sábado , 7 dezembro 2024
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Algumas reflexões sobre a COP 27

Enio Fonseca

Considerações iniciais

A 27ª Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas, mais comumente referida como Conferência das Partes da UNFCCC, ou COP 27, foi realizada como a 27ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, e ocorreu de 6 de novembro a 18 de novembro de 2022 em Sharm El Sheikh, Egito, e contou com representantes de governos de mais de 190 países.

A denominada “COP da Implementação” decepcionou, na avaliação de muitos especialistas,  em sua missão de fazer avançar o combate à emergência climática. Ponto chave do evento, na defesa da meta de 1,5°C: o documento final do encontro, Plano de Implementação de Sharm el-Sheikh conseguiu usar uma linguagem menos enfática na defesa dessa meta do que a declaração final do grupo de países G20, divulgada na semana passada.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, lamentou que a COP27 não tenha optado por uma frase mais forte que proclamasse a necessidade de se “reduzir drasticamente as emissões (de gases de efeito estufa)”.

A ideia deste artigo é relatar algumas decisões importantes tomadas na Conferência, sem o objetivo de esgotar o tema.

O relatório final da Conferência pode ser acessado no link abaixo.

https://lnkd.in/dWWiH74G

Pontos de destaque

Sobre os Mercados de carbono, a Conferência em seu documento final:

  • Adotou orientações sobre procedimentos para os países começarem a reportar seus acordos de cooperação para comercializar redução de emissões (ITMOs) e sobre o funcionamento e interoperabilidade dos registros de carbono que vão depositar as unidades de ITMOs; e sobre o procedimento de revisão das informações prestadas;
  • Adotou ainda orientações iniciais sobre o processo de autorização de projetos do mecanismo do artigo 6.4 e sobre os fluxos e procedimentos de geração dos créditos de carbono.
  • Determinou que o Órgão Supervisor do Artigo 6.4 elabore um pacote de recomendações para orientações para o desenvolvimento de metodologias de atividades de redução e remoção de GEE.
  • Sobre o programa de trabalho de “Abordagens Não-Mercadológicas” – que trata de formas de cooperação entre os países para promover mitigação e adaptação climática mas sem contrapartidas de créditos de carbono -, definiu-se que serão realizados workshops para que os países possam discutir oferta e demanda de apoio e será criada uma plataforma online para que os participantes possam registrar informações sobre essas iniciativas e sobre os acordos de cooperação firmados.

Sobre os tema Mitigação, a Conferência em seu documento final:

  • Reiterou a decisão de buscar limitar o aumento de temperatura global em 1.5°C prevista em Glasgow, e clamou aos países membros que ainda não revisaram e fortaleceram suas NDCs de 2030 a fim de alinhá-las com o Acordo de Paris que o façam até o final de 2023.
  • Definiu as premissas e prazos do novo Programa de Trabalho de Mitigação (MWP), que busca acelerar a ambição de mitigação até 2030 para além das NDCs já apresentadas.
  • Decidiu que o MWP vai cobrir todos os setores e áreas temáticas previstos nas orientações para elaboração de inventários do IPCC de 2006 e no 6º Relatório do IPCC.
  • Decidiu que o MWP vai ser um programa para troca de ideias entre os países e não vai resultar em novas metas além das previstas no Acordo de Paris.
  • Decidiu que o MWP começará a ser implementado imediatamente após a COP 28 e será revisto na COP 31.

Sobre o tema Perdas e Danos, a Conferência em seu documento final:

  • Estabeleceu novos arranjos de financiamento para ajudar países em desenvolvimento a lidar com perdas e danos climáticos, inclusive criando um fundo específico para isso.
  • Criou um comitê de transição para operacionalizar esses arranjos financeiros e a criação do fundo e fazer recomendações para serem adotadas na COP 28.
  • Definiu premissas e a governança da Rede de Santiago, uma plataforma para conectar disponibilidade de assistência técnica internacional para ajudar países vulneráveis a evitar, minimizar ou lidar com perdas e danos climáticos.
  • Definiu que a Rede de Santiago terá uma estrutura que inclui um Secretariado, um Conselho Consultivo e uma rede de organizações, experts e órgãos membros.

Sobre o tema Financiamento a Conferência em seu documento final:

  • Com relação à “Nova Meta Coletiva Quantificada” de financiamento climático pelos países desenvolvidos após 2025, determinou que até março seja apresentado um plano de trabalho para o ano de 2023 e sejam realizados workshops, inclusive com participação de ministros de finanças, bancos multilaterais, sociedade civil, juventude e especialistas técnicos, entre outros. As deliberações para estabelecer a Nova Meta deverão ser concluídas até a COP 29.
  • Convocou bancos multilaterais e instituições financeiras para aumentar o volume, simplificar o acesso, bem como criar veículos inovadores para promover financiamento climático.
  • Lançou o Diálogo de Sharm el-Sheikh, uma série de dois workshops para promover trocas e melhorar a compreensão sobre o objetivo do Acordo de Paris de manter os fluxos financeiros alinhados com uma trajetória de descarbonização (Artigo 2, parágrafo 1c). Será preparado um relatório sobre esse diálogo a ser apresentado na COP 28.

Sobre o tema Adaptação a Conferência em seu documento final:

  • Iniciou a elaboração de um framework para definir a Meta Global de Adaptação, a ser adotado na COP 28.
  • Decidiu que o objetivo do framework é orientar o alcance de uma Meta Global de Adaptação e o monitoramento do progresso no alcance desta meta, com um viés preventivo de reduzir impactos, riscos e vulnerabilidades climáticas.
  • Decidiu que o framework conterá minimamente informações sobre as dimensões (considerando cada etapa do ciclo de adaptação), temas (água, cidades, alimentos e agricultura, etc), questões transversais (direitos humanos, gênero, soluções baseadas na natureza) e fontes de informação (relatórios do IPCC, inputs de stakeholders, etc).
  • Decidiu que esses elementos serão também considerados para avaliar o progresso de adaptação durante o Primeiro Balanço Global da efetividade do Acordo de Paris, que será concluído em 2023.

Sobre o tema Transição energética a Conferência em seu documento final:

  • Reforçou que a situação geopolítica global e seus impactos na economia e na segurança energética e alimentar, bem como os desafios associados à recuperação econômica pós-COVID, não podem ser usados como pretexto para retrocessos na ação climática.
  • Por outro lado, também reforçou a importância de diversificar o mix de fontes e sistemas de energia tendo em vista as circunstâncias nacionais e a necessidade de justa transição, a partir de “um mix de energias limpas, incluindo fontes de energias renováveis e de baixa emissão”.
  • Convocou os países membros a acelerar tecnologias para transição para sistemas de energia de baixa emissão, incluindo esforços para reduzir gradualmente a participação do carvão e eliminar subsídios “ineficientes” aos combustíveis fósseis, reiterando a mesma decisão de Glasgow.

Sobre o tema Florestas e Agricultura a Conferência em seu documento final:

  • Reforçou a importância dos mecanismos de pagamento baseado em resultados para reduzir emissões de GEE causadas pelo desmatamento e degradação florestal previstos no artigo 5.2 do Acordo de Paris, e encorajou os países membros a considerarem soluções baseadas na natureza em suas ações de mitigação e adaptação.
  • Estabeleceu o “Trabalho Conjunto de Implementação da Ação Climática em Agricultura e Segurança Alimentar de Sharm el-Sheikh”, um programa com duração de 4 anos, que passará, entre outras coisas, a implementar a agenda do “Trabalho Conjunto de Koronivia”, com base em uma abordagem holística que considere agricultura, segurança alimentar e os múltiplos benefícios associados a adaptação e mitigação, e o conhecimento local e tradicional indígena, entre outros.

Sob o tema Justiça climática a Conferência em seu  documento final:

  • Reconheceu que os países devem, ao adotar ações climáticas, respeitar, promover e considerar o “direito a um meio ambiente limpo, sadio e saudável”.
  • Estabeleceu um Programa de Trabalho de Transição Justa para discutir caminhos para atingir os objetivos do Acordo de Paris a partir de uma transição justa e equitativa, considerando as dimensões energéticas, socioeconômicas e de força do trabalho, entre outras, e fazer recomendações a serem apresentadas na COP 28.
  • Adotou melhorias no Plano de Ação de Gênero, dando ênfase na participação de mulheres jovens, indígenas e de comunidades locais.
  • Convocou as partes a considerarem balanço na representatividade de gênero na composição de delegações e presidências de sessões, e entidades públicas e privadas a considerarem a representatividade no contexto do financiamento climático. Determinou ao Secretariado da UNFCCC que apoie a participação de pontos focais nacionais femininos em reuniões da UNFCCC.

Algumas avaliações

O Documento final contém mensagens políticas importantes, começando pela declaração de que os desafios trazidos pela guerra em termos de segurança energética e alimentar não podem ser usados como pretexto para se recuar nos esforços globais de descarbonização. A decisão também incorpora a menção ao direito a um ambiente limpo e saudável no contexto da crise climática, que foi recentemente reconhecido como um direito humano em resolução da Assembleia Geral da ONU.

No tocante aos combustíveis fósseis, a exemplo de Glasgow, o texto final não recomenda a eliminação  (phase out) do carvão e não menciona os demais fósseis. O texto da decisão incluiu apenas a expressão “eliminar subsídios ineficientes”

Embora prudente essa orientação, a meu ver, muita gente queria a inviavel eliminação imediata dos denominados combustiveis fosseis, o que afronta o princípio de uma transição energética justa, que leva em conta a efetiva mitigação ou compensação das emissões, a a manutenção de empregos e renda.

A COP 27 também manteve a intenção dos países em acelerar mais ambição na redução de emissões de gases de efeito estufa, para além das suas atuais NDCs, até 2030, com o objetivo de limitar o aumento de temperatura da Terra em 1.5ºC. Para isso, foram detalhados os principais elementos e prazos de um Programa de Trabalho de Mitigação, que começará a ser implementado a partir da próxima COP 28 e será revisado em 2026.

Nos demais temas da agenda de financiamento, em especial a definição de uma nova meta de financiamento climático, o avanço foi pouco expressivo, prevendo a realização de workshops ao longo de 2023 para continuar elaborando melhor sobre a definição da meta. Houve um chamado para que as instituições financeiras multilaterais tripliquem seus níveis de financiamento climático até 2025.

Sobre os novos arranjos de financiamento para ajudar países em desenvolvimento a lidar com perdas e danos climáticos, inclusive criando um fundo específico para isso, fica uma preocupação de que não haja recursos financeiros a fundo perdido para essas atividades, e apenas financiamento que devem ser pagos, onerando ainda mais os países atingidos ou vulneráveis às mudanças ou desastres climáticos.

Alguns avanços  merecem aplauso, como o maior destaque a florestas e a inclusão de soluções baseadas na natureza no texto – pontos de especial interesse para o Brasil.

A discussão, no entanto, não finaliza nesta COP. Os governos estabeleceram um “comitê de transição” para fazer recomendações sobre como operacionalizar tanto os novos arranjos de financiamento quanto o fundo na COP 28, do próximo ano. A primeira reunião do comitê de transição deverá ocorrer até março de 2023.

Enquanto um novo Fundo surge, o Fundo Verde do Clima (GFC), criado em 2010, está longe de atingir sua meta de arrecadação global. O alerta é feito no doc. da COP 27, lembrando que os países desenvolvidos devem direcionar U$ 100 bilhões por ano paro o GCF, recurso destinado à adaptação às mudanças climáticas, em países mais vulneráveis, mas que até o momento está longe de ser atingido.

“Precisamos reduzir drasticamente as emissões [de gases de efeito estufa] agora – e essa é uma questão a que esta COP não respondeu”, disse António Guterres ao final do evento.

Referência de informações: “LACLIMA, 2022. Resumão das decisões da COP 27. São Paulo, Brasil”.

 

Enio Fonseca- Engenheiro Florestal, Senior Advisor em questões socioambientais , Especialização em Proteção Florestal pelo NARTC e CONAF-Chile, em Engenharia Ambiental pelo IETEC-MG, , em Liderança em Gestão pela FDC, em Educação Ambiental pela UNB, MBA em Gestão de Florestas pelo IBAPE, em Gestão Empresarial pela FGV, Conselheiro do Fórum de Meio Ambiente do Setor Elétrico,FMASE, foi Superintendente do IBAMA em MG, Superintendente de Gestão Ambiental do Grupo Cemig, Chefe do Departamento de Fiscalização e Controle Florestal do IEF, Conselheiro no Conselho de Política Ambiental do Estado de MG, Ex Presidente FMASE, founder da PACK OF WOLVES Assessoria Ambiental, parceiro da Econservation.
Enio Fonseca- Engenheiro Florestal, Senior Advisor em questões socioambientais , Especialização em Proteção Florestal pelo NARTC e CONAF-Chile, em Engenharia Ambiental pelo IETEC-MG, , em Liderança em Gestão pela FDC, em Educação Ambiental pela UNB, MBA em Gestão de Florestas pelo IBAPE, em Gestão Empresarial pela FGV, Conselheiro do Fórum de Meio Ambiente do Setor Elétrico,FMASE, foi Superintendente do IBAMA em MG, Superintendente de Gestão Ambiental do Grupo Cemig, Chefe do Departamento de Fiscalização e Controle Florestal do IEF, Conselheiro no Conselho de Política Ambiental do Estado de MG, Ex Presidente FMASE, founder da PACK OF WOLVES Assessoria Ambiental, parceiro da Econservation.

 

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