Márcio Mazzaro
Luciana Vianna Pereira
Já dizia Geraldo Vandré, em seu famoso hino de resistência que embalou gerações revolucionárias, PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DE FLÔRES”: “Vem, vamos embora que esperar não é saber, quem sabe faz a hora, não espera acontecer”.
A frase, cunhada com a conotação política da época, pode servir, ainda hoje, de inspiração e recomendação para que o mundo corporativo se embale nesta parte da canção e não se veja atropelado pela nova “moda” da sustentabilidade, que é o ESG.
A necessidade de demonstração de práticas sustentáveis, sejam elas ambientais, sociais e de governança, no contexto ESG, escancara a necessidade de buscar possibilidades de investimentos e participações de empresas, seja de que tamanho for. E, há uma infindável lista de iniciativas baseadas no uso de recursos biológicos sustentáveis, com predominância em matérias-primas não fósseis voltadas para a produção de alimentos, rações, materiais, produtos químicos, combustíveis e energia, através de processos biológicos, químicos, termoquímicos e físicos.
A chamada bioeconomia, que em sua concepção mais ampla, objetiva a promoção da saúde, do desenvolvimento e crescimento sustentável e ao real bem-estar da coletividade. Por suposto, congrega todos os pilares do ESG.
Investir em bioeconomia, na própria atividade ou em parceria ou estimulando terceiros desprovidos de chances de investimentos, é atingir objetivos do desenvolvimento sustentável e obter os proveitos de seus resultados. E esses proveitos podem vir do mercado financeiro, securitário ou do mercado de ações, aproveitando, hoje e amanhã, da única forma de se fazer negócios sustentáveis com diferenciação em relação ao mercado convencional. E os investimentos na bioeconomia podem adotar diversas formas e abranger atividades distintas.
Como exemplos, pode-se optar pela biomassa, como insumos, uso de resíduos sólidos, sistemas integrados de produção, melhoramento genético e, até mesmo, e principalmente, o uso sustentável da sociobiodiversidade brasileira.
Pode-se investir em plantas de processamento, como tecnologias de pré-tratamento e tratamento de biomassas, biorremediação, plantas piloto, etc, e até em bioprodutos, como químicas de renováveis, microorganismos e enzimas, com suas infinitas possibilidades ainda a descobrir, biomateriais, biocompósitos e seus usos, e porque não os biocombustíveis e os bioinsumos.
Também é possível buscar o desenvolvimento científico, tecnológico e da inovação para superar os desafios e aproveitar as oportunidades apresentadas pela bioeconomia nacional, focando no desenvolvimento sustentável e na produção de benefícios sociais, econômicos e ambientais.
São inúmeras as ações que podem significar a compensação de emissões de carbono e outros gases (GEEs) que cada empresa lança na atmosfera, de formas diretas e/ou indiretas, independentemente do seu porte econômico ou categoria tributária, tendo como resultados positivos a sustentabilidade, os benefícios para a sociedade e (porque não) uma melhor governança, assim entendida como a adequada e ética gestão empresarial, da empresa perante seus acionistas e demais stakeholders.
Assim, o momento é muitíssimo propício para se investir em bioeconomia no país, seja no negócio próprio ou mesmo na promoção de atividades de terceiros, através de projetos disruptivos, que promovam a produção sustentável.
Em recente matéria jornalística, noticiou-se que o Mercado Livre vai impulsionar 90 negócios que valorizam a biodiversidade da Amazônia, Cerrado e Mata Atlântica. Poderíamos afirmar que esta empresa está ousando, rompendo paradigmas, ao investir em negócios sustentáveis, ou simplesmente surfando na onda ESG do momento? Com certeza está “fazendo a hora” e não esperando acontecer para poder deflagrar uma estratégia de produção sustentável, sendo que nem mesmo se trata de uma empresa produtora de bens. Mas a estratégia do Mercado Livre foi de selecionar pequenos negócios que contarão com três meses de capacitação sobre como vender na plataforma da empresa, abordando temas como estratégia comercial, logística e marketing digital, além de mentorias individuais, visibilidade na seção de Produtos Sustentáveis e outros benefícios.
E não é só isso. Na reportagem, se destaca que a maioria dos escolhidos é formada por comunidades tradicionais, indígenas, quilombolas, ribeirinhas, dentre outras, se concentrando, principalmente, nas categorias de alimentos e bebidas, artesanato e cosméticos, e que mais de 50% dos líderes desses negócios são negros, cerca de 12% são indígenas e mais da metade são mulheres, e que a expectativa é que mais de 15 mil famílias sejam beneficiadas direta e indiretamente pelo fortalecimento desses empreendimentos.
Segundo a gerente de Sustentabilidade da empresa, Laura Motta, “ao contribuir com a estratégia comercial e visibilidade desses negócios, alavancamos seus impactos positivos e potencializamos a geração de renda em biomas extremamente importantes para a América Latina”, e que, “quando fortalecemos as cadeias produtivas sustentáveis, contribuímos para a conservação da biodiversidade” ( Mercado Livre vai impulsionar 90 negócios que valorizam a biodiversidade da Amazônia, Cerrado e Mata Atlântica – Portal Neo Mondo)
São atividades com neutralização de carbono, com emissões reduzidas e circularidade, beneficiando uma série de atores e toda a coletividade, gerando renda, riqueza e dignidade para os envolvidos. Grande potencial de geração de novos produtos e materiais, com proposta de valores totalmente interligados aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável – ODS.
Iniciativas como esta levam em conta os aspectos sociais, ambientais e de gestão nos processos de fortalecimento de cadeias produtivas e até mesmo ao descobrimento de novos produtos, todos com foco na sociobiodiversidade, alavancando novos negócios sustentáveis e agregando valor às cadeias produtivas locais.
Pode-se, ainda, incentivar cadeias produtivas alimentares, promovendo segurança alimentar, dos alimentos, nutrição e saúde, com os componentes da nossa biodiversidade. A agricultura familiar está ávida para receber esse olhar empreendedor das grandes corporações, sobretudo para alavancar a produção orgânica e agroecológica, o uso de bioinsumos, o que confere sustentabilidade à produção, com o que se conquistará novos mercados, inclusive no âmbito internacional. Porque não se investir, agora, nesse nicho?
A própria atividade agrícola nacional, com sua multifuncionalidade, é um grande potencial de geração de alimentos, fibras, energia, nutrição, saúde, serviços ambientais e serviços ecossistêmicos, inclusão e qualidade de vida rural, cultura, tradição e turismo. É a economia circular, com a conservação e valoração com o uso de recursos naturais.
E dir-se-ia mais, com investimentos financeiros para o fortalecimento da relação entre setor produtivo e a pesquisa, retirando-se os inventos das prateleira dos laboratórios, produzidos muitas vezes por startups, tem -se a promoção das necessárias parcerias público-privada, que consolidam ecossistemas de inovação, com soluções que agregam renda ao produtor a partir de alternativas, como o “Pagamento por Serviços Ambientais – PSA”, o turismo rural e a certificação de produtos advindos do extrativismo de pequenos agricultores, povos indígenas e comunidades tradicionais.
Com o apoio a soluções inovadoras que promovam a proteção do meio ambiente e o desenvolvimento local, criam-se oportunidades de integrar comunidades e indivíduos em situação de mais vulnerabilidade aos sistemas de PSA, gerando novas oportunidades econômicas, financeiras e de negócios no domínio da bioeconomia.
Não é demais lembrar que, em sua carta mais recente, o Sr. Larry Fink, CEO da Blackrock, disse que os próximos unicórnios serão startups de tecnologia verde ou com foco em sustentabilidade (as chamadas “greentechs”). O investimento que alie tecnologia e produção de alimentos de forma mais sustentável, ou quaisquer outras iniciativas que aqui exemplificamos sobre a bioeconomia, é investir em um setor que provavelmente congregará os maiores ganhos financeiros num futuro bem próximo (Blackrock CEO Larry Fink: The next 1,000 billion-dollar start-ups will be in climate tech).
Então, vamos lá, fazer a hora e não esperar acontecer, porque depois que o ESG se tornar padrão de mercado, “os unicórnios já estiverem voando” e os atores já estiverem consolidados na bioeconomia, as dificuldades para ingressar nesse trato mercantil e cobranças para isso serão muito maiores.
Luciana Viana Pereira é advogada com experiência em consultoria e assessoria jurídica para empresas, tendo atuado simultaneamente nas áreas societária, contratual, seguros, ambiental e consumidor. É pós-graduada em Direito Ambiental e em Gestão Ambiental. Mestre pela Universidade Autónoma de Lisboa, é autora de diversos artigos, capítulos de livros e professora em cursos de pós-graduação.
Márcio Mazzaro é Procurador Estatal da Conab e advogado com 40 anos de profissão. É pós-graduado em Processo Civil e especialização em Direito e Processo Disciplinar, em Direito Ambiental e em Propriedade Intelectual e Inovação do Agronegócio. Foi professor universitário e tem ministrado diversos cursos e palestras nos temas de sua especialização, além de autor e coautor de vários artigos e capítulos de livros técnicos/jurídicos na sua área.