por Luciana Vianna Pereira.
A sustentabilidade, em seus três pilares: econômico, social e ambiental, ganha cada vez mais força no mundo empresarial, privado e financeiro. A sustentabilidade é esse conceito criado lá na década de 60, quando se percebeu que a atividade econômica precisava, para se manter a longo prazo, de um equilíbrio entre os impactos que produz a cada um desses três pilares. Daí, surgiu a imagem de um “banco” ou um “tripé”, que perde o equilíbrio quando uma de suas pernas é mais curta ou ausente.
A sigla “ESG” ganhou proporções globais ao longo de 2020 e vem se tornando cada vez mais conhecida das empresas de todos os portes e tamanhos, sejam elas produtoras de bens ou de serviços. Mas, se olharmos a fundo, ela significa nada mais nada menos do que a inclusão das variáveis ambientais (environmental), sociais e de governança (portanto, gestão econômica eficiente e sem desvios) nas decisões de financiamento e investimento de mercados, fundos, investidores e financiadores.
Qual a diferença, então?
A diferença é financeira e contábil: só isso e simples assim. A sustentabilidade é um termo conceitual. O ESG é a (tentativa ainda) de monetizar, contabilizar e refletir em números esse conceito[1]. Assim, multiplicam-se os acordos e consensos setoriais para desenvolver métricas de valoração dos impactos ESG sobre os resultados financeiros das empresas. E com eles, a tentativa de que a empresa não mais emita um “Relatório de Sustentabilidade”, mas que o que consta desses relatórios passe a ser refletido das Demonstrações Financeiras da empresa, impactando resultados da empresa e de seus Diretores e Conselheiros[2].
Efeito ESG no dia a dia das empresas:
O que temos visto é que, seja nas operações societárias de aquisição, seja no investimento de private equity ou venture capital, seja no investimento direto através das Bolsas de Valores mundiais, seja na obtenção de financiamento público e bancário, seja, ainda, na aquisição de cobertura securitária, cada vez mais, os riscos ambientais, sociais e de governança (o chamado compliance relacionado a práticas anti-corrupção entra aqui também) se convertem em uma variável importante, senão determinante, na tomada de decisão.
E ele gera um fenômeno interessante nas due diligences prévias à aquisições empresariais e investimentos: as análises de contratos, de documentos societários, de contingências tributárias, trabalhistas e cíveis perdem espaço e passam a ser avaliadas por “robôs” e sistemas que cruzam dados, resumem documentos e apontam problemas em uma velocidade impressionante e a custos muito menores do que as tradicionais análises linha a linha por advogados e profissionais experientes. Por outro lado, os investimentos em due diligences de compliance – em grande medida, também realizadas por inteligência artificial –, avaliações detalhadas de políticas e práticas de recursos humanos e políticas e práticas ambientais se ampliam e passam a receber uma atenção sem precedentes!
Nos mercados financeiros, green bonds, CBios, fundos verdes, investimentos sustentáveis são exemplos de uma “mercantilização da sustentabilidade”[3] que, aliás, se levada a cabo da forma como se espera tem chances muito maiores de efetivamente mudar o futuro da sociedade do que as velhas políticas governamentais, impostas de cima para baixo.
O movimento ESG está também em linha com as definições dos ODS das Nações Unidas e das NDRs no Acordo de Paris. E, se, por um lado, muitas NDRs foram feitas “para inglês ver” no sentido de que refletiram compromissos já cumpridos por governos ou já pensados e definidos pela iniciativa privada nos países signatários do Acordo, uma coisa é certa: elas evidenciam que a preocupação com a sustentabilidade econômica, ambiental e social já está há algum tempo na pauta da sociedade.
Mas se o ESG é a monetização da sustentabilidade e não é um movimento novo, por que estamos falando tanto disso agora?
Porque sua força e visibilidade cresceram à medida que cresceu a visibilidade sobre acidentes de grandes proporções e de consequências jurídicas, econômicas e de imagem relevantes para a empresa responsável, ou à medida que demandas sociais por inclusão e diversidade se tornaram pauta política ganhando as mídias sociais ou à medida que aumentam os casos em que escândalos de corrupção derrubam cotações de ações de empresas.
E, claro! A Pandemia deu aquele empurrãozinho para se discutir a relação homem-meio, quando todo o mundo é impactado por um vírus relacionado ao consumo de animais silvestres por seres humanos.
Também podemos imaginar diversas explicações políticas e filosóficas e apontar diversos movimentos (posteriores ao movimento ambientalista da década de 60[4]) que podem em maior ou menor escala ter influenciado a ampliação da preocupação com sustentabilidade ou com o “ESG”.
Mas, se estamos caminhando para um mundo mais cooperativo[5] e atento às externalidades negativas das decisões empresariais, ou se estamos chegando a uma “ética da responsabilidade” pela qual cada um passa a olhar o outro com medo e esperança[6], ou se está se ampliando a percepção no “inconsciente coletivo” (essa ficção jurídica e sociológica), de que é preciso fazer algo, é preciso “olhar para o próximo como a si mesmo”[7], cuidar da “casa planetária”[8] ou cuidar do “pequeno pelotão”[9] de que se faz parte, cremos que ainda não é possível dizer[10].
Mas, certamente, há muito investimento na promoção de uma cultura de diversidade social, de preocupação ambiental, mas também de respeito ao individualismo, ao empreendedorismo, e às liberdades individuais e empresariais.
Independente da corrente ou justificativa filosófica ou política que se adote, devemos nos atentar aos fatos.
Seja para cativar a “opinião pública”, dar resposta ao mercado consumidor ou seja pela percepção de que um acidente ambiental de grandes proporções, ou o envolvimento em um esquema de corrupção ou uma conduta discriminatória e vexatória custam à imagem, ao bolso e podem comprometer a sobrevivência da empresa, o fato é que a sustentabilidade em seus três pilares parece não ter caído no lugar comum de outras “palavras de ordem” do passado e do presente, e é tema e assunto cada vez mais corriqueiro no meio empresarial.
2020:
Em 2020, o primeiro grande passo para o movimento “ESG” ou uma maior sustentabilidade, foi dado pela Black Rock e suas estratégias “evitar” empresas com baixo desempenho em sustentabilidade ou “avançar” em investimentos em empresas atuantes em mercados sustentáveis[11].
A Black Rock externou e “viralizou” essa percepção que há alguns anos vem sendo sentida pelos grandes atores do mercado de que uma parte importante dos investidores buscam e optam por investir em empresas capazes de demonstrar ações concretas, porque uma “perna curta” em um dos três pilares leva, inevitavelmente, a uma queda.
2021?
Não se sabe ainda a velocidade com que todas as métricas de medição e mensuração dos impactos empresariais em ESG serão editadas, testadas e validadas. E, portanto, não há como prever com precisão quando essas métricas poderão passar a constar nos balanços e demonstrações financeiras das empresas (não só nas notas explicativas, como hoje aparecem), mas nos cálculos de resultado econômico.
De toda forma, o que parece inegável é que esse movimento em direção à sustentabilidade nos investimentos e nos mercados é um caminho sem volta e, como todo movimento surgido no interior dos mercados, ele tende a se espalhar e alcançar toda a cadeia de produção, alcançando os mais remotos e indiretos fornecedores e prestadores de serviços.
A questão que se coloca é: você está preparado?
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Notas:
[1] Alguns elementos já possuem métricas de valoração amplamente aceitas, mas digo que é uma tentativa porque nem todos os aspectos de cada um desses elementos (ambiental, social e governança) possuem tais métricas.
[2] Achei muito interessante um texto que li recentemente da Priscilla Navarrette, em que analisando o interior das empresas, seus comitês de sustentabilidade, suas estruturas de gestão ela relata: “Já recebi inúmeros relatos de clientes cujos colegas da área de relação com investidores (ou outra afim) resolveram criar uma nova área ESG, com uma nova equipe ESG e uma nova estratégia ESG, com novos indicadores ESG, em empresas que há algum tempo já tem uma área de sustentabilidade, com um time de sustentabilidade e inclusive uma estratégia de sustentabilidade, com consistentes relatórios e indicadores. Vocês contam ou eu conto?” Vide https://www.capitalreset.com/a-seducao-da-sustentabilidade-sem-esforco/.
[3] O termo, por vezes, é usado de forma pejorativa e crítica, mas somos da opinião de que só quando atribuímos valor ao ambiente, podemos chegar mais próximos de sua proteção. Vejam os movimentos de pagamento por serviços ambientais e as notícias que começam a aparecer de que a próxima COP trará como pauta o financiamento para a proteção de florestas no mundo.
[4] Que teve por um dos grandes marcos, a obra CARSON, Rachel, Silent Spring. Boston: Houghton Mifflin, 1962.
[5] AXELROD, Robert – The evolution of cooperation. New York: Basic Books, 2006.
[6] JONAS, JONAS, Hans – O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. Rio de Janeiro: Editor PUC-Rio, 2006
[7] Lucas 10:25-37, Bíblia Sagrada.
[8] SÉGUIN, Elida. Direito ambiental: nossa casa planetária. Rio de Janeiro: Forense, 2002
[9] BURKE, Edmund – Philosophical Enquiry into the Origin of our ideas of the sublime and the beautiful. Oxford University Press, 2008, revisitado por SCRUTON, Roger. Filosofia Verde: como pensar seriamente o planeta. São Paulo: É Realizações, 2016.
[10] Particularmente, eu gosto da conclusão de SCRUTON de que é sobre a necessidade de proteger o planeta que Direita e Esquerda deveriam se unir, pois disso depende a sobrevivência da espécie humana. Mas isso fica para um próximo artigo…
[11] Disponível em https://www.blackrock.com/br/estrategias/investimento-sustentavel