quinta-feira , 21 novembro 2024
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Donos de zoológico são condenados por práticas de crueldade e maus tratos aos animais

Os donos do zoológico Cattoni-tur Park Hotel, localizado no município catarinense de Salete, vão ter que pagar indenização de R$ 60 mil pelos maus-tratos e pelas mortes de animais que viviam no parque. Conforme decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), tomada na última semana e que confirmou a sentença, o valor deve ser repassado ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para aplicação em projetos de preservação da fauna regional.

O zoológico foi interditado em dezembro de 2011 depois da fuga de um elefante asiático. Durante a fiscalização do Ibama, os agentes encontraram vários animais desnutridos e machucados, evidenciando maus-tratos, além de diversas irregularidades na estrutura do local. De acordo com o órgão, o índice de mortalidade chegava a 75%.

Após a interdição, os donos do Cattoni-tur solicitaram o encerramento das atividades, mas se comprometeram a cuidar dos animais até que fosse encontrado um abrigo adequado para eles.

Entretanto, em nova vistoria, o Ibama encontrou as espécies ainda em estado de abandono. Elas foram socorridas com a ajuda de entidades engajadas com a causa ambiental. Em 2012, a ação civil pública foi ajuizada pelo instituto.

Os sócios do empreendimento defenderam-se alegando que as informações do Ibama seriam inverídicas. Além disso, afirmaram que parte dos animais havia sido resgatada de circos, já tendo chegado com problemas de saúde.

Em primeira instância, a 1ª Vara Federal de Rio do Sul (RS) rejeitou as alegações dos réus e condenou-os ao pagamento de indenização por dano moral ambiental coletivo. Segundo a sentença, o fato de algumas espécies terem chegado em condições ruins não os isenta da responsabilidade, uma vez que foi constatado o desrespeito a padrões mínimos definidos na lei. Os réus recorreram ao tribunal.

Por unanimidade, a 4ª Turma do TRF4 manteve o entendimento de primeiro grau. Em seu voto, a desembargadora federal Vivian Josete Pantaleão Caminha, relatora do processo, destacou que “o acervo probatório demonstra que os animais foram expostos a inúmeras práticas de crueldade e maus tratos, evidenciando o descaso dos apelantes na assistência aos animais sob sua guarda”.

Fonte: TRF4, 30/03/2016.

Confira a íntegra da decisão:

APELAÇÃO CÍVEL Nº 5002231-35.2012.4.04.7213/SC
RELATORA
:
Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
APELANTE
:
AZODIR CATTONI
:
CATTONI TUR PARK HOTEL SALETE LTDA
:
MARCELO AZODIR CATTONI
ADVOGADO
:
Marco Aurélio Bertoli
:
GILBERTO JOSÉ CARLINI
APELADO
:
INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS – IBAMA
MPF
:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RELATÓRIO
Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA em face de CATTONI TUR PARK HOTEL SALETE LTDA., AZODIR CATTONI e MARCELO AZODIR CATTONI, objetivando, em síntese, a condenação solidária dos réus ao pagamento de indenização por danos materiais e morais coletivos ao meio ambiente, especialmente maus tratos a animais mantidos em zoológico no Município de Salete/SC.
Após regular tramitação do feito, sobreveio sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos, tendo assim restado definido o dispositivo sentencial:
Ante o exposto:
 
extingo o processo sem julgamento do mérito, com fundamento no art. 267, inciso IV, do Código de Processo Civil, no tocante à pretensão de indenização por danos materiais; e
 
julgo procedente o pedido, resolvendo o mérito do processo com fundamento no art. 269, inciso I, do CPC, para condenar os réus, de forma solidária, ao pagamento de indenização, a título de danos morais ambientais coletivos pelos fatos descritos nos Relatórios ns. 70/2011, 82/2011, 26/2012 e 27/2012, Núcleo de Fauna do IBAMA/SC, o valor de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), que deverá ser corrigido monetariamente com base na variação do IPCA-e a partir desta data e acrescido de juros moratórios de 1% ao mês a partir da data do evento danoso (setembro de 2011). Essa importância, como requerido na inicial, deverá ser destinada a um Projeto ambiental dirigido ao aprimoramento do manejo e da fiscalização dos recursos faunísticos, a ser definido pela Divisão de Fauna da Superintendência do IBAMA no Estado de Santa Catarina, na fase de execução de sentença.
Mantenho a decretação da indisponibilidade da sede  do empreendimento Cattoni Tur Park Hotel Salete Ltda., localizada na Rua Espírito Santo, n. 174, Centro, Município de Salete/SC, anteriormente deferida (evento 30), ante a manutenção do quadro que ensejou seu deferimento.
 
Condeno os réus ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios, que fixo em 20% do valor da condenação em conformidade com o art. 20, § 3º, do CPC. Deixo de condená-los, contudo, pela alegada litigância de má-fé, pois seus argumentos, não obstante até mesmo pueris em alguns aspectos (especialmente a suposta ilegitimidade ativa do IBAMA), não denotaram deslealdade.
Irresignados, os réus apelaram, sustentando, preliminarmente, a ilegitimidade passiva de Azodir Cattoni e Marcelo Azodir Cattoni. No mérito, alegaram que as instalações do zoológico seguiram as especificações determinadas pelo IBAMA, bem como que as falhas detectadas nas instalações nunca teriam sido informadas pela autarquia, apenas tendo sido mencionada a necessidade de que o zoológico realizasse algumas mudanças decorrentes do advento da Instrução Normativa nº 169/2008 do IBAMA, o que poderia ser providenciado em um espaço de tempo bastante prolongado e dentro das possibilidades da apelante. Sustentaram que a taxa de mortalidade dos animais foi contestada em relatório apresentado por um biólogo e por um médico veterinário, bem como que não procede a alegada inexistência de plano de emergência para fuga de animais, uma vez que o estabelecimento possuía plena segurança, inclusive com funcionários na condição de vigias. Referiram que os animais eram adequadamente tratados e contestaram a informação de que o estabelecimento deixou de possuir energia elétrica, referindo a existência, inclusive, de gerador próprio de energia. Alegaram a ausência da obrigação de indenizar e, em sendo mantida a condenação a título de danos morais, a redução do montante.
Após a apresentação de contrarrazões recursais, o feito foi remetido a esta Corte.
O Ministério Público Federal manifestou-se pelo desprovimento das apelações.
É o relatório.
VOTO
Uma vez que concordo totalmente com o entendimento adotado pelo Juízo a quo quando da prolação da sentença combatida, peço vênia e utilizo, por razões de decidir do apelo, a fundamentação constante no referido decisum, assim vertida:
Fundamentação
Da legitimidade ativa do IBAMA
O art. 2º da Lei n. 7.735/89 criou o IBAMA, uma autarquia federal com personalidade jurídica de direito público, com a finalidade de:
I – exercer o poder de polícia ambiental; (Incluído pela Lei nº 11.516, 2007)
II – executar ações das políticas nacionais de meio ambiente, referentes às atribuições federais, relativas ao licenciamento ambiental, ao controle da qualidade ambiental, à autorização de uso dos recursos naturais e à fiscalização, monitoramento e controle ambiental, observadas as diretrizes emanadas do Ministério do Meio Ambiente; e (Incluído pela Lei nº 11.516, 2007)
III – executar as ações supletivas de competência da União, de conformidade com a legislação ambiental vigente. (Incluído pela Lei nº 11.516, 2007)
Por sua vez, a Lei n. 7.347/1985, dispõe, em seu art. 5º:
Art. 5º. Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007).
I – o Ministério Público; (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007).
II – a Defensoria Pública; (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007).
III – a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007).
IV – a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista; (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007).
[…].
Assim, naturalmente, o IBAMA, autarquia federal cuja finalidade, entre outras, é executar ações das políticas nacionais de meio ambiente, é parte legítima para o ajuizamento de ação civil pública para a reparação de danos morais e materiais ao meio ambiente.
Rejeito, portanto, a preliminar.
Da legitimidade passiva dos réus Azodir Cattoni e Marcelo Azodir Cattoni
De acordo com o contrato social da demandada Cattoni Tur Park Hotel Salete Ltda., juntado ao evento 48 dos autos eletrônicos n. 50011660520124047213, Azodir Cattoni e Marcelo Azodir Cattoni são os sócios da referida pessoa jurídica, sendo que a administração da empresa cabe ao primeiro.
Diante dessa informação, constata-se, sem maiores dificuldades, que Azodir e Marcelo são partes legítimas para figurar no pólo passivo desta ação civil pública, justamente por ostentaram a condição de sócios da pessoa jurídica que teria perpetrado os danos ao meio ambiente pelos quais, segundo a parte autora, deveria haver indenização civil, além da responsabilidade penal e administrativa.
É que, no tocante à responsabilidade por danos ao meio ambiente, a Constituição da República, em seu art. 225, estabelece que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e que ‘As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados‘ (§ 3º).
Além disso – e esse é o ponto nuclear da questão -, o art. 3º, caput e parágrafo único, da Lei n. 9.605/1998 é expresso ao estabelecer, além da responsabilidade administrativa, civil e penal das pessoas jurídicas pelos danos ao meio ambiente, a premissa de que essa responsabilidade ‘não exclui a das pessoas físicas autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato’ (parágrafo único).
É cediço que a vontade da pessoa jurídica é a vontade de seus administradores e sócios, que, a rigor, são aqueles que se beneficiam do empreendimento. Assim, é de todo razoável – até mesmo para se evitar que eventual alienação ou mesmo insuficiência do patrimônio da pessoa jurídica impeça a reposição necessária ao meio ambiente – que administradores e sócios respondam pelos danos a ele causados.
Fica afastada, assim, também essa preliminar.
Da obrigação de indenizar os danos morais causados ao meio ambiente
A resolução do mérito da presente ação civil pública passa necessariamente pela questão do ônus da prova e da presunção de veracidade de que gozam os atos administrativos.
Com efeito, ao juntar aos autos eletrônicos desta ACP e dos da medida cautelar que a precedeu (n.50022313520124047213), minuciosos relatórios produzidos pelo IBAMA que dão conta de uma série de graves afrontas ao meio ambiente, ao adequado tratamento que se deve dar aos espécimes da fauna, perpetradas pelos réus, a autarquia federal atendeu ao ônus de provar os fatos constitutivos do seu direito, que lhe é atribuído a norma processual (art. 333, inciso I, do Código de Processo Civil), pois é livre de qualquer dúvida que os atos administrativos gozam de presunção de veracidade. Os relatórios da autarquia enquadram-se na noção de atos administrativos enunciativos, e é cediço que tais atos ‘conforme ensinamento do Mestre Helly Lopes Meirelles, […] têm aptidão para possuir os atributos imanentes aos atos administrativos em geral’, pois, ‘para a incidência dos atributos,[…] a presunção de veracidade, é irrelevante a classificação ou espécie do ato administrativo demonstrado no documento público’ (REsp 1095153/DF, Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, julgado em 16/12/2008, DJe 19/12/2008).
Assim, cabia aos réus produzir provas de que os relatórios do IBAMA não seriam condizentes com a realidade, o que absolutamente não ocorreu neste processo, haja vista que eles se quedaram inertes quando intimados para especificação de provas.
Devem prevalecer, pois, no tocante aos fatos, as assertivas da autarquia federal voltada à proteção do meio ambiente, que, junto com a Associação Santuário Ecológico Rancho dos Gnomos (ASERG), entidade não-governamental, envidou esforços no sentido de remover animais e recintos do zoológico réu, em face da ausência de condições mínimas para sua sobrevivência naquele local, gerada pelo descaso com que seus administradores a conduziram.
Sobre as condições adversas enfrentadas pelos exemplares da fauna que eram mantidos no zoológico e sobre o infortúnio daqueles que vieram a óbito em função desse descaso, vale transcrever, em parte, os relatórios do IBAMA, a começar pelo Relatório n. 82/2011, que, além de mencionar o relatório anterior (n. 79, de setembro de 2011), em que já haviam sido apontadas ‘graves falhas de manejo, de capacidade técnica e de segurança, além de recintos inadequados, impeditivos à renovação da licença’ (evento 1, RELT6, dos autos eletrônicos n. 5001166-05.2012.404.7213, em apenso), esclarece sobre o lamentável episódio da fuga de um elefante:
INTRODUÇÃO
Aos 20 dias do mês de dezembro de 2011, às 13:31h, as técnicas do NUFAU Gabriela Breda e Elenice Zucuni Franco, que estavam em vistoria em Balneário Camboriú, foram advertidas pela equipe do Zoológico de Pomerode que, por volta das 13 horas, um (01) elefante do zoológico Cattoni Tur Park Hotel teria fugido do recinto e invadido a cidade.
2. SOBRE O ZOOLÓGICO CATTONI TUR
O zoológico teve licença de operação expirada em setembro de 2011, tendo sido vistoriado no mês de novembro. A vistoria detectou graves falhas de manejo, de capacidade técnica e de segurança, além de recintos inadequados, impeditivos à renovação da licença. Foi produzido o Relatório de nº 79/2011 – NUFAU/IBAMA/SC, o qual foi pessoalmente apresentado à equipe técnica do zoológico no dia 13/12/2011.
Foram interditados uma série de recintos, incluindo o dos elefantes, por falta de segurança e de bem estar aos animais. Constatou-se na vistoria a privação hídrica aos elefantes, a alimentação inadequada e a privação de espaço e limpeza. Tais animais foram colocados em disponibilidade para serem removidos por outras instituições, havendo interesse do Rio Zoo em receber as elefantas após a obra de adequação de recintos.
Cumpre ressaltar que os elefantes estão no zoológico em caráter de depósito, tendo sido manifestado pelo senhor Azodir Cattoni o interesse de recebê-los na ocasião, com o compromisso de oferecer estrutura segura e tratamento adequado.
O zoológico Cattoni Tur não apresenta nenhum plano de emergência para casos de fugas, sendo este um dos impeditivos verificados à renovação da licença. Anteriormente já foram registradas 02 fugas de pumas dos recintos, uma delas resultando no óbito do animal por leões e outra na recaptura. Inexistem técnicos capacitados para lidar com situações de risco no local.
3. SOBRE O EPISÓDIO DO DIA 20/12/2011
As analistas do NUFAU, após terem sido comunicadas do ocorrido pelo Zoológico de Pomerode, entraram em contato com a responsável técnica do zoológico Cattoni Tur, a bióloga Franciani Durda, a qual informou que o animal havia fugido do recinto, atravessado o centro da cidade e entrado no rio. Os técnicos do zoo teriam sido comunicados pelos moradores da presença do elefante no rio, pois ninguém percebera sua ausência nem a viu saindo do parque. A bióloga informou que os funcionários do zoo estavam monitorando o animal, mas que nenhuma medida havia sido adotada além de comunicar a Polícia Militar local, a qual estaria pronta para abater o animal.
A bióloga foi alertada de que nenhum policial militar teria treinamento para o abate do elefante, nem o veterinário responsável pelo zoológico tem conhecimento sobre anatomia de elefantes, e que certamente o tiro irritaria o animal, o qual se tornaria agressivo e colocaria a vida das pessoas em risco. A mesma informação foi repassada ao sub-tenente de Taió. A bióloga foi orientada a conter o animal com cercamento elétrico e/ou toras até a chegada da equipe de resgate, visto que nenhum profissional do zoológico Cattoni Tur tem capacidade técnica para manejar elefantes. Foi orientada a preparar a carreta para o transporte. Com orientação do zoológico de Pomerode, os técnicos conseguiram, após quase 03 horas, acorrentar o animal por uma das patas.
As analistas, após contato com o Coordenador Geral de Operações Roberto Cabral Borges, dirigiram-se ao local, solicitando apoio ao zoológico de Pomerode, o qual cedeu o biólogo Cláudio Maas e o tratador Juarez Vieira dos Santos para acompanhar o resgate, e ao Beto Carrero World, o qual cedeu o domador de elefantes Ruy Bartholo Junior e o tratador Aristeu Santos para conduzir a operação.
A equipe chegou a Salete por volta das 18 horas. O animal estava ainda acorrentado e a área estava parcialmente isolada por 02 policiais da Polícia Militar de Taió. Após a chegada da equipe em Salete, o IBAMA/Sede autorizou o deslocamento de mais duas equipes da Superintendência.
O domador Ruy Bartholo Junior amarrou outra pata do animal e conseguiu conduzi-lo à carreta com o uso de cordas e auxílio dos profissionais do zoo Pomerode e Beto carrero cedidos à operação. O animal obedeceu aos comandos do domador. A condução do animal à carreta foi tranquila, exceto pelo comportamento inadequado da Polícia Militar de manter o armamento apontado para o animal, expondo inclusive a equipe a risco.
A outra equipe do IBAMA chegou ao local por volta das 22 horas, quando a carreta já estava pronta para transportar o animal.
O animal foi transportado até o Zoológico do Beto Carrero, com escolta do IBAMA, onde recebe cuidados veterinários para posteriormente ser encaminhado ao Rio Zoo.
A elefante apresenta ferimentos na região da cabeça.
————————————–
No dia seguinte, as analistas do NUFAU, junto aos agentes ambientais federais Ricardo Pinheiro Lima e Paulo Cesar Zanon, retornaram a Salete para avaliar a fuga do animal do recinto.
Constatou-se que o animal, por ter se desequilibrado ou por ter sido empurrada por outra elefante, arrebetou o cercamento elétrico e caiu no fosso do recinto. O animal circulou livremente no fosso, o qual tem profundidade de menos de 2 metros e largura de 2 metros, o que não confere nenhuma segurança contra fugas. Com apoio das patas dianteiras, o animal saiu do fosso para o lado de fora do recinto sem nenhuma dificuldade, apoiando a tromba em uma mureta que rachou. Arrebentou o cordão de isolamento do público, circulou livremente dentro do zoológico sem ser percebida, saiu pelo portão principal do zoo e atravessou terrenos de moradores, quebrando muros e expondo a população a risco.
A fuga passou desapercebida em função de o zoológico não ter sistemas de alarme, vigilância, seguranças, monitoramento eletrônico nem portaria.
Uma das elefantes remanescentes apresentava ferimentos no dorso e na cabeça, sugerindo tentativa de fuga. O animal estava no cambiamento com comportamento bastante agitado. A alimentação fornecida continuava inadequada, sendo ofertada apenas cana. O cambiamento não se apresenta seguro, pois uma das barras de ferro já foi anteriormente entortada pelas elefantas, havendo risco iminente de outra fuga caso não sejam adotadas providências para reforço da segurança do recinto. Não há em Santa Catarina zoológicos aptos a receberem de imediato as duas elefantas remanescentes.
O zoológico foi, então, interditado e notificado a prover segurança aos animais até a sua remoção, além da dieta adequada e fornecimento de água.
Ressalta-se que o veterinário do zoológico, Jefferson Luiz Crema (CRMV 4478), informou que, em caso de novas fugas, indicaria o abate imediato dos animais, ao invés de elaborar um plano de emergência contra fugas, fato que reitera a urgência na remoção de todas as feras, elefantes e hipopótamos daquele empreendimento (evento 1, RELT5, dos autos eletrônicos n. 5001166-05.2012.404.7213, em apenso. Os grifos em negrito são do signatário).
Ou seja, o episódio do elefante revelou o despreparo dos réus tanto com relação à segurança (fosso de dimensões reduzidas e ausência de alarme, vigilância, seguranças, monitoramento eletrônico e portaria) quanto no que diz respeito às técnicas a serem utilizadas para a recaptura de animais.
Mas além do sério sofrimento a que o animal foi exposto e do risco de vida a que a população da cidade de Salete/SC foi submetida, muitas outras falhas, causadas pela inobservância das mais básicas orientações de cuidado dos animais, viriam a ser detectadas pela fiscalização ambiental. Do Relatório de Fiscalização n. 26/2012, elaborado no período de 26.03.2012 a 30.03.2012, constou:
O zoológico Cattoni Tur Park Hotel, estabelecimento particular de propriedade de Azodir Cattoni, teve sua licença de Operação expirada em setembro de 2011. Em novembro do mesmo ano, foi realizada vistoria técnica pelo Núcleo de Fauna (NUFAU/IBAMA/SC), na qual foram detectadas graves falhas de manejo, de capacidade técnica e de segurança, além de recintos inadequados e o não atendimento à IN 169/08. As irregularidades resultaram na interdição de vários recintos pela falta de segurança e bem estar aos animais e configuraram impeditivos à renovação da licença. Foi produzido Relatório nº 79/2011 – NUFAU/IBAMA/SC, apontando as falhas de manejo, de capacidade técnica e de segurança e bem estar aos animais e configuraram impeditivos à renovação da licença. Foi produzido Relatório Nº 79/2011 – HUFAU/IBAMA/SC, apontando as falhas detectadas e as medidas necessárias para adequação do empreendimento. O relatório foi apresentado pessoalmente à equipe técnica do zoológico no dia 13/12/2011.
O zoológico Cattoni Tur foi autuado devido à desatualização do livro de registros (Auto de Infração 714224/D), o qual apontava plantel composto por mais de 700 animais, enquanto que restavam no local, efetivamente, 214 animais. A taxa de mortalidade no empreendimento é superior a 75%, taxa inadmissível a empreendimento de uso e manejo de fauna silvestre. As causas de óbito relatadas são, em grande maioria, desnutrição, hipotermia e ataque por roedores, denunciando a completa incapacidade de manejo de animais silvestres no empreendimento. O zoológico não apresenta plano de emergência para casos de fugas. Já foram registradas 02 fugas de pumas dos recintos, uma delas resultando no óbito do animal por leões e outra na recaptura. Houve luta entre hipopótamos em um mesmo recinto, resultando em dois óbitos. Uma elefante-asiática fugiu do zoológico em 21 de dezembro de 2011, expondo a população da cidade e a integridade do animal a risco. Inexistem técnicos capacitados para lidar com situações de risco total.
Com a interdição completa do zoológico o dia 22 de dezembro de 2011, o empreendimento foi notificado (Notificação 556357/B) a prover segurança aos animais, dieta adequada e fornecimento de água até a sua remoção do local. A maioria dos animais integrantes do plantel do zoológico estão na condição de fiel depósito, tendo o zoológico manifestado o interesse voluntário de figurar como fiel depositário e arcar com as responsabilidades de tal condição.
Em janeiro de 2012, Azodir Cattoni solicitou o encerramento das atividades do zoológico. De acordo com a INS 169/08, Art. 24:
‘§ 1º No caso de encerramento da atividade do empreendimento, todos os animais deverão ser transferidos para jardim zoológico, mantenedor ou criadouro pelo IBAMA e esta transferência deverá ser às expensas do titular ou seus herdeiros, salvo acordo com o adquirente.
§ 2º O titular do empreendimento ou seus herdeiros são responsáveis pela adequada manutenção dos animais em cativeiro até a sua transferência.’
Uma vez que o plantel do empreendimento era composto por mais de duas centenas de animais – muitos de grande porte e exigentes de infra-estrutura complexa – e, ainda, que no estado de Santa Catarina não há zoológicos em número suficiente e/ou aptos ao recebimento imediato de todos os animais do zoológico Cattoni Tur, a destinação do plantel passou a se dar aos poucos, em conformidade com o mapeamento de depositários interessados e capacitados à sua manutenção.
A destinação, contudo, não tem ocorrido às expensas do titular do empreendimento, fato que tem atrasado e dificultado ainda mais a destinação dos animais.
Nova vistoria foi realizada em março de 2012 para constatação da situação de manutenção dos 125 animais ainda remanescentes no zoológico em desativação (Tabela 1). Outros 89 animais do plantel, em talo data, já haviam sido destinados pelo IBAMA a outros empreendimentos. Tal vistoria, além de se tratar de procedimento de rotina, fez-se necessária em virtude de denúncias de maus tratos aos animais remanescentes.
2. DA VISTORIA REALIZADA EM MARÇO DE 2012
Constatou-se:
2.1. A presença de 94 animais no zoológico e a ausência de 31 animais que deveriam estar no local (Tabela 1).
2.2. Que o Cattoni Tur Park Hotel encontra-se sem fornecimento de energia elétrica por falta de quitação das faturas.
[…]
2.3. O fornecimento de alimentação inadequação inadequada e insuficiente aos animais.
As 11 araras (Ara ararauna), os papagais (Amazona sp), os 02 quatis (Nasua nasua), os macacos-prego (Cebus sp), os 03 bugios (Alouatta sp) e as tartarugas (Trachemys sp) estavam recebendo apenas frutas, dieta insuficiente e prejudicial às espécies, as quais necessitam de suporte protéico e de outros nutrientes essenciais.
Os 02 lóris-de-Bornéo (Eos bornea) recebiam apenas mamão, enquanto que a espécie, a qual se alimenta exclusivamente de seiva da natureza, necessita de uma papa completa especificamente balanceada para manter-se saudável. Tais animais estavam alojados em uma gaiola nas dependências do hotel, em local frio e úmido e com correntes de ar, sem abrigos disponíveis e privados de luz solar.
Os 06 avestruzes (Struthio camelus) apresentavam sinais de carência nutricional, com penas quebradiças e opacas, e não estavam recebendo verduras nem ração apropriada, assim como as emas (Rhea americana).
Os carnívoros (leão, pumas, onças-pintadas, tigres-de-bengala, jaguatirica) que estavam sendo alimentados receberam apenas carcaças de frango e não havia indicativo do fornecimento de carne de outra origem. De acordo com a bióloga e responsável técnica Franciani Durda, estavam sendo ofertados 02 frangos para cada felino de grande porte a cada dois dias – quantidade absurdamente insuficiente, haja visto que os tigres, por exemplo, necessitariam de, no mínimo, 15 kg de carne no período. Os 02 tigres apresentavam-se excessivamente magros. Um deles apresentava fraqueza nos membros posteriores, não conseguindo manter-se em pé por período prolongado nem caminhar pelo recinto, permanecendo no mesmo local todo o tempo. Segundo a responsável técnica, o animal estaria rejeitando a carne de frango, e carne de outra origem não estaria sendo fornecida. Contudo, o animal mostrou-se faminto quando a equipe lhe ofertou 01 galinha viva como enriquecimento ambiental. Não foi vista a oferta de alimentação aos pumas no período.
As duas elefantas também se apresentavam excessivamente magras e, até que a equipe do Zoológico de São Paulo passasse a assumir sua alimentação, estavam recebendo exclusivamente capim, dieta incompleta e insatisfatória.
Não havia estoque de alimento no local. Na cozinha, havia uma (01) melancia, cerca de 15 goiabas pequenas e 02 dúzias de ovos.
2.4. Completa ausência de assistência veterinária.
Não havia veterinário no local nem contrato de prestação de assistência veterinária. Não havia medicamentos nem suplementos alimentares.
Um bugio (Alouata clamitans) apresentava avançado grau de infecção das vias aéreas, com secreção intensa e purulenta congestionando as vias nasais, apresentando respiração ruidosa. O animal não recebe nenhum tratamento, nem sequer dispõe de abrigo.
A fêmea de Panthera tigris, excessivamente magra e com fraqueza nos membros posteriores, não vinha recebendo tratamentos nem sendo assistida por profissional, assim como nenhum exame de diagnóstico foi realizado.
Um faisão se apresentava com a pata necrosada e inchada e movimentos comprometidos em decorrência de um ferimento não tratado.
Ressalta-se, ainda, que foi diagnosticado pelo Zoológico de São Paulo a presença do vírus da imunodeficiência felina (FIV) no leão, necessitando este animal de maior suporte nutricional e acompanhamento profissional continuado. Nunca foram feitos exames de profiláticos no plantel pelo empreendedor.
1.5. Completa falta de capacidade técnica de manutenção.
[…]
2.6. Ausência de tratadores e/ou equipe de suporte.
[…]
2.7. Ausência de segurança.
[…]
2.8. Higienização deficiente dos recintos.
[…]
2.9. Fornecimento de água deficiente aos macacos, puma, quati, jaguatirica.
[…]
3. DAS PROVIDÊNCIAS ADOTADAS
3.1. Sanções aplicadas ao empreendimento
Constatada a prática de maus tratos a pelo menos, 64 animais remanescentes no zoológico Cattoni Tur, devido PA sonegação de assistência veterinária, privação alimentar e hídrica, confinamento em ambiente insalubre, ausência de segurança, ausência de conforto e bem estar, entre outras (Tabela 1), lavrou-se o Auto de Infração 714361/D com base na Lei 9605/98 Art. 32, Art 70 e Art 72 II e IV e no Decreto 6514/08 Art. 3º II e IV e Art 29. Foi atribuído o valor de multa mínima por animal (R$ 500,00) até que se concluam os laudos quanto à capacidade de recuperação destes animais mediante o suporte alimentar que o autuado foi notificado a prover em 48 horas (Notificação 556362/B) […]
O empreendimento foi notificado a providenciar e comprovar assistência veterinária aos animais enfermos (Notificação 556362/B).
[…]
O empreendimento foi notificado (Notificação 556362/B) a adquirir alimentação adequada às espécies e ofertá-la na quantidade necessária em 48 horas, assim como providenciar assistência veterinária no mesmo prazo. A equipe se deslocará na semana seguinte ao local para verificar o atendimento integral à notificação.
[…]
(evento 1, PROCADM2. Os grifos em negrito são do signatário).
Já o Relatório de Fiscalização n. 27/2012, elaborado em referência à visita realizada pela equipe do IBAMA entre 02.04.2012 a 07.04.2012 (alguns dias depois da fiscalização que embasou o relatório acima transcrito), informa:
O zoológico Cattoni Tur Park Hotel, estabelecimento particular de propriedade de Azodir Cattoni, foi interditado em dezembro de 2011 devido à falta de segurança, ao manejo inadequado dos animais e à incapacidade técnica. O proprietário manifestou, em seguida, interesse na desativação do empreendimento e solicitou ao IBAMA a remoção de todos os animais do plantel a outros estabelecimentos. Desde dezembro de 2011, os animais estão sendo transferidos a outras instituições de uso e manejo de fauna silvestre.
Vistoria realizada entre os dias 26 e 30 de março de 2012 constatou a ausência de 29 animais que deveriam estar no local, sem a devida comprovação de destino legal; a interrupção do fornecimento de energia elétrica por falta de quitação das faturas, resultando no não funcionamento das cercas elétricas, na privação de aquecimento e na ausência de segurança; o fornecimento de alimentação inadequada e insuficiente aos animais; a completa ausência de assistência veterinária, havendo, inclusive, animais enfermos sem os devidos cuidados; a ausência de tratadores e/ou equipe de suporte; a ausência de segurança; a falta de higienização dos recintos; o fornecimento deficiente de água aos macacos, puma, quati, jaguatirica (Relatório de Fiscalização nº 26/2012 – NUFAU/DITEC/IBAMA/SC). O estabelecimento foi autuado por maus tratos a 64 animais (AI 714362/D) e notificado (Notificação 556362/B) a adquirir alimentação adequada às espécies e ofertá-la na quantidade requerida em 48 horas, assim como providenciar assistência veterinária no mesmo prazo.
Foi encaminhado à DBFLO orçamento para aquisição EMERGENCIAL de alimento (Memorando 062/2012/GABIN/SUPES/SC de 30 de março de 2012), visando o restabelecimento dos animais de modo a estarem aptos, em 30 dias, ao transporte a outras instituições.
O NUFAU/SC abriu contato com inúmeras instituições brasileiras de uso e manejo de fauna silvestre, visando agilizar o processo de identificação de destinatários aos animais. A Associação Santuário Ecológico Rancho dos Gnomos (ASERG), mantenedor de fauna silvestre localizado em São Paulo e dotada de corpo técnico capacitado, se propôs a vir ao local para compor equipe técnica juntamente com o IBAMA/SC, visando avaliar e prestar atendimento emergencial aos animais remanescentes com intuito de reabilitá-los para o transporte futuro.
2. DA VISTORIA REALIZADA ENTRE OS DIAS 02 E 07 DE ABRIL DE 2012
2.1. Com relação à Notificação 556362/B
Constatou-se o não-atendimento à notificação. Não houve prestação de assistência veterinária ao plantel, assim como os animais permaneciam recebendo dieta insuficiente em quantidade e qualidade. O tigre-de-bengala (Panthera tigris tigris), o qual já se mostrava bastante debilitado na semana anterior, apresentava quadro ainda mais grave, com sangramento intenso pelas vias aéreas e quase nenhuma locomoção. O animal estava ainda mais magro. Os recintos permaneciam sem nenhuma higienização.
[…]
Ressalta-se que o descumprimento da notificação, além de caracterizar desobediência à ordem legal e descumprimento das obrigações legais do fiel depositário, resultou no agravamento do quadro de maus tratos aos animais constatado na semana anterior. A gravidade do estado de saúde do tigre se agravou até ponto irreversível. Não foram adotadas providências para cessar o dano. Motivo pelo qual a infração foi considerada gravíssima. Considerando se tratar de empresa de porte médio, em conformidade com a IN 14/09, a multa atribuída foi de 60% da multa máxima prevista perfazendo R$ 600.000,00.
As fichas clínicas individuais dos animais foram apreendidas (TAD 626573/C), as quais comprovam que os últimos procedimentos veterinários ministrados, incluindo aqueles de rotina simples, como a vermifugação e eliminação de ectoparasitas, ocorreram em 2009. Também comprovam que a maioria do plantel sequer passou por avaliações veterinárias durante toda sua permanência no zoológico. Fato que deve ser comunicado ao Conselho Regional de Medicina Veterinária para averiguação da responsabilidade dos profissionais envolvidos.
2.2. Da assistência aos animais remenescentes
Constatada a completa falta de assistência aos animais pelo empreendimento, a equipe composta pelas analistas ambientais do NUFAU e pelos voluntários da ASERG organizou força-tarefa visando a reabilitação dos animais, incluindo:
2.2.1. Alimentação dos animais do plantel de acordo com suas necessidades.
A ASERG adquiriu frutas, verduras, folhas, sementes, nozes, carne bovina e vísceras, enquanto que o IBAMA forneceu rações animais formuladas especificamente (ração para primatas, avestruzes, psitacídeos e outras aves). A zootenista Elenice Franco (IBAMA) e a veterinária Kelli Spitaletti (ASERG) montaram cardápio balanceado para cada espécie e os animais, com privação nutricional prolongada, mostraram-se receptivos à alimentação. A cozinha foi organizada pelos voluntários da ASERG, incluindo toda a higienização do ambiente. Sem luz elétrica no empreendimento, os produtos perecíveis foram adquiridos diariamente.
2.2.2. Fornecimento de água potável aos macacos nas ilhas
As ilhas não dispõem de bebedouros e os macacos-prego são forçados a beber água do açude, o qual não tem filtros nem bombas funcionando e recebe esgoto in natura e efluentes da madeireira adjacente. Foram fornecidas diariamente em todas as ilhas dúzias de garrafas pet de 500ml com água mineral, com as tampas perfuradas para facilitar a ingestão e minimizar o desperdício. Os macacos, além de manterem-se hidratados, puderam desfrutar do enriquecimento ambiental.
2.2.3. Higienização dos recintos.
Os voluntários da ASERG compuseram mutirão para higienização de todos os recintos, fornecendo, inclusive, os produtos para desinfeccção. Os estrados dos grandes felinos foram higienizados e removidos, onde constatou-se que tal prática não vinha sendo desenvolvida ao longo de anos. Havia acúmulo de fezes, restos de alimentos em putrefação e colônias de insetos em desenvolvimento. Os cambiamentos foram inteiramente lavados e desinfectados e os animais receberam aromaterapia.
[…]
O tigre-siberiano (Panthera tigris tigris), que já se apresentava demasiadamente magro na semana anterior e com dificuldades locomotoras inerentes à sua debilidade, apresentou agravamento do quadro,passando a apresentar intenso sangramento pelas narinas e incapacidade locomotora agravada. O animal foi alimentado nos primeiros dias, mostrando-se faminto, reiterando seu estado de abandono e fome. Na quinta-feira pela manhã, o animal, que estava em agonia, foi sedado para procedimento de diagnóstico em ação coordenada pelo anestesista veterinário […]. O animal apresentava-se desnutrido, anêmico e com miíases ativas na região abdominal. Foram coletadas amostras de sangue para exames laboratoriais. O hemograma mostrou alterações discretas. O animal foi medicado com antibioticoterapia, mas seu quadro permaneceu grave. Ao final da noite, foi realizada a eutanásia, uma vez que o animal permanecia agonizante e sem condições físicas de melhora. O corpo foi encaminhado à UDESC/LAGES para realização de necropsia. Aguarda-se os resultados dos exames de patologia.
3. DAS PROVIDÊNCIAS A SEREM ADOTADAS
Considerando que os maus tratos praticados aos animais resultaram no óbito de uma Panthera tigris;
Considerando que o não atendimento à Notificação 556362/B culminou no agravamento do estado de saúde dos animais;
Considerando que as fichas clínicas apreendidas comprovam a sonegação de assistência veterinária ao plantel, mesmo antes do abandono do empreendimento pelo proprietário;
A multa por maus-tratos deverá ser majorada pela autoridade julgadora, assim como o CRMV/SC e o CRBIO3 deverão ser comunicados dos fatos para averiguação da co-responsabilidade do médico veterinário e da bióloga responsável técnica pelo empreendimento.
[…] (evento 1, PROCADM8. Os grifos em negrito são do signatário).
Assim, os relatórios do IBAMA demonstram que os réus, furtando-se de providenciar cuidados básicos como higienização dos ambientes do zoológico em que os animais eram mantidos, submeteram-nos a um lamentável estado de desamparo, caracterizador inclusive de maus tratos, o que teve como conseqüência inúmeros e severos males aos espécimes, como desnutrição e doenças, com um elevadíssimo percentual de óbitos. Como constou do Relatório n. 26/2012, dos 700 animais que, de acordo com os registros, deveriam estar no zoológico, restavam no local efetivamente 214 animais (taxa de mortalidade de 75%, tida como inadmissível a empreendimento de uso e manejo de fauna silvestre pelos fiscais do IBAMA).
Tanto é assim que, de acordo com o Relatório n. 26/2012, as mortes, em sua maioria, tiveram causas banais, como ‘desnutrição, hipotermia e ataque por roedores, denunciando a completa incapacidade de manejo de animais silvestres no empreendimento’ (evento 1, PROCADM2).
Um dos vários exemplos desse descaso mencionados nos relatórios (e não convém repetir todos nesta fundamentação) é a situação dos grandes felinos existentes no local: de acordo com o Relatório n. 27/2012, a higienização dos estrados em que eles se alojavam não vinha sendo desenvolvida ao longo de anos, havendo ‘acúmulo de fezes, restos de alimentos em putrefação e colônias de insetos em desenvolvimento’ (evento 1, PROCADM8).
E, como se infere desse mesmo Relatório n. 27/2012, oportunizada pela autarquia aos réus a correção das irregularidades apontadas – e os dois primeiros relatórios transcritos não deixam dúvidas de que houve a efetiva notificação da empresa, por intermédio da equipe técnica do zoológico, ao contrário do alegado na contestação -, não houve atendimento, ainda que mínimo, às solicitações do órgão fiscalizador, tendo ainda se agravado o quadro de saúde dos exemplares existentes no zoológico, inclusive com o óbito do tigre desnutrido, não obstante os esforços da autarquia ambiental e dos voluntários da ASERG.
Não há dúvida, assim, de que os réus – que nesta demanda limitaram-se a alegar, sem esboçar nem mesmo um início de prova, que as afirmações do IBAMA não seriam verdadeiras -, seja por eventuais dificuldades financeiras, seja por desleixo (em, em se tratando de dano ambiental, em que a responsabilidade é objetiva, não cabe aqui perquirir o motivo da conduta ilícita) efetivamente causaram grave dano à fauna e, portanto, tem a obrigação de repará-lo.
Acerca da efetiva proteção conferida pelo ordenamento jurídico ao meio ambiente e a conseqüente ilicitude da inobservância aos preceitos que positivam essa proteção, cabe lembrar que é a própria Constituição da República que trata o meio ambiente (no que sem dúvida se incluem os animais) como um bem essencial à sadia qualidade de vida, um direito fundamental dos brasileiros. Veja-se a redação do art. 225 da Lei Maior:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º – Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I – preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
II – preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;
III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
V – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
VI – promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade;
§ 2º – Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.
§ 3º – As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
§ 4º – A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.
§ 5º – São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais.
§ 6º – As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas.
A respeito desse tema, já é clássica a lição do Supremo Tribunal Federal no sentido de que:
O direito à integridade do meio ambiente – típico direito de terceira geração – constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas, num sentido verdadeiramente mais abrangente, à própria coletividade social. Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade.’ (MS 22.164, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 30-10-1995, Plenário, DJ de17-11-1995.) No mesmo sentido: RE 134.297, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 13-6-1995, Primeira Turma, DJ de 22-9-1995.
Assim, para além do discurso – que a meu ver encerra apreciação acertada – de que a conduta de infligir maus tratos aos animais não é consentânea com a ordem natural das coisas, com o que é intuitivo e razoável, com o que no mais das vezes se define como os ‘direitos dos animais’, é fato que é direito fundamental de terceira geração dos cidadãos brasileiros – um direito coletivo, portanto – o de que aos animais, sejam os exemplares da fauna brasileira sejam as espécies exóticas aqui abrigadas, seja conferido tratamento digno, que não implique maus tratos, sobretudo àqueles que estão confinados para servir aos anseios de contemplação e diversão das pessoas. Ou seja, se alguém, por diletantismo ou pelo legítimo interesse em lucrar com a exposição ao público de animais, resolve lançar-mão de um empreendimento como um zoológico, deve assumir o risco de cuidar do bem-estar dos exemplares da fauna que estarão sob seus cuidados, sob pena de responder perante a coletividade pelo sofrimento que sua eventual falta de zelo implicará aos espécimes e, de maneira reflexa, à coletividade.
É o que se infere, aliás, da Lei n. 6.938/81, que trata da Política Nacional do Meio Ambiente, cujo art. 4º estabelece:
Art. 4º. A Política Nacional do Meio Ambiente visará:
[…]
VII – à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou
indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de
recursos ambientais com fins econômicos.
[…]
Art. 14. Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não-cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores:
[…]
§ 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.
E essa responsabilidade, nos termos do art. 14, § 1º, da mesma Lei n. 6.938/81 e do também transcrito § 3º do art. 225 da Constituição, tem caráter objetivo, vale dizer, independe de ter sido apurada a culpa do empreendedor. Bastam, pois, a conduta e o nexo de causalidade para que exista a obrigação de indenizar. A esse respeito, o Superior Tribunal de Justiça, entre inúmeros outros precedentes, registrando a adoção da teoria do risco integral pelo ordenamento jurídico brasileiro em se tratando de dano ao meio ambiente, assentou:
PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO E CONTRADIÇÃO. INEXISTÊNCIA. EFEITOS INFRINGENTES. IMPOSSIBILIDADE. JUNTADA DO VOTO VENCEDOR. DESNECESSIDADE. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. NÃO OCORRÊNCIA DE OMISSÃO. DANO AMBIENTAL. ROMPIMENTO DO POLIDUTO ‘OLAPA’. TEORIA DO RISCO INTEGRAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA PETROBRAS. DANOS EXTRAPATRIMONIAIS CONFIGURADOS. PROIBIÇÃO DA ATIVIDADE PESQUEIRA. APLICABILIDADE, AO CASO, DAS TESES DE DIREITO FIRMADAS NO RESP 1.114.398/PR (JULGADO PELO RITO DO ART. 543-C DO CPC). INEXISTÊNCIA DE CONTRADIÇÃO.
1. O STJ sedimentou entendimento de que não há obrigatoriedade de publicação do voto divergente em hipóteses nas quais não sejam admitidos embargos infringentes, mesmo porque tal lacuna não causa quaisquer prejuízos à parte recorrente.
2. No caso, a premissa vencedora do acórdão é a de que a responsabilidade por dano ambiental é objetiva, informada pela teoria do risco integral, tendo por pressuposto a existência de atividade que implique riscos para a saúde e para o meio ambiente, sendo o nexo de causalidade o fator aglutinante que permite que o risco se integre na unidade do ato que é fonte da obrigação de indenizar, de modo que, aquele que explora a atividade econômica coloca-se na posição de garantidor da preservação ambiental, e os danos que digam respeito à atividade estarão sempre vinculados a ela, por isso descabe a invocação, pelo responsável pelo dano ambiental, de excludentes de responsabilidade civil e, portante, irrelevante a discussão acerca da ausência de responsabilidade por culpa exclusiva de terceiro ou pela ocorrência de força maior.
3. Embargos de declaração rejeitados, com imposição de multa de 1% sobre o valor da causa.
(EDcl no REsp 1346430/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 05/02/2013, DJe 14/02/2013)
Sobre a questão dos maus tratos que os atos (ou descaso) dos réus acabou por infligir aos animais que estavam sob seus cuidados, não pode passar despercebido que se trata de conduta que, tamanha é sua inadequação aos anseios da coletividade, está tipificada como crime na Lei n. 9.605/1998, cujo art. 35 estabelece:
Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres,
domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:
Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.
§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em
animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.
§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.
[…].
Desse contexto fático e normativo, infere-se que o ilícito praticado pelos réus em detrimento do meio ambiente deve ser considerado sério para fins de quantificação do dano ambiental, haja os inúmeros sofrimentos experimentados pelos exemplares que ainda se encontravam no zoológico quando das fiscalizações do IBAMA (conforme os relatórios acima transcritos) e o já mencionado elevadíssimo percentual de mortalidade identificado pela autarquia federal.
E, diante desse quadro, a circunstância de que eventualmente um ou outro animal já padecia de doença quando confiado aos cuidados dos réus (como no caso do tigre infectado com o vírus da imunodeficiência felina) não os exonera, de forma alguma, da responsabilidade ora apurada, justamente porque ficou demonstrado que, independentemente de alguma situação anterior, o tratamento dispensado aos bichos pelo zoológico não atendeu, em muitos casos, aos padrões mínimos de higiene, limpeza, acomodações, alimentação e acompanhamento veterinário.
Do quantum da indenização
A indenização do dano moral ambiental, como é sabido, é de difícil quantificação. De todo modo, a sanção de natureza civil é necessária e está prevista no ordenamento jurídico, de sorte que cabe ao julgador, com base nos princípios que informam a atividade jurisdicional, fixar numerário que esteja em conformidade com os direcionamentos que a norma que dispõe sobre a obrigação de indenizar estabelece, ainda que vagos. Sobre o assunto, José Rubens Morato Leite, Jailson José de Melo, Luciana Cardoso Pilati e Woldemar Jamundá lecionam:
Seja qual for o método adotado para a quantificação do dano, deve-se sempre ter em vista os princípios da recuperação, prevenção, precaução, responsabilidade, poluidor-pagador, assim como a proporcionalidade e a razoabilidade que em cada caso concreto orientaram os avaliadores para determinar uma quantia que corresponda aos valores da justiça (Disponível em http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1407).
Dos princípios listados no excerto transcrito, parece-me que merecem especial ênfase recuperação do meio ambienta, a responsabilidade de quem empreende valendo-se dos recursos naturais e o princípio do poluidor- pagador. E não se pode olvidar, é claro, os vetores comumente utilizados no arbitramento de indenizações, como a gravidade do dano, o potencial econômico de seu causador e o aspecto punitivo da indenização. Acerca deste, salta aos olhos que, em matéria ambiental, esse aspecto punitivo consubstancia o princípio da prevenção, pois a ideia da punição é justamente a de evitar que novas afrontas ao bem jurídico protegido aconteçam.
Nesse particular, merecem registro, ademais, as ponderações da doutrinadora Annelise Monteiro Steigleder citadas na inicial (Responsabilidade Civil Ambiental – As dimensões do Dano Ambiental no Direito Brasileiro, Editora Livraria do Advogado, 2004, pp. 177-179), especialmente as de que a responsabilidade civil, quando vista sob o prisma constitucional (e não há dúvida de que assim deve ser amparada, dado o papel seminal da Carta Política, sobretudo em um contexto legal muitas vezes desencontrado, em que a pletora legislativa nem sempre dá um direcionamento seguro), deve ter por finalidade o bem social e a dignidade da pessoa humana. E a partir dessa visão supera-se o individualismo no seio das relações econômicas, para que o interesse público ambiental prevaleça sobre o privado, sem que se desborde dos limites da razoabilidade.
Diante desse quadro, entendo que o valor a ser pago pelos réus a título de indenização pelos danos que causaram à fauna deve ser fixada no valor de R$ 60.000,00.
Essa importância, como requerido na inicial, deve ser destinada ‘a um Projeto ambiental dirigido ao aprimoramento do manejo e da fiscalização dos recursos faunísticos, a ser definido/especificado pela Divisão de Fauna da Superintendência do IBAMA no Estado de Santa Catarina, na fase de execução da decisão condenatória’ (evento 1, INIC1), providência que melhor atende ao escopo da norma jurídica que é sem dúvida o de que a reparação seja in natura, ou seja, de que seja o mais próximo possível da reposição ao meio ambiente daqueles bens, daqueles exemplares que dele foram danificados ou suprimidos.
Por outro lado, no tocante aos danos materiais, entendo que o feito deve ser extinto sem resolução do mérito, já que esses danos sequer foram indicados na inicial, e muito menos houve a comprovação do valor despendido com a alimentação, o tratamento e o manejo dos animais. A rigor, a exordial está voltada para a questão dos danos morais ambientais, e não para os valores despendidos.
Assim, se entender pertinente a cobrança dos alegados danos materiais, caberá à autarquia manejar ação própria para tanto, indicando as respectivas importâncias. Neste processo, faltam pressupostos para a apreciação de tal questão.
Efetivamente, no que tange à tese de ilegitimidade passiva, deve ser identificado que os sócios são os responsáveis pela condução do empreendimento e beneficiados pelos respectivos lucros, cabendo a sua inclusão no polo passivo da lide, conforme prevê o art. 3º das Leis nº 9.605/98 e nº 6.938/81.
De outro lado, conforme percuciente análise procedida pelo magistrado singular, o farto acervo probatório demonstra que os animais foram expostos a inúmeras práticas de crueldade e maus tratos, evidenciando o descaso dos apelantes na assistência aos animais sob sua guarda.
Cabível, portanto, a aplicação de indenização pelo dano ambiental praticado, mostrando-se adequada, sob o viés da proporcionalidade e da razoabilidade, a mensuração efetuada pelo Juízoa quo, que fixou o montante de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais).
A decisão combatida encontra-se em consonância com o entendimento adotado por este Tribunal, conforme se verifica, exemplificativamente, pela seguinte ementa:
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MAUS-TRATOS AOS ANIMAIS. RESPONSABILIDADE CIVIL POR OMISSÃO. CONDENAÇÃO. MEDIDAS COMPLEMENTARES E ALTERNATIVAS NECESSÁRIAS AO FIEL CUMPRIMENTO DA SENTENÇA. JULGAMENTO EXTRA PETITA. INOCORRÊNCIA. 1. A responsabilidade civil do Estado por omissão, aplica-se a teoria da falta do serviço, exigindo-se comprovação de que o serviço não funcionou, funcionou mal ou funcionou em atraso. 2. Se o IBAMA, autarquia à qual incumbe a fiscalização ambiental e que tinha o dever de agir e impedir a perpetração dos maus-tratos, demorou cerca de dois meses para agir, mesmo diante dos fatos que demonstravam o tratamento cruel dispensado aos animais, a omissão restou demonstrada. 3. Não há falar em sentença extra petita quando há pedido expresso da divulgação, por um ano, de um texto no início de todos os espetáculos do Circo. 4. O quantum fixado (R$ 50.000,00) a título de indenização pelos maus tratos mostra-se adequado à gravidade da conduta praticada e ao número de animais que sofreram com conduta irregular do Circo. 5. Não se configura o julgamento extra petita, quando a decisão, ao acolher o pedido formulado na inicial, especifica medidas complementares e alternativas necessárias ao fiel cumprimento da sentença. (TRF4, APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5003718-57.2013.404.7002, 4ª TURMA, Juiz Federal LORACI FLORES DE LIMA, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 25/02/2015)
Nesse diapasão, verifica-se que a decisão proferida pelo Juízo a quo não merece qualquer reproche, devendo ser mantida, em todos os seus termos.
Em face do disposto nas súmulas n.ºs 282 e 356 do STF e 98 do STJ, e a fim de viabilizar o acesso às instâncias superiores, explicito que a decisão não contraria nem nega vigência às disposições legais/constitucionais prequestionadas pelas partes.
Ante o exposto, voto por negar provimento às apelações.
É o voto.
Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
Relatora
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5002231-35.2012.4.04.7213/SC
RELATORA
:
Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
APELANTE
:
AZODIR CATTONI
:
CATTONI TUR PARK HOTEL SALETE LTDA
:
MARCELO AZODIR CATTONI
ADVOGADO
:
Marco Aurélio Bertoli
:
GILBERTO JOSÉ CARLINI
APELADO
:
INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS – IBAMA
MPF
:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MAUS TRATOS AOS ANIMAIS. LEGITIMIDADE PASSIVA DOS SÓCIOS. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS COLETIVOS. CARACTERIZAÇÃO. QUANTUM ADEQUADO.
1. Os sócios são os responsáveis pela condução do empreendimento e beneficiados pelos respectivos lucros, cabendo a sua inclusão no polo passivo da lide, conforme prevê o art. 3º das Leis nº 9.605/98 e nº 6.938/81.
2. O farto acervo probatório demonstra que os animais foram expostos a inúmeras práticas de crueldade e maus tratos, evidenciando o descaso dos apelantes na assistência aos animais sob sua guarda.
3. Por conseqüência, cabível a condenação ao pagamento de indenização pelo dano ambiental praticado, mostrando-se o quantum fixado (R$ 60.000,00) adequado à gravidade da conduta praticada e ao número de animais que sofreram com conduta irregular dos responsáveis pelo zoológico demandado.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento às apelações, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 22 de março de 2016.
Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
Relatora

Documento eletrônico assinado por Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8143669v5 e, se solicitado, do código CRC 7E574E59.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): Vivian Josete Pantaleão Caminha
Data e Hora: 23/03/2016 15:34

 

 

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