder público resolver esse problema, explicando claramente os custos e os benefícios de empreendimentos de grande vulto. Isso nunca foi feito de forma clara. Ao contrário, partidos aproveitam-se de situações que são de fato problemáticas para campanhas populistas e ganhos políticos. E quando os problemas surgem, culpa-se o licenciamento ambiental por impedir o desenvolvimento.
Não é a área ambiental a responsável pelo atraso de obras, e sim a falta de bons projetos que tragam efetivamente benefícios ao conjunto da sociedade. Aos que prometem agilidade, deve-se lembrar que o licenciamento precisa ser célere, porém responsável.
Fonte: Jornal da Ciência