O Estado de S. Paulo |
Washington Novaes*
Parece inacreditável, mas o alarme vem das montadoras de automóveis – as mais interessadas em vender seus produtos. Texto de Cleide Silva na edição de 13/8 deste jornal informa que o "excesso de automóveis (mais 80 milhões de veículos no mercado global este ano) já preocupa as montadoras no mundo" e por isso "o trânsito nas megacidades leva fabricantes a incentivar debate sobre saída para o caos". Nesta mesma hora, o tema mal chega às campanhas para as eleições municipais no Brasil. E em São Paulo, embora documentos da Prefeitura mencionem a possibilidade de instituir a cobrança do pedágio urbano e haja até projeto a esse respeito na Câmara Municipal (Estado, 1.º/8), não há intenção concreta de avançar nesse rumo neste final de gestão.
Professor universitário especialista na matéria, trazido por uma das montadoras, o alemão Michael Schrekenberg impressionou-se com o caos paulistano e chegou a sugerir inspeções rigorosas de veículos para evitar quebras e interrupções no trânsito, controle das emissões de poluentes, ampliação dos acostamentos, criação de faixas exclusivas para carros com mais de uma pessoa, "trens para ligar regiões da metrópole às periféricas".
As soluções, entretanto, terão de ser rápidas. São Paulo já tem frota de mais de 7,2 milhões de veículos, dos quais 3,8 milhões circulam diariamente. E não há regras para motocicletas. Este ano ficará na capital paulista grande parte dos mais de 3,6 milhões de veículos vendidos no País. O documento da Prefeitura que menciona o pedágio urbano em 233 quilômetros quadrados do centro expandido, com tarifa de R$ 1 (em Londres é de R$ 25), convive com outro da Secretaria de Transportes que prevê para isso investimento de R$ 15 milhões, assim como a construção de três garagens subterrâneas (na gestão municipal de Jânio Quadros, há décadas, foi prevista a construção de 12 garagens subterrâneas, mas só duas foram construídas).
Muito pouco para uma cidade onde a frota cresceu 3% (213,2 mil veículos) em um ano e para um Estado já com 23,5 milhões (1,31 veículo por habitante em São José do Rio Preto, 1,34 em Araçatuba, 1,39 em Ribeirão Preto, 1,41 em Jundiaí, segundo a CartaCapital em 31/7). Uma fila única dos veículos da capital teria mais de 20 mil quilômetros de extensão (Estado, 7/8), embora a rede viária local tenha apenas 17 mil quilômetros. A cidade perde R$ 55 bilhões anuais com congestionamentos, diz a Fundação Getúlio Vargas. No segundo semestre do ano passado, eles atingiram 226,2 quilômetros em um dia. Este ano baixaram para 184,8 (Estado, 9/8). Tecnologias como GPS, imagens de satélites e outras são cada vez mais comuns entre motoristas. Já os agentes municipais de trânsito só têm os próprios olhos para observar menos de 200 das 15 mil vias públicas (15/8). Apesar dos dramas, o Diário Oficial chegou a publicar texto desaconselhando o uso de bicicleta (12/7), alternativa que só cresce em tantos países.
Também fora daqui, a China – que já tem problemas graves com trânsito – implantou 20 mil milhas de vias expressas e 12 rodovias nacionais. Só em Xangai foram 1.500 milhas. Não por acaso, o país já é o maior produtor de carros. E sabe que até 2025 terá de pavimentar 5 bilhões de metros quadrados de rodovias (Foreign Policy, 17/8); até 2025, nada menos que 64% de sua população estará nas cidades (48% em 2010); 22 cidades terão mais de 1 milhão de habitantes. Sua frota de veículos poderá subir para 600 milhões em 2030.
Seria interessante que nossos planejadores/gestores lessem, por exemplo, documentos como A bicicleta e as cidades, do Instituto de Energia e Meio Ambiente (2010), que aponta problemas cruciais. "Prevalece", diz esse texto, "a visão de que a cidade pode expandir-se continuamente e desconsideram-se os custos de implantação de infraestrutura necessária para dar suporte ao atual padrão de mobilidade, centrado no automóvel, cujos efeitos negativos são distribuídos por toda a sociedade, inclusive entre aqueles que não possuem carros". Entre os custos, a degradação da qualidade do ar (e seus reflexos nos custos da saúde pública, 5,9% dos orçamentos públicos), a contribuição para o aquecimento global, os desastres no trânsito. Hoje 70% do espaço público já é destinado ao transporte (há poucos anos a Associação Nacional de Transportes Terrestres mencionava 50%), embora apenas de 20% a 40% dos habitantes usem automóveis. As estatísticas do estudo dizem que 38,1% dos deslocamentos diários nas regiões metropolitanas brasileiras são feitos a pé; se forem considerados trajetos feitos em até 15 minutos, os deslocamentos sem automóveis sobem para 70%. Nas regiões metropolitanas como um todo, os deslocamentos em automóveis situam-se em 27,2%; em coletivos, 29,4%; a pé, 38,1%; em motos, 2,5%. E o transporte público no Brasil está em 50% do total, enquanto na Europa chega a mais de 80% (mas nos Estados Unidos a apenas 5%).
Outra consequência nefasta da ocupação do espaço público pelas estruturas viárias – avenidas, túneis, viadutos, etc., nas áreas centrais -, diz o documento, é forçar os habitantes a mudar-se para outras áreas habitáveis, o que, por sua vez, gera a necessidade de urbanização dessas novas áreas – com a pletora de custos que isso implica.
Das questões globais (aquecimento) às econômicas, sociais (injustiça com os setores sociais mais desfavorecidos e taxados pesadamente pelos custos), culturais, fiscais (isenção ou redução de impostos para veículos, sem nenhuma contrapartida), etc., tudo está envolvido nas questões do transporte, já que mais de 80% da população brasileira hoje é urbana. Não precisamos esperar que o drama se agrave, com a frota atual de veículos no País passando dos 37 milhões atuais para 70 milhões no fim desta década. Por mais complicada que seja, essa é uma tarefa para hoje.
Até as montadoras de veículos já sabem disso.
*Jornalista
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