por Paulo Sérgio Sampaio Figueira.
INTRODUÇÃO
É importante enfocar que o processo de descentralização da Gestão Florestal no Brasil está atrelado a vários aspectos, como capacidade institucional e administrativa local, a participação e o controle social e também à necessidade de gestão compartilhada com outras esferas do governo.
Desta maneira, a Lei de Gestão de Florestas Públicas (Lei n.º 11.284/2006) concedeu ao Sistema Florestal Brasileiro (SFB) a competência legal para instruir e de criar procedimentos administrativos para que os Estados da Amazônia Legal[1] realizassem a gerência de Florestas Públicas Estaduais (FLOTAs) em terras da União, em que os citados entes, quando da assinatura do Protocolo de Intenções e, posteriormente, Termo de Cooperação Técnica (ato discricionário), atendesse as condicionantes ali estabelecidas, estavam aptos a requerer a delegação de competência material e formal para gestão de florestas públicas em terras da União (ato vinculante), possibilitando, também, a competência formal de elaborar normas complementares e procedimentos administrativos de reconhecimento de ocupações anteriores à criação da FLOTA e de realizar procedimentos administrativos de concessão florestal onerosa e não onerosa.
Vale ressaltar que esse processo na Amazônia Legal resultou em processo de Judicialização e criminalização principalmente pela ausência de Laudo Antropológico para reconhecimento de ocupações anteriores no interior das áreas delimitadas para concessão florestal onerosa e não onerosa.
Antes da criação da Lei nº. 11.284, de 2006, para aprovar o plano de manejo era necessária a titulação da terra. A exploração era de difícil viabilização, face à grande indefinição da questão fundiária do Brasil.
A Lei de Gestão de Florestas Públicas supriu essa lacuna. Por esta se permite que a atividade florestal sustentável seja empreendida mediante o instrumento da concessão de áreas de floresta, sem que seja necessária qualquer forma de titulação daquela área, que por sinal é de domínio público.
Antes de especificar com maior detalhe esse processo de Gestão de Florestas Públicas em terras da União é interessante fazer uma distinção entre Floresta Pública Estadual (FLOTA) e Floresta Pública Nacional (FLONA), desta maneira entende-se por floresta pública, toda floresta plantada ou não, localizada nos diversos biomas brasileiros, que pertencerem à União, aos Estados, aos Municípios, ao Distrito Federal ou a entes da Administração Pública Indireta, nos termos do artigo 3º, inciso I, da Lei nº 11.284 de 2 de março de 2006.
No entanto, não se devem confundir Florestas Públicas com Florestas Nacionais. Florestas Nacionais são unidades de uso sustentável, unidades de conservação integrantes do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza SNUC. São Florestas Nacionais as áreas com cobertura florestal de espécies predominantemente nativas e tem como objetivo básico o uso múltiplo sustentável dos recursos florestais e a pesquisa científica, com ênfase em métodos para exploração sustentável de florestas nativas, conforme definição dada pela Lei n.º 9.985, de 18 de julho de 2000, em seu artigo 17.
Ainda, a mesma lei define, no artigo 2º, inciso I, que unidade de conservação é o espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção.
Vale ressaltar que o Plano de Outorga Florestal (PAOF) descreve, a cada ano, quais áreas que poderão ser submetidas à concessão, permitindo aos empreendedores ter acesso a florestas públicas para o manejo sustentável e explorar produtos e serviços através de processo licitatório. As Florestas Públicas do Brasil estão localizadas nos diferentes biomas e regiões do país. No entanto, a maior parte (92,1%) encontra-se na região Amazônica.
Diante deste quadro torna-se importante uma análise desse processo na Amazônia Legal após a edição da LC n.º 11.284, de 2006, visto que há conflitos que levaram a processos de Judicialização e criminalização que são comuns nos Estados da Amazônia Legal, principalmente pela ausência de Laudo Antropológico para reconhecimentos das ocupações anteriores a criação da FLOTA, mas que, entretanto, recebem do mesmo órgão de controle social interpretações diversas que precisam de analise visando uma padronização das ações.
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HISTÓRICO DA GESTÃO DE FLORESTAS PÚBLICAS
É oportuno salientar que o Brasil desde o início da década de oitenta, após a edição da Lei n.º 6.938, de 31 de agosto de 1981, que trata da Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA), incluiu no seu bojo a delegação de competências da União para Estados e Municípios de realizarem Licenciamento Ambiental, no intuito de fosse estruturado seus órgãos específicos para gestão ambiental com normas próprias, sendo este o embrionário de uma vanguardista política pública de Licenciamento Ambiental Compartilhado e da Gestão de Florestas Públicas.
Sem olvidar que a Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB), promulgada em 5 de outubro de 1988, além de dispositivos específicos da competência dos entes públicos, estabeleceu um capítulo específico e dispositivos diversos para tratar de meio ambiente, da política agrária e fundiária.
Deste modo, a Descentralização da Gestão Compartilhada de Florestas Públicas foi um processo dinâmico iniciado na década de noventa (90), com o apoio do Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil (PPG-7), de iniciativa do Governo Federal, com a participação da sociedade brasileira, bem como de parceria com a comunidade internacional, objetivando a formulação e a implantação de políticas públicas para conservação dos recursos naturais e o desenvolvimento sustentável da Amazônia Legal, sendo considerado um dos mais importantes instrumentos de cooperação internacional na área ambiental, sob a coordenação do Ministério do Meio Ambiente (MMA), com parcerias em diferentes esferas, envolvendo órgãos governamentais, entidades da sociedade civil e setor produtivo privado, sendo este um processo embrionário da inclusão social dos povos da floresta na otimização da exploração florestal por meio de um modelo sustentável de aproveitamento da madeira vinculado a Plano de Manejo Florestal Sustentável (PMFS), formalizando a legalização desta exploração e o combate da grilagem de terras públicas da União, visto que pelas dimensões geográficas continentais desta área, a União não teria como gerir a Amazônia Legal com seus respectivos órgãos sem a inserção dos Estados e dos Municípios.
Esse estágio inicial permitiu o debate no Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA), por provocação dos Estados e Municípios – através da Associação Municipal de Órgãos do Meio Ambiente (ANAMMA) e a Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente (ABEMA) – que culminou com a elaboração da Resolução n.º 237, de 19 de dezembro de 1997, já que se aguardava a regulamentação do artigo 23, incisos III, VI e VII, da CRFB, por meio de Lei Complementar (LC), fato que ocorreu com a expedição da LC n.º 140, de 8 de dezembro de 2011.
Vale ressaltar que após esse processo de descentralização do licenciamento ambiental, outras descentralizações sugiram entre União, Estados, Distrito Federal e os Municípios.
É importante enfatizar já no período de 2002 até 2006, a União – por meio de políticas públicas ambientais emanadas de seus órgãos ambientais (IBAMA) e posteriormente pelo Serviço Florestal Brasileiro (SFB) desenvolveu estudos (jurídicos e técnicos), bem como instrumentos administrativos objetivando à inclusão dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na Gestão Descentralizada das Florestas Públicas, com a outorga de competência material.
Neste processo de Descentralização da Gestão Floresta, destaca-se, no ano de 2004, a criação do Escritório de Manejo Florestal, estrutura responsável pelo licenciamento, o monitoramento e a fiscalização dos Planos de Manejo Florestal (PMF) por meio da administração do Fundo de Reposição Florestal (FRF) e pela emissão de Autorização de Transporte (AT), embrionário do Sistema do Documento de Origem Florestal (DOF), sendo este precursor tanto do Sistema Florestal Brasileiro, quanto do instrumento de controle, monitoramento e fiscalização do Sistema de Documento de Origem Florestal (DOF).
Deste modo, a responsabilidade pela concessão florestal e do licenciamento ambiental foi repassada para os Estados, tornando mais transparente e compartilhada a Gestão Florestal, sendo que a fiscalização era realizada em conjunto com o IBAMA e as Secretaria de Meio Ambiente dos Estados e dos Municípios, havendo, assim, um compartilhamento de informações e um planejamento integrado das ações entre os diferentes órgãos de fiscalização competentes, evitando ações de sobreposição de funções administrativas, quanto ao controle e o monitoramento que é atividade específica do órgão que dá concessão de outorga florestal.
Estes instrumentos de políticas públicas de Gestão Descentralizada de Florestas Públicas ganharam força e estabilidade jurídica após a expedição de lei específica para este setor, a saber, a Lei n.º 11.284, de 2 de março de 2006 (Lei de Gestão de Florestas Públicas), que transferiu integralmente a Gestão das Florestas Públicas para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, quando implantadas em terras da União, afastando, assim, qualquer intervenção da União sobre o assunto de Florestas Públicas Estaduais (FLOTA) criadas em suas terras devolutas.
A União delegou a competência material e formal aos Estados membros, mas unificou em um portal de transparência, a fiscalização integrada da origem da madeira advinda de floresta nativa, Documento de Origem Florestal (DOF), efetuando, assim, conjuntamente a fiscalização no que concerne ao transporte de madeira extraída com autorização do Estado por meio de Processo Administrativo de Concessões Florestais em terras da União.
É oportuno salientar que diante das dimensões continentais da Amazônia Legal, a União restringiu sua atuação material e formal somente nas Florestas Públicas Nacional (FLONA) para realizar todo o procedimento administrativo licitatório da outorga de concessão florestal ao setor produtivo privado, cabendo-lhe a gestão de empreendimentos e atividades macro, a saber: a) os localizados, ou desenvolvidos conjuntamente no Brasil e em país limítrofe; b) os localizados, ou desenvolvidas no mar territorial, na plataforma continental ou na zona econômica exclusiva; c) os localizados, ou desenvolvidos em terras indígenas; d) os localizados, ou desenvolvidos em unidades de conservação instituídas pela União, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs); e) Localizados ou desenvolvidos em 2 (dois) ou mais Estados; e) e, em Florestas Públicas Nacional (FLONA), mas NÃO em Florestas Públicas Estaduais, ou Municipais, mesmo criadas em terras públicas da União, pois houve o instituto da delegação de competência que atualmente configura-se em ato jurídico perfeito pelo atendimento dos requisitos administrativos exigidos pela União, como por exemplo: corpo técnico, lei própria, estrutura física, logística, elaboração do Plano de Outorga Florestal aprovado pelo SFB, edital de licitação e reconhecimento das ocupações anteriores a instituição da FLOTA.
Por sua vez, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios ficaram incumbidos de gerir os temas que dizem respeito ao: a) Licenciamento ambiental de propriedades rurais; b) Licenciamento de desmatamento; c) Licenciamento do manejo florestal para produção de madeira ou produtos não madeireiros; d) Licenciamento para plantio e corte (reflorestamentos); e) Controle do fluxo da madeira e de produtos florestais não madeireiros; f) Reposição florestal; g) Monitoramento e fiscalização; h) Fomento, assistência técnica e de incentivos à produção florestal; i) Compensação ambiental.
Vale ressaltar que a execução dessa politica pública encontra sustentação jurídica nos artigos 4.º e 8.º, ambos da Lei Complementar n.º 140, de 2011, que estabelece, inclusive, a possibilidade de delegação de atribuições de um ente federativo a outro, bem como sua competência material e formal para gerir PMFS em área de FLOTA, sendo oportuno trazer a colação esta norma legal. Veja:
[…] Art. 4º Os entes federativos podem valer-se, entre outros, dos seguintes instrumentos de cooperação institucional: […] II – convênios, acordos de cooperação técnica e outros instrumentos similares com órgãos e entidades do Poder Público, respeitado o art. 241 da Constituição Federal; […] V – delegação de atribuições de um ente federativo a outro,respeitados os requisitos previstos nesta Lei Complementar; VI – delegação da execução de ações administrativas de um ente federativo a outro, respeitados os requisitos previstos nesta Lei Complementar. […] Art. 8º São ações administrativas dos Estados: II – exercer a gestão dos recursos ambientais no âmbito de suas atribuições; X – definir espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos; […] XIII – exercer o controle e fiscalizar as atividades e empreendimentos cuja atribuição para licenciar ou autorizar, ambientalmente, for cometida aos Estados; XVI – aprovar o manejo e a supressão de vegetação, de florestas e formações sucessoras em: a) florestas públicas estaduais ou unidades de conservação do Estado, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs); b) imóveis rurais, observadas as atribuições previstas no inciso XV do art. 7º; e c) atividades ou empreendimentos licenciados ou autorizados, ambientalmente, pelo Estado; [….] (Destacou).
Sem olvidar que a norma do artigo 50, § 2.º, da Lei n.º 11.284, de 2006, também estabelece que: “[…] o IBAMA deve estruturar formas de atuação conjunta com os órgãos seccionais e locais do SISNAMA para a fiscalização das florestas públicas, podendo firmar Convênios ou Acordos de Cooperação […]”. (Destacou).
Deste modo, a cooperação técnica entre União, Estados e Municípios configura-se em característica essencial para existência do pacto federativo brasileiro, sendo este um mecanismo técnico essencial para realização de Acordos de Cooperação Técnica para a Gestão Florestal Compartilhada com os Estados-Membros, no objetivo primaz de efetuar a descentralização de suas ações naquilo que cada acordo estabelecer.
Frise-se que o objetivo maior desses pactos compreende a cooperação técnica e administrativa, bem como as competências constitucionais de proteção do meio ambiente e de seus recursos naturais renováveis, promovendo, assim, a interação política e institucional da gestão descentralizada compartilhada.
Deste modo, o IBAMA vem firmando diversos acordos de cooperação técnica com as Secretarias Estaduais de Meio Ambiente de outros Estados da Amazônia legal, objetivado o estabelecimento de regras e de condições de cooperação técnica visando o licenciamento ambiental em terras da União, por sua vez o Sistema Florestal Brasileiro (SFB) vem realizando os mesmos processos de delegação de competências para a gestão compartilhada dos recursos florestais em terras públicas da União.
Assim, forçosa é a conclusão de que os Termos de Cooperação Técnica são importantes instrumentos da Gestão Florestal e de Licenciamento Ambiental, de maneira que a análise de experiências positivas nesse sentido deve ser utilizada como balizador para a formulação de políticas voltadas ao setor madeireiro.
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INSTRUMENTOS PARA DELEGAÇÃO DE COMPETÊNCIA DA GESTÃO FLORESTAL NO BRASIL
2.1 DO PROTOCOLO DE INTENÇÕES
Deste modo, o primeiro instrumento de Descentralização da Gestão Florestal da União para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios adveio da Minuta do Protocolo de Intenções que delineou a adesão dos Estados à Descentralização Florestal, através da Portaria n.º 29 de 15 de março de 2006 do IBAMA (D.O.U. 17/03/2006), tendo sua fundamentação advinda da Lei n.º 11.284, de 2006, e ratificada a competência formal e material pela Lei Complementar n.º 140, de 2011.
Em apertada síntese, salienta-se que em momento anterior a Portaria citada alhures, o IBAMA provocou o Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA), em face de sua competência formal para estabelecer normas ambientais (art. 8.º da Lei n.º 6.938/1981)[2] para criar os mecanismos necessários para o procedimento de Descentralização de Gestão Florestal e do Licenciamento Ambiental, posteriormente esta competência florestal passou a ser executada pelo SFB, no ano de 2006.
Em apertada síntese, pontua-se que a provocação do IBAMA ao CONAMA resultou na elaboração da Resolução Conama n.º 237, de 1997, que estabeleceu mecanismos de competência material para delegação de competência entre os órgãos ambientais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, inclusive tratando de Acordos de Cooperação Técnica específica como foi à proposição da União, através Protocolo de Intenções, realizado para a descentralização da gestão florestal.
A união, por meio do CONAMA já vinha estabelecendo mecanismos e diretrizes de Descentralização do Licenciamento Ambiental que abrangesse o território brasileiro, envolvendo, assim, os demais entes públicos, de maneira que a Resolução Conama n.º 237, de 1997, apresentava uma abordagem vanguardista para a Descentralização da Gestão Ambiental concernente ao Licenciamento Ambiental.
Entretanto, ela foi recepcionada com ressalvas por entender que seu objeto envolve competência material a ser outorgada a outros da federação, de maneira que invadiu competência privativa do Poder Legislativo, pois esta matéria só poderia ser discutida por meio de Lei Complementar, nos termos do artigo 23 (inc. III, VI e VII) da CRFB.
Sem olvidar que o IBAMA, por meio da Portaria n.º 29, de 15 de março de 2006 (D.O.U. 17/03/2006), provocou a adesão dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para efetivarem sua participação na Gestão de Florestas Públicas da União com o estabelecimento de um pacto federativo para esta Gestão específica, sendo oportuno trazer a colação parte desta norma que nos interessa. Veja:
[…] Art. 1º Aprovar o modelo de Protocolo de Intenções, anexo a este ato, que poderá ser celebrado entre o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – IBAMA e os órgãos estaduais de meio ambiente. Parágrafo único. As disposições desta Portaria aplicam-se temporariamente com a finalidade de atender as disposições do art. 19 da Lei n.° 4.771, de 15 de setembro de 1965, com a nova redação dada pelo art. 83 da Lei n° 11.284, de 2 de março de 2006, no que concerne às competências para realizar a gestão florestal no âmbito do Sistema Nacional do Meio Ambiente até a celebração do Acordo de Cooperação Técnica correspondente. Art. 2° Delegar competência aos Superintendentes do IBAMA nos Estados da Federação para celebrarem em nome da autarquia o respectivo Protocolo de Intenções ora aprovado. Art. 3° Esta Portaria entra em vigor na data da sua publicação. […]. (Destacou).
Este Protocolo de Intenções configurou – no mundo da vida – um dos instrumentos primordiais para o desenvolvimento da gestão florestal compartilhada, delineando a necessidade de investimentos em logística, capital cultural humano, bem como a necessidade de criação de um órgão florestal[3], com sua respectiva legislação para gerir as Florestas Públicas delegadas[4] aos entes públicos.
Isto porque as competências comuns entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios de criar unidades de conservação de uso sustentável e de proteção integral encontra se definidas no artigo 23 da CRFB, de maneira que nos interessa os incisos III, VI e VII, sendo oportuno trazer a colação. Veja:
[…] III – proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos; VI – proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; VII – preservar as florestas, a fauna e a flora. […].
Sem olvidar que a Emenda Constitucional n.º 53, de 19 de dezembro de 2006, acrescentou o Parágrafo único ao artigo 23 da CRFB, delineando que Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.
A criação da Lei Complementar n.º 140, em 2011, houve a regulamentação do artigo 23, incisos III, VI e VII, e seu parágrafo único, da CRFB, reforçando o pacto federativo concernente a Descentralização da Gestão Florestal e do Licenciamento Ambiental, estabelecendo, assim, diversos mecanismos de cooperação técnica, em que foi delegado competência para Gestão Florestal e do Licenciamento Ambiental, sendo oportuno trazer a colação a norma dos artigos 3.º, 4.º e 6.º da citada norma legal. Veja:
[…] Art. 3o Constituem objetivos fundamentais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, no exercício da competência comum a que se refere esta Lei Complementar:
I – proteger, defender e conservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado, promovendo gestão descentralizada, democrática e eficiente;
II – garantir o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico com a proteção do meio ambiente, observando a dignidade da pessoa humana, a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais;
III – harmonizar as políticas e ações administrativas para evitar a sobreposição de atuação entre os entes federativos, de forma a evitar conflitos de atribuições e garantir uma atuação administrativa eficiente;
IV – garantir a uniformidade da política ambiental para todo o País, respeitadas as peculiaridades regionais e locais.
Art. 4º Os entes federativos podem valer-se, entre outros, dos seguintes instrumentos de cooperação institucional:
I – consórcios públicos, nos termos da legislação em vigor;
II – convênios, acordos de cooperação técnica e outros instrumentos similares com órgãos e entidades do Poder Público, respeitado o art. 241 da Constituição Federal;
III – Comissão Tripartite Nacional, Comissões Tripartites Estaduais e Comissão Bipartite do Distrito Federal;
IV – fundos públicos e privados e outros instrumentos econômicos;
V – delegação de atribuições de um ente federativo a outro, respeitados os requisitos previstos nesta Lei Complementar;
VI – delegação da execução de ações administrativas de um ente federativo a outro, respeitados os requisitos previstos nesta Lei Complementar.
[…].
Art. 6o As ações de cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão ser desenvolvidas de modo a atingir os objetivos previstos no art. 3o e a garantir o desenvolvimento sustentável, harmonizando e integrando todas as políticas governamentais. […]. (Destacou).
Cumpre ratificar que o artigo 4.º da Lei Complementar (LC) n.º 140 de 2011, traz segurança jurídica para o procedimento de Descentralização de Gestão Florestal realizada entre a União e os Estados da Amazônia Legal, a partir do ano de 2006, por meio de Protocolo de Intenções e de Acordo de Cooperação Técnica, que formaliza a competência formal e material da União de conceder concessão florestal em terras públicas, criadas pelos Estados da Amazônia Legal, inclusive através de Laudo Antropológico reconhecer as ocupações anteriores à criação da Floresta Pública (FLOTA).
2.3 DO ACORDO DE COOPERAÇÃO TÉCNICA ENTRE A UNIÃO E OS ESTADOS DA AMAZÔNIA LEGAL PARA GESTÃO FLORESTAL
Os Estados da Amazônia Legal, a partir do ano de 2006, após adesão ao Protocolo de Intenções, delineado na Portaria IBAMA n.º 29 de 2006, e, consequentemente, da assinatura do Acordo de Cooperação Técnica, advinda da Descentralização da Gestão Florestal desenvolveram mecanismos para gerir florestas públicas em terras da União, com investimentos em concurso público para aquisição de capital cultural humano, em logística, estrutura física, geoprocessamento, georreferenciamento, criação de lei de instituição da FLOTA e do órgão Estadual de Florestas, elaboração do PMFS e o PAOF, tudo para atender as contrapartidas requeridas para formalizar o processo de delegação de competência material junto ao SFB.
Os Estados da Amazônia Legal para atenderem as condicionantes legais para se qualificarem à obter a delegação de competências de gerir Florestas Públicas, em terras da União, criaram Lei Estadual, sendo este o marco temporal que vai disciplinar o uso e o acesso de sua modalidade de unidade de conservação estadual de uso sustentável, nos termos do artigo 3.º, inciso I, da Lei n.º 11.284, de 2006, c/c o artigo 7.º, inciso VI, da Lei n.º 9.985, de 2006, com uma área de floresta nativa, com a finalidade de fomentar o uso sustentável dos recursos florestais no Estado, bem como a exploração de produtos madeireiros e não madeireiros.
Em relação a FLOTA torna-se oportuno salientar que sua criação configurou o marco temporal do direito, diante da metodologia advinda das duas etapas distintas de sua criação, a saber:
a) A primeira etapa configura na realização de laudo antropológico do reconhecimento dos ocupantes legítimos que estavam em sua área em momento anterior a criação, conforme salienta norma do artigo 6.º da Leiº 11.284, de 2 de março de 2006;
b) A segunda etapa assegura aos Estados a competência formal e material para realizar procedimentos administrativos licitatórios de concessão florestal onerosa e não onerosa.
A título de ilustração exemplificamos o Estado do Amapá para demonstrar que o processo é rigoroso em que a lei estadual que criou a Floresta Estadual (FLOTA), definiu que o seu objeto fosse voltado para o uso sustentável, de maneira que destinação contrária traz ao lume a aplicação do instituto da reversão destas terras para União, nos termos do artigo 1.º, § 1.º, inciso IV, do Decreto n.º 6.291, de 7 de dezembro de 2007, sendo oportuno trazer a colação. Veja:
a) […] Lei Estadual n.º 1.028 de 2006 – Art. 1º Fica criada a Floresta Estadual do Amapá, abrangendo áreas dos Municípios de Serra do Navio, Pedra Branca do Amaparí, Porto Grande, Mazagão, Ferreira Gomes, Tartarugalzinho, Pracuúba, Amapá, Calçoene e Oiapoque (fig. 01), visando o uso sustentável, mediante a exploração dos recursos naturais renováveis e não renováveis de maneira a garantir a perenidade dos recursos ambientais e dos processos ecológicos, mantendo a biodiversidade e os demais atributos ecológicos, de forma socialmente justa e economicamente viável. […]. (Destacou).
b) […] Decreto Federal n.º 6.291 de 2007 – Art. 1º Ficam transferidas gratuitamente ao Estado do Amapá as terras públicas federais situadas em seu território que estejam arrecadadas e matriculadas em nome da União, localizadas em até cem quilômetros de largura de cada lado do eixo das rodovias federais já construídas, em construção ou projetadas, às quais se refere o Decreto-Lei no 1.164, de 1º de abril de 1971, bem como o Decreto-Lei n.º 2.375, de 24 de novembro de 1987. § 1º A transferência de que trata o caputfica condicionada: […] IV – à permanência da destinação das terras localizadas nos limites da Floresta Pública Estadual criada pela Lei Estadual no 1.028, de 12 de julho de 2006, à preservação ambiental e uso sustentável da terra, em observância à Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, e, no que couber, à Lei nº 11.284, de 2 de março de 2006, SOB PENA DE REVERSÃO AUTOMÁTICA AO PATRIMÔNIO PÚBLICO DA UNIÃO.[…]. (Destacou).
Já em relação aos recursos naturais não renováveis, a norma do artigo 3.º da Lei Estadual n.º 1.028, de 2006, estabeleceu que a FLOTA se sujeita ao regime de Unidades de Uso Sustentável, delineadas pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação e na Lei de Gestão de Florestas, sendo oportuno trazer a colação. Veja:
[…] Art. 3º A Floresta Estadual do Amapá fica sujeita ao regime de Unidades de Uso Sustentável estabelecido pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC, especialmente no inciso II do art. 7º da Lei nº. 9.985/00, combinado com Inciso IV do artigo 20 da Lei Complementar Estadual, nº. 0005, de 18 de agosto de 1994, Lei nº. 11.284, de 02 de março de 2006, que dispõe sobre a gestão de florestas públicas para produção sustentável, e demais normas pertinentes ao assunto. […]. (Destacou).
A título informativo, pontua-se que a FLOTA correspondente a uma área descontinua de 23.694,00 km², dividida em 4 (quatro) módulos distintos, que, do ponto de vista geográfico, engloba parte de 10 (dez) municípios amapaenses, de um total de 16 (dezesseis), a saber: Mazagão, Porto Grande, Pedra Branca do Amaparí, Serra do Navio, Ferreira Gomes, Tartarugalzinho, Pracuúba, Amapá, Calçoene e Oiapoque[5](PAOF/IEF, 2017).
A intenção de criação da FLOTA surgiu com o estudo do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (IMAZON), em 1999, através da obra intitulada: “O setor madeireiro no Amapá: Situação atual e perspectivas para o desenvolvimento sustentável”, que abordou a necessidade de planejamento do Setor Estatal para criação de sua FLOTA com o objetivo de efetuar a produção sustentável de produtos à exportação e a demanda local.
Em apertada síntese, pontua-se que momento anterior a criação da FLOTA – concebida entre 2003 e 2005 – estava em discussão no âmbito nacional a matéria concernente aos mecanismos legais para descentralização da gestão florestal, que veio a ser sintetizados na Lei n.° 11.284, de 2006, que tem por objetivo efetuar, como política pública de gestão florestal descentralizada, a destinação adequada das áreas arrecadadas da União pelo Estado do Amapá, visando seu desenvolvimento de forma sustentável, focado no potencial do setor florestal, por meio de processos de concessão florestal onerosa e não onerosa (PAOF/IEF, 2017).
2.4 DA CRIAÇÃO DO INSTITUTO DE FLORESTA DO AMAPÁ.
Para atender as condicionantes estabelecidas pela União para efetivação do instituto de delegação de competência, o Estado do Amapá criou a Lei n.º 1.077, de 2 de abril de 2007, dando origem ao Instituto Estadual de Florestas (IEF), com a finalidade específica de executar a política florestal, consoante destaca os dispositivos dos artigos 1.º e 2.º desta norma legal. Veja:
[…] Art. 1ºFica criado no âmbito da administração pública indireta o Instituto Estadual de Florestas do Amapá – IEF/AP, […]
Art. 2º. O Instituto Estadual de Florestas do Amapá – IEF/AP, tem por finalidade Executar a política florestal do Estado do Amapá em consonância com as macro políticas de desenvolvimento do Estado.
A criação do IEF/AP foi um marco decisivo para o Estado do Amapá tomar posse de sua competência material e formal na gestão de outorga florestal pública, a ponto de estabelecer instrumentos jurídicos para elaboração do PMF e do Plano Anual de Outorga Florestal (PAOF) da FLOTA, inclusive com competência para criar instrumentos administrativos para reconhecer as ocupações anteriores a 12 de julho de 2006, consoante demarca norma do artigo artigo 5.º § 1º, da Lei n.º 1.028, de 2006, c/c artigo 6.º da Lei n.º 11.284, de 2006.
Desta maneira, o Estado do Amapá, após efetuar investimentos orçamentários vultosos em relação ao capital humano, infraestrutura e logística, cumpriu as condicionantes do instituto discricionário advindas da assinatura do Protocolo de Intenção e do Termo de Cooperação Técnica da Gestão Florestal, sendo habilitado para efetuar os últimos institutos discricionários exigidos para delegação de competência material em floresta nativa em terras da União, a saber, a elaboração do Plano de Manejo Florestal e do Plano de Outorga Florestal (PAOF) de sua FLOTA, os quais foram submetidos a aprovação do SISTEMA FLORESTAL BRASILEIRO (SFB), nos termos da Lei n.º 11.284, de 2006.
Destarte, no momento em que o SFB recepciona o PAOF da FLOTA, reconhecendo-a como Floresta Pública Estadual, a atuação do Estado do Amapá junto à União, que antes era regido pelo instituto da discricionariedade, torna-se vinculante, visto que Aquele atendeu todas as condicionantes estabelecidas pela União, configurando ato jurídico perfeito a delegação efetuada pela União ao Estado do Amapá para gerir e administrar sua FLOTA.
Desta maneira, é cristalina a tese de que o Estado do Amapá tem competência material e formal para Gestão Florestal de sua FLOTA, já que todos os atos administrativos para delegação desta competência da União ao Estado do Amapá se concretizaram na aprovação do PAOF pelo SFB, de maneira que o ato de Outorga Florestal, por meio de concessão onerosa e não onerosa.
A título de ilustração, o Estado do Amapá lançou, no ano de 2015, edital de concorrência pública para concessão onerosa de módulos da FLOTA, de maneira que tem uma sociedade empresarial de capital estrangeiro efetuando a retirada de madeira da FLOTA, entretanto como não realizou o Laudo Antropológico as ocupações anteriores a 12 de julho de 2006 não tiveram o reconhecimento para realizar concessão florestal, cujo ocupantes hoje travam na justiça esse reconhecimento.
2.5 DO PLANO DE MANEJO FLORESTAL SUSTENTÁVEL E SUAS DIRETRIZES
É de bom alvitre salientar que em relação à Amazônia Legal[6], os Estados que a compõe criaram leis e mecanismos próprios para fazer uso de suas florestas públicas, fundamentado em Acordos de Cooperação Técnica com a União.
Pontua-se que o manejo florestal perpassa pela utilização racional e ambientalmente adequada dos recursos da floresta, sendo uma atividade econômica oposta ao desmatamento, pois não há remoção da floresta e mesmo após o uso o local manterá sua estrutura florestal.
O princípio da técnica de exploração de impacto reduzido – principal ferramenta do manejo florestal – é extrair produtos da floresta de maneira que os impactos gerados sejam mínimos, possibilitando a manutenção da estrutura florestal e sua recuperação, por meio do estoque de plantas remanescentes.
Desta forma, o manejo florestal é realizado segundo critérios e ações estabelecidas em um documento chamado Plano de Manejo Florestal Sustentável (PMFS), que é elaborado por engenheiros florestais e aprovado pelo órgão licenciador da União, Estado ou Município.
Destarte, caso o empreendedor não respeite as regras e condicionantes estabelecidas na norma legal que a constituição do PMFS, ele sofrerá as punições e as sanções administrativas contratuais e específicas identificadas pelo órgão que fiscaliza o PMFS.
Sem olvidar que responde a processo crime por violação da Lei n.º 9.605, de 12 de fevereiro de 1998 (Lei de Crimes Ambientais), que dispõe sobre sanções penais e administrativas derivadas de condutas e de atividades lesivas ao meio ambiente.
Para realizar o manejo é necessário que se tenha conhecimento da floresta a ser explorada, levando-se em consideração a) as espécies; b) a quantidade; e c) qual a velocidade de crescimento da floresta.
Deste modo, deve-se realizar o inventário amostral da floresta, que verifica a viabilidade econômica do manejo, e, em seguida, o inventário 100% da área que será manejada anualmente.
Em caso de manejo madeireiro, o corte é realizado seletivamente, ou seja, apenas alguns indivíduos das espécies inventariadas serão cortados – geralmente são escolhidas espécies com maior valor comercial, entre 3 a 5 árvores adultas por hectare, destacando-se que: a) o primeiro passo é definir qual o objetivo do manejo; b) em seguida um engenheiro florestal deverá realizar um inventário florestal na área e apresentar o Plano de Manejo Florestal Sustentável e o Plano Operacional Anual (POA) no órgão ambiental competente; c) após a aprovação do Plano de Manejo, deve-se executá-lo em consonância com a AUTEX, expedida pelo órgão licenciador, responsável pela Gestão da floresta pública; d) após a exploração florestal de qualquer produto é necessário emitir o Documento de Origem Florestal (DOF), sendo este o documento que possibilita o transporte dos produtos até o local de beneficiamento, ou até o destino final.
O Plano de Manejo Florestal Sustentável tem que seguir as diretrizes delineadas no Decreto n.º 5.975, de 30 de novembro 2006, bem como na Instrução Normativa n.º 05 do Ministério do Meio Ambiente, de 11 de dezembro de 2006, por se tratar de institutos de gestão florestal, objetivando o uso sustentável da floresta e a função social da ocupação, princípios constitucionais emanados do artigo 189 da CRFB.
Pontua-se que o PMFS é documento com características técnicas que legaliza qualquer atividade de exploração de uma floresta. Nele estão inseridos todos os dados técnicos e planos de utilização de determinada área florestal, de maneira que o empreendedor tem que submeter ao órgão licenciador do Estado seus PMFS, sendo aprovado suas AUTEX, configurando ato administrativo vinculante, por ter atendido todas atendendo legais estabelecidas nos artigos 3º, 4º e 21 do Decreto n.º 5.975, de 2006, sendo oportuno trazer a colação. Veja:
[…] Art. 3º Os PMFSs e os respectivos POAs, em florestas de domínio público ou privado, dependerão de prévia aprovação pelo órgão estadual competente integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente-SISNAMA, nos termos do art. 19 da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965. […] Art. 4o A aprovação do PMFS, pelo órgão ambiental competente, confere ao seu detentor a licença ambiental para a prática do manejo florestal sustentável […]. Art. 21. O órgão competente para autorizar o PMFS ou a supressão de florestas e formações sucessoras para o uso alternativo do solo, nos termos do art. 19 da Lei nº 4.771, de 1965, emitirá a licença para o transporte e armazenamento de produto e subproduto florestal de origem nativa por solicitação do detentor da autorização ou do adquirente de produtos ou subprodutos. […]
Desta forma, atendendo as condicionantes do Parágrafo Único do artigo 1º da Instrução Normativa n.º 5, de 2006, com a aprovação da AUTEX, todos os procedimentos administrativos são superados.
Ademais, a Instrução Normativa do IBAMA de n.º 5, de 2006, já previa Acordo de Cooperação Técnica, caso ocorresse delegação de competência, conforme salienta este tema no seu § 4º, inciso III, do artigo 3º, ao estabelecer que: “[…] nos casos que lhe forem delegados por convênio ou outro instrumento admissível, ouvidos, quando couber, os órgãos competentes da União, dos Estados e do Distrito Federal […]”. (Destacou).
2.6 DA AUSÊNCIA DE LAUDO ANTROPOLOGICO PARA RECONHECIMENTO DAS OCUPAÇÕES ANTERIORES ANTES DO PROCESSO ADMINISTRATIVO LICITATÓRIO PARA AS CONCESSÕES FLORESTAIS
Conforme exposto acima, os Estados da Amazônia Legal deveriam antes da criação das FLOTAs realizar estudo antropológico para identificação das comunidades ribeirinhas residentes no interior das mesmas, e a readequação do plano de manejo dessas Unidades de Conservação, para que as comunidades ribeirinhas fossem inseridas na gestão das áreas, bem como consulta prévia.
Entretanto esse processo não foi realizado pelos Estados ou observado pelo SFB na aprovação do PAOF, fato que ocasionou processo de Judicialização e criminalização.
Em alguns Estados a Justiça Federal suspendeu o processo licitatório para a concessão de manejo florestal nas Florestas, inclusive em FLONAS, como aconteceu em Itaituba I e II, em Itaituba e Trairão, no sudoeste do Pará.
Esses Estados ignoraram informações do próprio plano de manejo de que nessas áreas e em áreas vizinhas vivem comunidades tradicionais e inclusive havia propriedades.
Vale ressaltar que a justiça federal obrigou, ainda, que fosse realizada uma redefinição dos limites das unidades de manejo que seriam destinadas à concessão florestal, para que não fossem prejudicadas a população tradicional e as propriedades que ocupam a FLOTA e a FLONA ou na área vizinha a elas.
É importante enfatizar que o Laudo Antropológico apontaria as inúmeras falhas do plano de manejo, ressaltando, registre-se, o equívoco na perspectiva histórica de ocupação da área onde se criou a unidade de conservação.
A informação é deveras pertinente, pois a partir dela seria possível aferir a tradicionalidade da ocupação no local e evitar processo de Judicialização e criminalização.
Vale ressaltar que a revisão, além de identificar o erro, corrige-o, caracterizando – dentre outros instrumentos, através de entrevistas aos residentes mais idosos cotejando essas informações diretamente com os dados históricos relatados em respeitados livros de história da região – efetivamente a ocupação ali encontrada.
É importante salientar que esse processo não foi homogêneo visto que em alguns Estados da Amazônia Legal a concessão florestal onerosa foi realizada sem Judicialização de empresas internacionais e que ocorreu somente a criminalização dos ocupantes anteriores a criação da FLOTA.
Desta maneira, sem as informações de demarcação da FLOTA e da definição de beneficiários ocupantes, não há como se afirmar que o empreendimento não atinge populações tradicionais e de propriedade porque sequer se sabe onde estão e quem são elas.
É arriscado apontar qualquer traço essencial em modelos como são as FLOTAS e as concessões florestais. Existem tensões entre concessões e comunidades tradicionais conduzidas pelos Estados, nos permitem concluir que esse modelo de gestão de florestas públicas precisa ser repensado e que pode, sim, ser um vetor de expropriação de comunidades tradicionais, uma vez que o reconhecimento de direitos territoriais e culturais pelo Estado, no contexto das concessões, encontra-se flexibilizado pelas práticas estatais articuladas a empreendimentos capitalistas, que incidem sobre a organização, uso e controle do espaço territorial.
Desta maneira é importante após 14 (quatorze) anos da Lei n.º 11.284, de 2006, fazer uma análise desse processo de delegação de competência da União para os Estados da Amazônia Legal para Gestão de Florestas Públicas em terras da União destinadas a concessão florestal para verificar os conflitos existentes e adoção de medidas de urgência para equacionar avanço das concessões sobre territórios de ocupação tradicional, inclusive em FLONAS executadas pelo SFB.
CONCLUSÃO
Diante do quadro analítico desde os processos embrionários como do PPG-7, Protocolo de Intenções e Termo de Cooperação Técnica visando ordenar a exploração madeireira de forma legal através do instituto de delegação de competência da União para os Estados e Municípios para implantação de Modelos de Florestas Públicas em terras da União visando a concessão florestal culminando com a edição da Lei n.º 11.284, de 2006, verificou-se que ocorreu erros cruciais em que houve um processo de valorização para concessão onerosa em detrimento do reconhecimento das ocupações anteriores, principalmente com vistas a arrecadar.
Desta maneira urge a necessidade de uma avaliação pela União e os Estados da Amazônia Legal, principalmente visando nivelar conhecimento, procedimento, experiência para equacionar problema grave que levou a Judicialização e criminalização de órgãos, gestores, servidores públicos, comunidades tradicionais e profissionais liberais.
A Lei n.º 11.284, de 2006, essencialmente, trata da gestão de florestas públicas com o objetivo de uma produção sustentável e institui princípios para a administração das florestas públicas, relacionando gestão de florestas e manejo sustentável com inclusão das comunidades residentes e não sua exclusão e criminalização.
Como principais fundamentos a Lei n.º 11.284, de 2006 traz a exploração sustentável de florestas, em especial aquelas localizadas na Região Amazônica, por populações locais ou por empresas particulares (através de concessão); a regulamentação do acesso às florestas públicas combatendo a ocupação ilegal, a depreciação, a destruição e a prática de atos ilícitos como a grilagem, a violência no campo, o trabalho escravo, a evasão de impostos, a extração ilegal de madeira e a lavagem de dinheiro.
Desta maneira, devem ser respeitados e garantidos os direitos da população, especialmente das comunidades locais, de terem acesso às florestas públicas e aos benefícios decorrentes de seu uso e conservação.
O artigo 5º possibilita ao Poder Público o exercício direto da gestão de florestas nacionais, estaduais e municipais criadas nos termos do artigo 17, da Lei n.º 9.985, de 2000. Pode também firmar convênios, termos de parceria, contratos ou instrumentos similares com terceiros, observados os procedimentos licitatórios e demais exigências legais pertinentes para a execução de atividades subsidiárias.
Pelo artigo 6º, as florestas públicas ocupadas ou utilizadas por comunidades locais serão identificadas para a destinação, pelos órgãos competentes, por meio de criação de reservas extrativistas e reservas de desenvolvimento sustentável, antes da realização das concessões florestais.
Verifica-se que a concessão florestal na Amazônia Legal continuará a sofrer processo de Judicialização e criminalização determinando a suspensão dos contratos de concessão vigentes até a elaboração de estudo antropológica complementar que defina as características dos povos inseridos na FLOTA, inclusive podendo regredir para realização de consulta prévia não observada na fase de estudos.
Por outro lado, há Estados que não houve processo de Judicialização e criminalização contra os procedimentos administrativo licitatório visando cancelar os contratos, mas sim processo de condenação aos ocupantes anteriores a criação da FLOTA.
Vale ressaltar que é possível conviver naturalmente a concessão onerosa e não onerosa em Florestas Públicas criadas em terras da União. Entretanto, a partir da leitura de referidos dispositivos legais, de pronto, é possível concluir que o respeito às populações tradicionais e, portanto, da sua relação com a terra em que habitam, devem, obrigatoriamente, serem levados em consideração, inclusive com previsão e caracterização de sua presença no Plano de Manejo da unidade, exatamente para compatibilizar a presença desses povos assim caracterizados com a utilização dos recursos presentes na floresta.
Portanto, o futuro das concessões florestais na Amazônia Brasileira é ainda incerto. Se os problemas fundiários não forem superados de forma mais ágil, poderão restar poucas empresas interessadas em investir em concessões, principalmente devido o processo de Judicialização e criminalização advinda da não observância de dados primários como Laudo Antropológico e da grande dificuldade de aprovar plano de manejo florestal.
A Lei de Gestão de Florestas públicas é uma iniciativa do poder público para atuar mais fortemente junto a problemas crônicos na Amazônia, em especial a grilagem de terras públicas e o desmatamento irregular, os quais têm gerado enormes conflitos e desigualdades na região. A complexidade, a diversidade e a extensão do ambiente amazônico tornam os desafios igualmente grandes e complexos, na gestão dos recursos naturais.
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Notas:
[1] O conceito de Amazônia Legal foi uma política pública estatal com o objetivo de planejar e de promover o tripé do desenvolvimento sustentável (econômico, social e ambiental) de 9 (nove) Estados da Região Amazônica, que – historicamente compartilham os mesmos desafios econômicos, políticos e sociais – tem como referência uma política de análises estruturais e conjunturais, de maneira seus limites territoriais perpassa por uma visão sociopolítico e não geográfico. Salienta-se que este bioma possui uma área de 5.217.423 km², que corresponde a 61% do território brasileiro. Além de abrigar todo o bioma Amazônia brasileiro, ainda contém 20% do bioma Cerrado e parte do Pantanal Matogrossesense, acampando os Estados do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins e parte do Estado do Maranhão.
[2] Esta lei dispõe sobre a política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e de aplicação.
[3] Instituto Estadual de Florestas do Amapá (IEF).
[4] No caso do Amapá temos a Lei Estadual n.º 1.028, de 12 de julho de 2006.
[5] Conforme delineado no artigo 2.º da Lei Estadual n.º 1.028, de 2006.
[6] Op. cit. pag. 12.
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