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Reparação integral de área contaminada não pode gerar arbitrariedades

Conheça o acórdão da 1a Câmara Reservada ao Meio Ambiente do Tribunal de Justiça de São Paulo que, mantendo a validade de lei estadual paulista da Resolução do Conama nº 420/2009, aduz que os parâmetros normativos fixados para a recuperação de área degradada são suficientes, ainda que eventualmente não recuperem integralmente a respectiva área.


Nota de DireitoAmbiental.com:

Em se tratando de danos ambientais sobre áreas contaminadas (passivo ambiental), o Brasil ainda não definiu um modelo adequado a seguir. Muitos entendem que a reparação deve se dar integralmente, transformando o local afetado ao seu estado anterior à intervenção poluente.

Entretanto, no direito americano, se utiliza metodologia que analisa o destino do imóvel para identificar o grau de intervenção para fins de descontaminação. Dito de outra forma, se um terreno contaminado vai ser utilizado para moradia, deve ser “limpo” de forma mais eficaz do que se esse imóvel fosse utilizado para, p.ex., depósito de resíduos em local afastado, ou mesmo atividade industrial. Ou seja, há uma variável, ainda incipiente no Brasil, que é considerar o uso do imóvel contaminado em relação ao seu efetivo risco à saúde humana, para, a partir de então, definir o grau de intervenção e até mesmo a real necessidade de “limpeza” do mesmo.

Em se tratando de indenização pelo dano ambiental cometido, alguns precedentes jurisprudenciais já reconhecem que “se o bem ambiental lesado for imediata e completamente restaurado, isto é, restabelecido à condição original, não há falar, como regra, em indenização” (REsp 1.328.753-MG). Sem adentrar nas obrigações de fazer e de indenizar, a questão posta restringe-se, então, em saber o que é essa “reparação integral”. Por exemplo, o aterro da praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, deve ser retirado para que a natureza seja “restabelecida à condição original”. Evidente que não! Exemplos não faltam e o que precisamos é de interpretações que considerem, de forma razoável e proporcional, a aplicação do princípio da tolerabilidade para distinguir situações de efetivo dano ambiental daquelas de baixo impacto, ainda que poluentes, que podem continuar a existir mediante exigências, como o monitoramento permanente. Esse monitoramento conduz os operadores do direito ambiental, em especial ao advogado atuante na área, à prudente análise, caso a caso, de ponderação de alternativas, onde a recuperação integral não necessariamente mostra-se necessária, quiçá sustentável.

No julgado ora analisado, a empresa ré nem mesmo foi a responsável pelo dano, mas assumiu o passivo ambiental quando da aquisição do terreno. Bem aborda a questão o órgão julgador ao abordar que a reparação integral da área, pela lei, não é exigida, afastando o argumento do Ministério Público de que “tão somente a remediação afronta o princípio da reparação integral do meio ambiente”. A atividade de posto de combustível é potencialmente poluidora e a decisão do TJSP lança luzes sobre o tema de forma adequada, s.m.j..

Por fim, cabe destacar do bem lançado voto:

‘O exercício do dever de agir não deve levar em consideração apenas o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado ou da reparação integral. Também deve ser considerado o desenvolvimento sustentável, o direito de propriedade e as normas urbanísticas que permitem a ocupação do solo.

Se partirmos do extremismo, toda ocupação humana causa impacto ambiental. Por isso a necessidade de atuação estatal, quer por meio da normatização, quer por meio do exercício de poder de polícia, em consonância com a razoabilidade e proporcionalidade’. Parabéns ao Des. Dr. Ruy Alberto Leme Cavalheiro.

Por Maurício Fernandes, Mestre em Direito Ambiental, sócio do escritório Maurício Fernandes Advocacia Ambiental.


Confira a íntegra da decisão:

 

VOTO No: 28216

Apelação no 1032789-75.2013.8.26.0100

Apelante: Hesa 74 Investimentos Imobiliários S/A

Apelado: ‘MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

Comarca: São Paulo

MAGISTRADA DE PRIMEIRO GRAU: Dr. Anna Paula Dias da Costa

 

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. Contaminação de solo e remediação. A reparação integral da área e do meio ambiente ecologicamente equilibrado, quando em desacordo com os demais princípios e com os valores comunitários, pode gerar arbitrariedades que não devem ser permitidas. Ante a proibição de excesso e proibição de  insuficiência, surgem para o legislador ordinário possibilidades de variação em aberto. Em ponderação aos deveres e direitos fundamentais, a tutela posta na Lei Estadual no 13.577/2009 e na Resolução CONAMA nº 42/2009, que impõem parâmetros para a remedição da área, mostra-se proporcional e não ofende a Constituição. Dá-se provimento ao apelo para julgar improcedente a ação civil pública.

Trata-se de apelação interposta contra sentença de fls. 601/609 que julgou procedente a ação civil pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO

DE SÃO PAULO em face de HESA 74 – INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, condenando a ré : I) na obrigação de fazer, consistente em apresentar à CETESB, em até 60 dias, novas avaliações de riscos; a investigação detalhada conforme diretrizes estabelecidas no Manual de Gerenciamento de Áreas Contaminadas do citado órgão ambiental, notadamente em relação à identificação exata das plumas de contaminação (horizontal e vertical); plano de intervenção que considere todos esses dados, em especial as avaliações de riscos à saúde humana e ao meio ambiente (ecotoxicológica), e com o estabelecimento dos valores de referência de qualidade (VRQs) como metas a atingir; II) na obrigação de fazer, consistente em executar o novo plano de intervenção, conforme descrito no capítulo anterior, adotando as melhores técnicas existentes a fim de obter a reparação integral do meio ambiente – solo, subsolo e águas subterrâneas – afetados pelas contaminações na área objeto desta ACP e de seu entorno, se necessário, que deverá ser in natura e in situ, restituindo-lhes, integralmente, o equilíbrio ecológico – funções e serviços ecossistêmicos – garantido constitucionalmente e colocado à disposição das presentes e futuras gerações, ou, no mínimo, até que se atinja os valores de referência de qualidade da CETESB, a ser executada in natura e in situ, sob pena de multa de R$10.000,00 por dia; III) na obrigação de fazer, consistente no cumprimento de todas as determinações e nos prazos estabelecidos pela CETESB quanto às complementações ou alterações eventualmente necessárias nos estudos e projetos a ela apresentados, a fim de obter a reparação integral do meio ambiente – solo, subsolo e águas subterrâneas – afetados pela contaminação, restituindo-lhes integralmente o equilíbrio ecológico – funções e serviços ecossistêmicos, sob pena de cominação de multa diária no valor de R$10.000,00 por dia ; IV) na obrigação de fazer, consistente em prestar compensação ambiental pelos danos irreversíveis, a serem apurados em liquidação de sentença, decorrentes da contaminação na área objeto desta ação civil pública. Nesse caso a compensação deverá ser preferencialmente por equivalente ecológico a ser implantada na mesma microrregião do dano – in natura e ex situ. Na impossibilidade técnica de prestar a compensação por equivalente ecológico, deverá ser por compensação ecológica e in natura, a ser implantada na mesma microrregião do dano, a fim de melhorar sua qualidade ambiental. Ainda, na impossibilidade desta, os danos irreversíveis deverão ser indenizados monetariamente, mediante valoração dos danos ambientais a serem apurados em liquidação de sentença; V) na obrigação de fazer, consistente em prestar compensação ambiental pelos danos ambientais interinos, considerados estes como sendo as perdas de qualidade ambiental havidas no interregno entre a ocorrência do prejuízo e a efetiva recomposição do meio ambiente degradado, a ser apurada em liquidação de sentença.

Nas razões de apelo a fls. 619/652, a ré sustenta a carência da ação pela falta de interesse de agir; que a demanda não tem qualquer finalidade útil; que a inicial é inepta e há a impossibilidade jurídica dos pedidos.

No mérito, defende a inexistência de inconstitucionalidade da Resolução CONAMA no 420/2009 e da Lei Estadual no 13.577/2009; que já cumpriu todas as obrigações determinadas pelo órgão fiscalizador e agiu em regular exercício do direito; que a competência para avaliar a necessidade de compensação ambiental cabe aos órgãos ambientais.

Afirma a existência de contrariedade na sentença, posto que a CETESB não determinou a reparação integral; que a interpretação dada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO acerca da prevalência do princípio ambiental da reparação integral é arbitrária; que as técnicas para a realização das fundações da edificação não alcançará a água subterrânea.

Quanto às multas arbitradas, pugna pelo arbitramento em patamar razoável, que sejam limitadas e aplicadas somente o decurso de prazo para o cumprimento da obrigação.

O Ministério Público do Estado de São Paulo apresentou as contrarrazões de apelo (fls. 661/680). A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento (fls. 685/696).

É O RELATÓRIO.

 

Consta dos autos que a apelada adquiriu em 04 de abril de 2012, vários imóveis, estando entre eles o localizado na Rua João Moura, 760, nesta Comarca, onde outrora funcionara o Auto Posto Lub Lav Ltda.

Ajuizada a ação civil pública, foi extinto o processo sem julgamento de mérito (fls. 139/141). O Ministério Público apelou alegando a insuficiência da remediação autorizada pela Lei no 13.577/2009 e Resolução CONAMA no 42/2009, afirmando a inconstitucionalidade dos dispositivos que permitem apenas a remediação do local e não a integral descontaminação do solo.

Conforme o V. Acórdão de fls. 178/186, foi afastada a extinção da ação e concedida liminar para que a CETESB notificasse a Prefeitura Municipal acerca da contaminação e de eventual remediação da área, bem como para que a ré procedesse a averbação da informação de contaminação da área junto à matrícula do imóvel e comunicasse à Prefeitura Municipal, nos autos de processo administrativo, acerca da contaminação e de eventual remediação.

Os autos retornaram à Vara de Origem onde teve prosseguimento, com a prolação da sentença impugnada.

Denota-se dos autos que a requerida assumiu o passivo ambiental quando da aquisição do terreno, conforme se depreende da escritura de venda e compra de fls. 254/259. Pelo mesmo documento, a requerida indica a destinação do imóvel para a construção de edificação em condomínio vertical.

A recorrente adotou todas as medidas cabíveis para a remediação da área, como estipulado pela CETESB. Nesse sentido esclarece o ofício de fls. 521/535 e 537/552. Considerando-se a Resolução CONAMA no 450/2009, a Lei Estadual no 13.577/2009 e o Decreto Estadual no 59.263/2013, a área foi perfeitamente remediada.

O inconformismo da apelante se dá com relação à reparação integral da área, que pela lei não é exigida. O MINISTÉRIO PÚBLICO, por outro lado, afirma que autorizar tão somente a remediação afronta o princípio da reparação integral do meio ambiente.

Pois bem. As preliminares possuem estrita ligação com o mérito. Assim, passo a análise meritória.

É certo que o artigo 225 da Constituição Federal prevê o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e, com fulcro no § 1o do artigo 14 da Lei no 6.938/81, o poluidor é obrigado a reparar os danos causados ao meio ambiente.

Contudo, não se mostra razoável exigir a adoção de solução técnica distinta daquela imposta pelo órgão ambiental, notadamente sem a declaração de inconstitucionalidade da Lei Estadual no 13.577/09 e do Decreto no 59.263/2013.

Há de se convir que existe um dever do Estado em agir para proteger o meio ambiente. Embora seja certa a vedação de tutela insuficiente do meio ambiente, por outro lado, há a proibição de intervenção excessiva.

O exercício do dever de agir não deve levar em consideração apenas o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado ou da reparação integral. Também deve ser considerado o desenvolvimento sustentável, o direito de propriedade e as normas urbanísticas que permitem a ocupação do solo.

Se partirmos do extremismo, toda ocupação humana causa impacto ambiental. Por isso a necessidade de atuação estatal, quer por meio da normatização, quer por meio do exercício de poder de polícia, em consonância com a razoabilidade e proporcionalidade.

A defesa do direito à reparação integral e do meio ambiente ecologicamente equilibrado, quando em desacordo com os demais princípios e com os valores comunitários, pode gerar arbitrariedades que não devem ser permitidas. Nesse sentido ensinam os doutrinadores Ingo Wolfgang Sarlet e Tiago Fensterseifer:

Considerando que os deveres fundamentais implicam, consoante já frisado, limites e restrições aos direitos fundamentais, importa ressaltar, ainda na esfera dos chamados “limites dos limites”, a importância do já referido princípio da proporcionalidade, cujas exigências devem ser observadas (respeitadas as distinções entre a dimensão defensiva e prestacional dos direitos fundamentais). Nesse cenário, reforçando as considerações já tecidas, os deveres fundamentais, quando de sua concretização legal, devem respeitar, a proporção meio-fim (ou justa medida), tanto o conteúdo essencial do valor que constitui cada direito, liberdade e garantia ou de outros valores constitucionais, quanto afetar esses mesmos valores o menos possível e na medida justa. Aliás, outro não é o entendimento de Pereira da Silva, ao ponderar que, no domínio do Direito de Ambiente, “vão surgir assim, com grande frequência, fenômenos de ‘colisão de direitos’, tanto ‘entre vários titulares de direitos fundamentais’ como ‘entre direitos fundamentais e bens jurídicos da comunidade e do Estado’. Os quais deverão ser resolvidos de acordo com um ‘método de concordância prática’, ‘que impõe a ponderação de todos os valores constitucionais aplicáveis, para que não ignore algum deles, para que a Constituição (…) seja preservada na maior medida possível”. Em outras palavras, pode-se dizer que os deveres fundamentais, na medida que impõem limites aos direitos fundamentais, configuram-se como espécie de antídoto contra eventuais arbitrariedades que o próprio exercício dos direitos fundamentais pode originar quando se colocar em desacordo com os valores comunitários.[1]

Assevero ainda que, ante a proibição de excesso e a proibição de insuficiência, surgem para o legislador ordinário possibilidades de variação em aberto e somente se houver manifesta insuficiência da proteção é que há inconstitucionalidade.

No caso em tela, ponderando-se os deveres e os direitos fundamentais, bem como a proibição do excesso e da insuficiência, mostra-se proporcional e não ofende a Constituição a tutela prevista na Lei Estadual no 13.577/2009 e Resolução CONAMA no 42/2009 que impõe parâmetros para a remediação da área contaminada.

Como já posto, a recorrente vem cumprindo as determinações da CETESB para a remediação da área. Dessa forma, poderá dar a destinação proposta ao terreno, desde que cumpridas todas as demais regras atinentes ao uso e ocupação do solo.

Apesar da precariedade da medida liminar, não se vislumbra a necessidade de reiteração das medidas inicialmente deferidas ante a natureza satisfativa, bem como por ter se atingido o objetivo de cumprir as disposições dos artigos 24 e 27 da Lei Estadual no 13.577/2009, dando-se a publicidade necessária, a fim de resguardar direitos de terceiros.

Assim, a ação civil deve ser julgada improcedente. Deixo de condenar o autor ao pagamento de custas e honorários nos moldes do artigo 17 da Lei no 7.347/85, não comprovada má-fé.

Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso.

 

 

RUY ALBERTO LEME CAVALHEIRO

Relator

Nota:

[1] Direito Constitucional Ambiental. Estudos sobre a Constituição, os Direitos Fundamentais e a Proteção do Ambiente. Editora Revista dos Tribunais. 2011. p. 164.

 

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação no 1032789-75.2013.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante HESA 74 INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS S/A, é apelado ‘MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO.

 

ACORDAM, em 1a Câmara Reservada ao Meio Ambiente do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso. V. U. Anotada a presença do Dr. Pedro Mariano Bicudo.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores MARCELO BERTHE (Presidente) e MOREIRA VIEGAS.

São Paulo, 3 de março de 2016.

 

RUY ALBERTO LEME CAVALHEIRO

RELATOR

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