Conciliar a proteção ambiental com políticas de desenvolvimento econômico e social foi a grande tônica do 3º Bate-papo Virtual realizado no dia 08 de Outubro de 2019, onde foram reunidos juristas atuantes ou residentes na região amazônica. Ao longo do evento 50 pessoas participaram simultaneamente do debate.
Seguindo a lógica dos eventos anteriores, com realização independente de profissionais do Direito Ambiental, buscou-se aproximar pensamentos diferentes e com linhas de pesquisa e exercício prático e teórico distintos, promovendo assim um diálogo no sentido de apontar soluções e provocações para um tema tão complexo.
O debate teve como palestrantes Ronaldo Pereira Santos, do Amazonas, Nicilene Teixeira Cavalcante e Miguel Fernando Veiga Gualberto do Pará, assim como os juristas Pedro Campany Ferraz e Antonio Fernando Pinheiro Pedro. As exposições contaram com a mediação de Marcos Saes e Manuela Hermenegildo.
Cabe destacar que após as exposições iniciais o bate-papo abriu para a participação dos juristas até então ouvintes, contando nesse momento com brilhante exposição do Advogado e Agrimensor Paraguassú Éleres, um dos mais importantes ativistas da questão ambiental e fundiária da região, com mais de 50 anos de experiência.
É possível afirmar que 3 tópicos centrais foram reforçados de forma constante pelos expositores, destacando assim: A importância do reforço e eficiência do atual método de fiscalização administrativo-ambiental, alinhando com a aplicabilidade prática das normas; A necessidade de uma visão protetiva compatível com a possibilidade de desenvolvimento econômico e social; A compreensão dos interesses complexos que envolvem a Amazônia, com influencia de atores nacionais e internacionais.
Ao longo da 1 hora e 30 minutos de bate-papo, diferentes tópicos foram abordados por meio de metodologias e perspectivas, sendo possível resumi-los nas seguintes considerações:
É preciso se questionar, qual o desenvolvimento que queremos para a Amazônia?
Foram 50 anos de desenvolvimento por meio de commodities e energia, consolidando uma produção que em regra possui baixo valor agregado e alto impacto ambiental.
A região é responsável por apenas 8% do PIB nacional.
Existe um Fla x Flu histórico entre Ambientalistas e Desenvolvimentistas, surgindo pensamentos radicais em ambos os lados. Enquanto parte do primeiro lado defende uma ausência de produção, parte do outro insiste com a tese de reduzir ou até acabar com a proteção ambiental.
É necessária a defesa de um projeto de Gestão Ambiental Integrada.
A expertise da academia e a produção cientifica precisam ser utilizadas de forma inteligente para agregar na proteção sustentável da região.
Existem instrumentos de alto impacto social e relevância administrativa que não estão sendo utilizados dentro do seu potencial.
O ZEE (Zoneamento Estratégico Econômico) e o CAR (Cadastro Ambiental Rural) possuem um potencial de revolucionar a atuação na Amazônia, desde que utilizados de forma integrada e apropriada com outros institutos.
A desigualdade afeta a proteção ambiental.
A concentração de recursos econômicos e a concentração de renda são características nacionais, mas se relevam ainda mais preocupantes na região amazônica.
Dados indicam que municípios com menor IDH tem tendência a desmatar mais. O indicativo dessa correlação é a necessidade de se atrelar possibilidades de proteção com meios de desenvolvimento social local.
As dificuldades nos processos de regularização fundiária causam efeitos negativos na proteção ambiental da Amazônia.
Os tramites excessivamente burocráticos tem trazido descrédito para a questão fundiária da região, incentivando atuações irregulares.
O entendimento defendido pelo IBAMA de que a Floresta Amazônica é área objeto de especial proteção ambiental (nos termos do § 4ª do artigo 225 da Constituição Federal de 1988), atraindo o tipo sancionador previsto no art. 37 do Decreto 3.179/99 e art. 50 do Decreto 6.514/08, além se ser equivocado por dar um caráter de especialidade à região amazônica em sua totalidade, tem inviabilizado a efetividade da aplicação das medidas de suspensão de multa e embargos previstas no Programa de Regularização Ambiental – PRA, uma vez que a pseudo “anistia” prevista na Lei 12.651/2012 se destina a áreas autuadas ou desmatadas em áreas de Reserva Legal, Área de Preservação Permanente e Área de Uso Restrito.
A considerar que as autuações por desmatamento ou supressão de vegetação secundária são capituladas artigos 37 do Decreto 3.178/99 (nas autuações lavradas em períodos anterior a 22/07/2008) e art. 50 do Decreto 6.514/2008 (autuações lavradas após o marco de consolidação previsto na Lei 12.651/2008), resta inviabilizada a conversão dessas autuações nos termos do disposto no art. 59 e seguintes do CFlo. junto ao IBAMA.
A negativa de validade da anunciada “anistia” de multas para imóveis rurais localizados na Região Amazônica resulta em descredito na politica ambiental e por sua vez, nas medidas de incentivos à regularidade ambiental arduamente conquistada pelos legisladores e recusada pelos órgãos de fiscalização ambiental.
No Pará a regularização das terras é complicada, nem mesmo o Estado consegue aferir o que de fato é ou não sua propriedade.
Com a regularização se facilita a busca por crédito e por decorrência a proteção ambiental se torna viável.
Existem problemas na atuação administrativa estatal dos órgãos gestores da proteção ambiental
A atuação repressiva excessiva de entidades detentoras do poder de polícia, na tentativa de frear o desmatamento, não tem solucionado os problemas de falta de preservação.
É possível afirmar que existe uma irresponsabilidade nos órgãos de fiscalização, não apenas da interpretação jurídica, mas também na técnica.
Os órgãos ambientais enfrentam um sério problema de diálogo entre si, o que tem produzido decisões equivocadas e prejudiciais para produtores e proprietários.
Não existe uma responsabilização dos servidores que de forma irregular multam ou oneram os particulares, tornando a atuação irresponsável em muitos casos.
A insegurança jurídica dos instrumentos de proteção gera dificuldades para a atuação lícita.
O PRA (Programa de Regularização Fundiária), novidade no Código Florestal de 2012, tem enfrentado complicações de se viabilizar junto aos órgãos estatais.
As políticas públicas tem sido ineficientes e pecam por um excesso de burocratização.
É preciso implementar uma legislação florestal racional e voltada ao caráter prático. O Brasil inovou ao adotar medidas únicas no cenário internacional, como a Reserva Legal e as Áreas de Preservação Permanentes.
O papel das Unidades de Conservação na região amazônica precisa ser estudado.
A existência de Unidades de Conservação é associada a proteção ambiental.
Apenas 4% das UC da Amazônia são consideradas de alta preservação, estando entre elas uma ligada a atividade minerária.
Parte das UC foi estrategicamente delimitada para sobrepor atividades das mineradoras, criando um vazio onde perpetuou irregularidades.
Existe um descompasso entre proteção ambiental e soberania nacional.
O bioma possui uma dimensão econômica gigantesca, com capital inexplorado capacitado para desenvolver toda a região.
É preciso implementar uma Doutrina de Soberania Afirmativa, controlando a região por meio da regularização.
Movimentos internacionais influenciaram e influenciam a região na tentativa de impor dominância dos recursos
A atuação da Inglaterra e França na Amazônia geraram arbitragens internacionais. Alemães na década de 1930 vieram ao Brasil com intuito de comprar a região do Amapá.
O 2º Ciclo da Borracha gerou um sistema de espoliação do patrimônio natural brasileiro, inclusive ocasionando a prática de biopirataria que exportou para Malásia recursos ambientais após 40 anos de regime extrativista.
A região divide interesses multipolares e com atores diversos.
Movimentos ambientais dividem espaço com instituições religiosas, sendo ambos influenciados por instrumentos internacionais de imobilização.
A forma da certificação da madeira brasileira, por exemplo, é fruto de atuação comercial europeia.
Os EUA por meio da sua doutrina de defesa regional mantêm bases militares nas fronteiras brasileiras e na região do bioma, ou seja, existe interesse internacional nas decisões internas do Brasil.
Proposta de provocação para debate futuro:
Inverter a lógica de discutir formas de exploração para gerar desenvolvimento, trabalhando também com a noção de precificação da proteção, ou seja, incentivar a proteção por meio de benefícios econômicos.
Material Complementar:
https://www.theeagleview.com.br/2019/08/contexto-geopolitico-do-brasil-e.html
https://www.theeagleview.com.br/2013/02/importancia-estrategica-do-aco.html
(síntese elaborada por Mateus Stallivieri da Costa e Marcos André Bruxel Saes)