por Paulo Sérgio Sampaio Figueira.
O meio ambiente é conceituado de acordo com o artigo 3º, I, da Lei n.º 6.938, de 1981, como o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.
Por sua vez, a Constituição Federal de 1988, elevou o meio ambiente à condição de direito de todos e bem de uso comum do povo, e sua proteção é uma evolução dos direitos humanos.
Assim, todas as atividades capazes de alterar negativamente as condições ambientais estão submetidas ao controle ambiental, que é uma atividade de poder de polícia exercida pelo Estado.
A Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) garante o meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental da pessoa humana consoante dispõe o seu artigo 225.
O referido artigo deve ser lido em conjunto com o artigo 23, da Constituição Federal, que estabelece o dever de todos os entes federativos de promover a proteção do meio ambiente, em especial, da fauna e flora, bem como controlar a poluição, isso envolve atividades administrativas com fulcro no poder de polícia.
Nesses termos, o poder de polícia ambiental, fundado no artigo 225 da Constituição Federal, assegura a todos os entes federativos a adoção de providências no sentido de possibilitar o controle de atividades e empreendimentos de que possam decorrer poluição ou agressão à natureza, de forma a garantir a máxima efetividade à proteção ao meio ambiente.
Por sua vez, a Lei n.º 6.938, de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, traz em seu bojo o licenciamento ambiental de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras.
O artigo 1º, I, da Resolução n.º 237, de 1997, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), conceituou o licenciamento ambiental como:
[…] procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso. […].
Impende frisar que em Direito Ambiental normalmente se utiliza a expressão licenciamento ambiental em sua acepção ampla, abarcando, além das licenças propriamente ditas, as autorizações ambientais, que têm caráter precário e não vinculado, visto que para seu pleno êxito o empreendedor tem que atentar para as normas ambientais, e principalmente para o cumprimento das condicionantes contidas nas licenças ambientais.
Vale ressaltar que a doutrina é uníssona ao definir o instrumento do licenciamento ambiental como um processo administrativo composto de diversos atos concatenados com o fim de conceder uma autorização sobre determinadas atividades que utilizam recursos ambientais, devendo o órgão concedente da licença ambiental seu papel nas demais fases da licença ambiental, como o monitoramento, o controle, a fiscalização ambiental, e a educação ambiental.
Casos raros, pois a maioria dos órgãos ambientais, não realizam principalmente o monitoramento e o controle ambiental, que somente detectam não cumprimentos das normas e das condicionantes em processo de fiscalização ambiental, que na maioria são frutos de denúncias, ou ações de outros órgãos ambientais.
Assim, dentro desse complexo processo administrativo, em regra, as licenças ambientais são de três espécies, a saber: Licença Prévia (LP), concedida preliminarmente, apenas aprovando o projeto, atestando a sua viabilidade ambiental e os respectivos condicionantes e requisitos básicos para as próximas fases de sua implementação; Licença de Instalação (LI), que autoriza a instalação do empreendimento, impondo condicionantes que deverão ser observados; e a Licença de Operação (LO), que permite o início das atividades de acordo com o projeto aprovado, apontando as medidas ambientais de controle e os condicionantes.
Desta forma, o Brasil ainda adota o sistema trifásico, sendo que em um único processo serão concedidas três licenças, de acordo com o exposado acima. Entretanto, caso a atividade não traga considerável impacto ambiental, poder-se-á dispensar o procedimento trifásico (LP, LI e LO) e adotar licenciamento unifásico.
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 estabeleceu-se o chamado “federalismo cooperativo”, sendo que em seu artigo 23 são definidas as Competências Comuns da União, dos Estados, do Distrito Federal, e dos Municípios. Em matéria ambiental, compete a todos proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas e; preservas as florestas, a fauna e a flora. Com esse modelo, busca-se um equilíbrio entre os entes federativos, buscando a máxima eficiência administrativa.
Talvez a questão que traga mais conflito entre os entes que compõem o Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA), contemplado na Lei nº. 6.938, de 1981, seja a Repartição de Competências para o Licenciamento Ambiental. É muito comum que mais de um Ente se julgue competente para licenciar, muitas vezes com base no interesse público secundário, o que interfere negativamente no desenvolvimento econômico, pois o empreendedor fica desnorteado sem saber com quem deverá licenciar a sua atividade, causando insegurança jurídica para quem investe na terra. Nota-se que antes mesmo da promulgação da Constituição de 1988, o licenciamento ambiental já fazia parte do arcabouço legislativo brasileiro, inclusive com experiências em Estados Brasileiros, como por exemplo São Paulo.
Somente após quase 23 anos veio a lume a Lei que colocou em prática toda a retórica criada pela Constituição Federal de 1988. Trata-se da Lei Complementar n.º 140, de 08 de dezembro de 2011, que fixou normas, nos termos dos incisos III, VI e VII do caput e do parágrafo único do artigo 23 da Constituição Federal, para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da Competência Comum.
Assim, a LC n.º 140, de 2011, tornou-se a principal norma infraconstitucional que disciplina a Competência para o Licenciamento Ambiental, devendo todas as outras normas jurídicas ser interpretadas de acordo com a mencionada Lei Complementar, especialmente a Resolução CONAMA n.º 237, de 1997.
Essa Lei repartiu as competências administrativas entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, definindo em seu artigo 7º, inciso XIV, 8º, inciso XV, 9º, inciso XIV e 10º, as competências licenciatórias de cada ente federativo.
Desta feita disciplinou que cabe à União promover o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades localizados ou desenvolvidos conjuntamente no Brasil e em país limítrofe, no mar territorial, na plataforma continental ou na zona econômica exclusiva, em terras indígenas, em unidades de conservação instituídas pela União, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs), em 2 (dois) ou mais Estados, de caráter militar, excetuando-se do licenciamento ambiental, nos termos de ato do Poder Executivo, aqueles previstos no preparo e emprego das Forças Armadas, destinados a pesquisar, lavrar, produzir, beneficiar, transportar, armazenar e dispor material radioativo, em qualquer estágio, ou que utilizem energia nuclear em qualquer de suas formas e aplicações, mediante parecer da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) ou que atendam tipologia estabelecida por ato do Poder Executivo, a partir de proposição da Comissão Tripartite Nacional, assegurada a participação de um membro do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), e considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade ou empreendimento.
Por sua vez, compete aos Estados promover o licenciamento ambiental de atividades ou empreendimentos localizados ou desenvolvidos em unidades de conservação instituídas pelo Estado, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs); promover o licenciamento ambiental de atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, ressalvado os de competência da União e dos Municípios.
E restou aos Municípios observadas as atribuições dos demais entes federativos previstas nesta Lei Complementar, promover o licenciamento ambiental das atividades ou empreendimentos que causem ou possam causar impacto ambiental de âmbito local, conforme tipologia definida pelos respectivos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente, considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade ou localizados em unidades de conservação instituídas pelo Município, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs).
Destarte, o escopo do legislador foi a de garantir a proteção ao meio ambiente por todos os entes da federação, em forma de cooperação mútua. Desta maneira a constituição não quer que o meio ambiente seja administrado de forma separada pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal, e pelos Municípios. É razoável entender-se que, na Competência Comum, os entes devam agir conjuntamente. Portanto, na Competência Comum a atuação dos entes é conjunta sem que o exercício de uma venha excluir a do outro.
A atuação material no âmbito ambiental trazia, na prática, diversos conflitos de “Competência” entre os entes federativos que implicavam não só em total ausência de segurança jurídica aos empreendedores, mas também, e principalmente, em risco ambiental claro e patente. Neste contexto, a lei complementar estabeleceu além do conceito legal de licenciamento ambiental (art. 2º, inciso I), os conceitos de Atuação Supletiva e da Atuação Subsidiária (art. 2º, II e III) e ainda os Instrumentos de Cooperação (artigo 4º).
O artigo 2º, inciso I, dispõe que o Licenciamento Ambiental é o procedimento administrativo destinado a licenciar atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental.
O artigo 15, da Lei Complementar n.º 140, de 2011, por sua vez, introduziu no ordenamento o Instituto da Competência Supletiva, estabelecendo que os Entes Federativos devem atuar em caráter supletivo nas ações administrativas de licenciamento e na autorização ambiental nas seguintes hipóteses: (I) inexistindo órgão ambiental capacitado ou conselho de meio ambiente no Estado ou no Distrito Federal, a União deve desempenhar as ações administrativas estaduais ou distritais até a sua criação; (II) – inexistindo órgão ambiental capacitado ou conselho de meio ambiente no Município, o Estado deve desempenhar as ações administrativas municipais até a sua criação; (III) – inexistindo órgão ambiental capacitado ou Conselho de Meio Ambiente no Estado e no Município, a União deve desempenhar as ações administrativas até a sua criação em um daqueles entes federativo.
Já o artigo 16 da LC nº. 140, de 2011, determina que a Ação Administrativa Subsidiária dos Entes Federativos dar-se-á por meio de apoio técnico, científico, administrativo ou financeiro, sem prejuízo de outras formas de cooperação, e que a Ação Subsidiária deve ser solicitada pelo ente originariamente detentor da atribuição nos termos desta Lei Complementar.
Vale ressaltar, que Lei Complementar estabelece, ainda, instrumentos de Cooperação Institucional que os entes federativos podem valer-se, não tratando de rol taxativo. Sugere como instrumentos os Consórcios Públicos; os Convênios, Acordos de Cooperação Técnica e outros instrumentos similares com órgãos e entidades do Poder Público; a Comissão Tripartite Nacional, as Comissões Tripartites Estaduais e a Comissão Bipartite do Distrito Federal; os Fundos Públicos e os fundos Privados e outros instrumentos econômicos; a Delegação de Atribuições de um Ente Federativo a outro, e a Delegação da Execução de Ações Administrativas de um Ente Federativo a outro.
A Lei Complementar n.º 140, de 2011, ao disciplinar que as ações de Cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão ser desenvolvidas de modo a atingir os objetivos previstos no artigo 3º e a garantir o desenvolvimento sustentável, harmonizando e integrando todas as políticas governamentais, faz a divisão das ações administrativas de cada ente federativo.
Verifica-se que as ações administrativas apresentadas pela Lei Complementar são similares. Cita-se que tanto a União, quanto os Estados, o Distrito Federal, e os Municípios, podem executar e fazer cumprir a Política Nacional do Meio Ambiente; exercer a gestão dos recursos ambientais no âmbito de suas atribuições; articular a Cooperação Técnica, Científica e Financeira, em apoio à Política Nacional do Meio Ambiente; promover o desenvolvimento de estudos e pesquisas direcionados à proteção e à gestão ambiental, divulgando os resultados obtidos; definir espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos; promover e orientar a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a proteção do meio ambiente; controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente, na forma da lei.
No entanto, como já tratado em alhures, o grande cerne da introdução da LC n.º140 de 2011, no ordenamento jurídico foi disciplinar a Competência para o Licenciamento Ambiental de empreendimentos e atividades potencialmente poluidora ou degradadora do meio ambiente, e principalmente a Competência para Delegar Competência Material de um Ente Público ao outro.
Entretanto, se esqueceram de avisar ao poder judiciário e ao órgão de controle social essa outorga de competência material, que vem gerando retrocesso, intervenção, insegurança jurídica, e conflitos, com processo de judicialização e criminalização, visto que esses institutos não estão sendo recepcionados por esses poderes constituídos, principalmente quando o Poder Judiciário Estadual insistem em se tornar incompetente atendendo os pedidos do Órgão de Controle Social da União, do órgão licenciador que tem o Acordo de Cooperação Técnica do Estado com a União, e com a concordância da Advocacia do Estado, remetendo o processo em curso na Justiça Estadual para a Justiça Federal, mesmo existindo Acordo de Cooperação Técnica da União com os Estados da Amazônia Legal, desde o ano de 2006, da Outorga da Competência Material do IBAMA para as Secretarias de Meio Ambiente dos 9 (nove) Estados da Amazônia Legal.
Isso precisa ser revisto e analisado pelo Congresso Nacional, já que a aplicação do Instituto de Outorga (Delegação) de Competência Material trazido na LC nº. 140, de 2011, é ignorada, desprezada, e diminuída pelo poder judiciário e pelo órgão de controle social da União, idem pelo órgão licenciador estadual e pela advocacia do Estado.
Em síntese, deveria retornar para o IBAMA, a Competência Delegada aos Estados da Amazônia Legal para realizar o licenciamento ambiental em terras da União que tem conflitos fundiários, processos de judicialização e criminalização, visto que o órgão ambiental e o órgão de advocacia do Estado realizam critérios de escolha não democrática e isonômica para licenciar uns e menosprezar outros, fato que deveria ser olhado pela União Federal.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 20.agost. 2021.
BRASIL. Lei n.º 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6938.htm. Acesso em: 21.agost.2021.
BRASIL. Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA). Resolução n.º 237, de 12 de dezembro de 1997. Dispõe sobre conceitos, sujeição, e procedimento para obtenção de Licenciamento Ambiental, e dá outras providências. Disponível em: https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=95982. Acesso em: 25.agost.2021.
BRASIL. Lei Complementar n.º 140, de 8 de dezembro de 2011. Fixa normas, nos termos dos incisos III, VI e VII do caput e do parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal, para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora; e altera a Lei no 6.938, de 31 de agosto de 1981. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp140.htm. Acesso em: 23.agost.2021.