A Profa. Marilene Nunes desenvolve uma análise crítica sobre agroecologia, ambientalismo e ideologia. Seu posicionamento conduz para reflexão sobre a atuação do direito ambiental frente à novas tecnologias de produção agrícola, notadamente em relação ao uso de defensivos (ou agrotóxicos). O Portal DireitoAmbiental.com posiciona-se no sentido de promover permanentemente o debate sobre os temas que envolvem a advocacia ambiental em todos seus pontos de vista.
Para a autora, “os ideólogos da agroecologia esquecem que hoje nada mais é exterior, a economia capitalista, o mercado capitalista globalizado é quem determina o quê e como plantar.” O Direito Ambiental atua é e, cada vez mais, será chamado para enfrentar temas como este, na medida em que a tutela ambiental da produção primária é uma tendência já consolidada.
O artigo foi publicado originalmente no portal AmbienteLegal.com.br e vai aqui reproduzido por sua qualidade. O convite à leitura está feito.
AGROECOLOGIA, ESTELIONATO IDEOLÓGICO
“A alienação pode ser mais sutil, menos visível, mais astuciosa, quando passa por discursos pseudos emancipadores.”
(Claude Lefort, Os desafios da escrita política, 1992.)
Por Marilene Nunes*
Os departamentos de ecologia e ambientalismo se multiplicam nas universidades ao redor do mundo. Acastelados nesses espaços, os ecoburocratas julgam ter construído um novo paradigma científico oposto ao que eles chamam de “Ciência Convencional”. Protegidos pelos seus pares que comungam pontualmente dos mesmos axiomas epistemológicos, os ecoburocratas se protegem e recusam a submeter o produto de suas teses ao crivo e à discussão crítica da comunidade científica. E assim, a todo argumento que não esteja de acordo com o “paradigma ecológico”, lhe é negada a validade. Contudo, vale lembrar que a agroecologia também se situa na esteira do pensamento ecológico. Mas o que é agroecologia?
Segundo os ecologistas, a agroecologia deve ser compreendida como uma ciência que corresponde ao campo do conhecimento que proporciona as bases científicas para apoiar o processo de transição do modelo de agricultura convencional para o estilo de agricultura de base ecológico sustentável. Para isso faz a apologia da agricultura familiar com retorno às técnicas arcaicas de produção e do imaginado resgate da harmonia do homem com a natureza, como se tivesse existido algum dia esse idílico momento.
Estudos arqueológicos e antropológicos que investigaram o período neolítico percorrendo os modos de produção pré-capitalista mostram que a desarmonia entre o homem e o meio ambiente sempre foi regra e, não, exceção, por causa do fator sobrevivência versus natureza hostil. A ação do homem sobre a natureza sempre foi de dominação, sendo que o produto cultural decorrente dessa relação chama-se tecnologia. A natureza faz sentido para o homem a partir do momento em que ele exerce uma ação prática sobre ela. Por isso, essa ação será sempre resultante de uma prática social, o que torna o caráter humano essencialmente antinatural. Ainda, na contramão do paradigma agroecológico, a física e a biologia quântica já demonstraram de forma inequívoca a impossibilidade sistêmica de uma natureza equilibrada e harmônica. A tese do equilíbrio entre o homem e a natureza é um mito, cuja origem remonta ao nascimento do fascismo.
O fascismo surgiu como resposta ideológica dos capitalistas nacionalistas ao processo de internacionalização do capital, processo que motivou a organização dos trabalhadores para fora do âmbito dos estados nacionais. Com o propósito de frear a organização global dos trabalhadores, o fascismo propagandeou o irreal equilíbrio entre campo e cidade, instigando um sentimento patriótico com base na figura do camponês num meio rural arcaico em total harmonia com a natureza. A exaltação ao mito das raízes voltada à agricultura arcaica pretendeu criar uma espécie de “civismo biológico” naturalizado, de forma a reificar as relações do homem com a natureza e, assim, fortalecer a ideologia nacionalista.
No documentário “A arquitetura da destruição” de Peter Cohen é abordada a política e a estética nazista tendo como referência a vida bucólica e idílica do camponês como modelo idealizado do homem alemão.
Na prática, porém – desde o início até meados do século XX – a realidade se mostrou bem distinta desse quadro. O desenvolvimento industrial tomou grande vulto esvaziando a zona rural, o que resultou no crescimento exponencial das populações urbanas desestabilizando de forma genérica a economia. Adverso do que se imagina a instabilidade econômica é inerente ao capitalismo e são as crises cíclicas que lhe permite reestruturar-se com novos parâmetros tecnológicos que incidem no crescimento colossal da produtividade resultando em elevada acumulação do capital.
A mecanização e a aplicação dos conhecimentos da bioquímica na agricultura foi o recurso à verticalidade usado pelo capital. O surto de produtividade decorrente desse processo livrou grande parte da população mundial do reino da necessidade impedindo que milhares de pessoas morressem de fome. Mas isso não tem importância para os ecoburocratas, e a alegação do retorno às técnicas primitivas de cultivo agrícola como possibilidade de restauração do equilíbrio perdido, não tem parâmetros práticos: sem tangebilidade os seus axiomas soam como um delírio oriundo das crenças irracionais de seus defensores.
Os agroecológicos são incapazes de compreender que a complexificação das tecnologias decorrentes do advento da sociedade industrial é menos degradadora do meio ambiente do que as técnicas pré-capitalistas. Isso porque, o capitalismo possui mecanismos autoreguladores que permitem o autoajuste do processo tecnológico e, desse modo a indústria bioquímica que produz os defensivos agrícolas com periculosidade tóxica, também lhe retira a toxidade à proporção que a ciência se desenvolveu.
Desde suas origens as culturas agrícolas foram assoladas por pragas, inclusive há registros históricos de utilização de produtos químicos como, por exemplo, o arsênico usado para o controle de pestes em escrituras gregas de cerca de três mil anos.
No início do século XIX, utilizavam-se compostos orgânicos a base de metais como o cobre, enxofre e mercúrio para combater doenças parasitárias e fungos em hortaliças na Europa. Além desses, outros compostos a base de arsênico, selênio e chumbo, que caracterizaram a primeira geração de pesticidas químicos, e que não são mais utilizados em função da sua elevada toxicidade, foram empregados até o início do século XX para combater pragas em plantas.
Com o desenvolvimento da indústria química iniciado com a Segunda Revolução Industrial, ao fim do século XIX, e acentuada durante e após a Segunda Guerra Mundial, a indústria de defensivos agrícolas experimentou intenso crescimento. Nesse período foram descobertos novos compostos que produziram expressivos impactos na agricultura e saúde pública mundial caracterizando a segunda geração de defensivos agrícolas. Na década de 1960, produtos que requeriam a aplicação de maiores quantidades por área cultivada e menor toxicidade para os seres humanos e o meio ambiente, começaram a surgir caracterizando a terceira geração. A quarta geração de defensivos inclui produtos desenvolvidos com a atuação do sistema endócrino dos insetos; interfere em seu processo de crescimento e são mais específicos para proporcionar uma melhor degradação ambiental, com riscos menores à saúde humana. Indiferentes ao processo histórico os agroecológicos sustentam que a humanidade está sendo envenenada pela agricultura convencional, mas a realidade mostra que a população mundial não para de crescer e a sua perspectiva de vida só se alonga desde o início da revolução industrial.
A visão escatológica de que os recursos naturais serão extintos pela cólera exterminadora humana e de que a humanidade está se auto-imolando foi questionada por um destacado ativista do Greenpeace chamado Bjam Lomborg no brilhante livro “The Skeptical Environmentalis: measuring the real state of the world.” em que o autor, especialista em estatística, desconstrói a crença na extinção das espécies e da natureza ao mostrar que os ecologistas apresentam as hipóteses projetivas como previsões, e que na transmutação entre o hipotético e o real reside a insensatez do discurso apocalíptico.
Os ecoburocratas acreditam que a agricultura de base familiar, com retorno às tecnologias agrárias primitivas pode ser altamente produtiva. Essa argumentação, entretanto, não resiste às análises estatísticas mais simples e ao compararmos os dados relativos à produtividade entre agricultura convencional e a agroecologia, verificaremos um crescente refluxo da produtividade da economia agroecológica, ao passo que a produtividade da agricultura convencional se situa em elevada produtividade. Por exemplo, ao levar em conta culturas como a de base familiar, percebe-se que a produtividade desta é menos produtiva, principalmente em função do número de trabalhadores.
Sobre o assunto, vale destacar os achados do Censo Agropecuário de 2006 que revelou que no Brasil os estabelecimentos de agricultura familiar representavam 84,4% do total e preenchiam 24,3% da área dos estabelecimentos agropecuários, o que significa que 74,4% da força de trabalho ocupada na agropecuária, na época, laborava em estabelecimentos familiares. Ou seja, 3/4 da mão de obra laborava em 1/4 da área trabalhada.
Ainda de acordo com o referido Censo, no Brasil existiam em média 6,2 pessoas ocupadas por cada 100 hectares de terra aproveitável para lavoura e pecuária; ora, nos estabelecimentos familiares esta média havia se elevado para 17,9 pessoas por 100 hectares, enquanto se reduzia a 2,1 pessoas por 100 hectares nos estabelecimentos não familiares. O decréscimo de trabalhadores na agricultura tradicional deve-se ao incremento de tecnologia de ponta na produção que libera força de trabalho e a produtividade dispara a elevados índices. Já a produção agrícola familiar precisará de grande número de pessoas para realizar o mesmo trabalho, o que a torna inviável no mercado competidor.
Como se pode observar, as estatísticas produzidas por instituições governamentais como o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), refuta o discurso agroecológico. Aliás, as suas formulações teóricas são postas em xeque pelas próprias pesquisas por eles conduzidas, o que reforça o paradoxo de suas teses.
Os estudos feitos pelos ecologistas sinalizam que os camponeses abandonam as experiências agroecológicas ao perceberem a taxa zero de ganho econômico, mesmo que políticas públicas sejam adotadas para lhes favorecer o acesso a insumos. Essas políticas são evidentemente demagógicas, pois os governos que as sancionam buscam cada vez mais a integração econômica ao mercado globalizado.
As ONGs (Organizações Não Governamentais) são os arautos da agroecologia junto aos governos. No Brasil, dispensadas de licitação pública para atuar junto aos agricultores como consultores, essas organizações têm interferido nas políticas agrárias a ponto de modificar as legislações em seu favor. Decorrente das pressões políticas dessas organizações, no Brasil, foi instituída, a “Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica” através do Decreto 7.794, de 20 de agosto de 2012, com o objetivo de integrar e articular um conjunto de políticas que visam à transição da agricultura tradicional para a agroecologia.
O projeto está andando a passos largos: no dia 17 de outubro de 2013, na “II Conferência Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável”, o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica lançado oficialmente pelo governo estará vigente até 2015 (período de três anos). Este prevê investimentos de R$ 8,8 bilhões de reais que serão destinados aos cofres das ONGs agroecológicas: imensas cifras de recursos financeiros de origem pública para um projeto absurdo que tem por meta travar as forças produtivas no meio rural.
Pesquisas produzidas pelos departamentos ambientalistas apresentaram de forma inequívoca a queda vertiginosa da produtividade da agricultura de base familiar com o uso de tecnologias arcaicas como causa do insucesso da estratégia agroecológica. Frente a esses resultados os ecoburocratas argumentam cinicamente que o problema do fracasso da estratégica reside na mentalidade dos camponeses que está calcada sob valores capitalistas. Desse modo, a culpa recai sobre os camponeses que precisam aceitar a escassez e aprender a sobreviver em condições primitivas, abdicando do conforto e do bem-estar para viver uma vida de ascetismo. Não me espanta que a esse discurso, na última década, seguiu-se o surgimento e a eclosão de ONGs criadas com o objetivo de promover um processo gigantesco de inculcação ideológica de massa a que os agroecologistas denominam de “Educação Agroecológica Ambiental”.
Se fosse possível estender a agroecologia para toda a agricultura, como sonha a utopia ecológica, as taxas de produtividade cairiam a índices insustentáveis gerando escassez e fome. Os ideólogos da agroecologia esquecem que hoje nada mais é exterior, a economia capitalista, o mercado capitalista globalizado é quem determina o quê e como plantar. Logo em seu início a agricultura de base familiar agroecológica está condenada a ser tragada pelo grande agricultor, porque estará submetida aos imperativos do mercado.
Os gestores públicos não são ignorantes acerca dos fatos, a prática política delusória que os levam a comprar projetos como o da agroecologia eclipsa a real intenção que lhe está subjacente: controlar as facções populares que estão sob o domínio político das ONGs agroecológicas. O governo que institui e financia políticas agrícolas de base familiar em parceria com os agroecológicos é o mesmo que afrouxa as leis que controlam a importação de defensivos químicos no país. Quatro meses após o governo brasileiro lançar o “Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica”, a Fundação Oswaldo Cruz contestou a Lei que permite o registro temporário no país em casos de emergência fitossanitária ou zoossanitária sem avaliação prévia dos setores reguladores da saúde e do meio ambiente (Lei n° 12.873 /13 e o Decreto n° 8.133/13), pugnando por sua revogação imediata. Também se posicionou contrário a outros Projetos de Lei que tiveram ou ainda têm o mesmo sentido, como o PL 209/2013 do Senado que pretende retirar definitivamente ou mesmo restringir a atuação das áreas de saúde e meio ambiente do processo de autorização para registro de defensivos agrícolas no Brasil. Práticas contraditórias, políticas demagógicas.
A agroecologia e o seu discurso pseudocientífico se constituem em risco para os movimentos sociais que lutam contra a exploração capitalista, uma vez que para a agroecologia as populações rurais e urbanas são reduzidas a meros consumidores que clamam o acesso aos alimentos orgânicos, à redução de agentes químicos poluidores e ao retorno das formas antigas de produção agrícola. Sem nada a dizer sobre as relações sociais de exploração no interior das empresas, a ideologia agroecológica promove a permanência dos trabalhadores rurais ao regime mais brutal de exploração capitalista, a mais-valia absoluta. Por fim, o crescimento econômico zero orquestrado pelos ecoburocratas pretende travar o desenvolvimento das forças produtivas e com ele o desenvolvimento econômico com a conseqüente elevação da desigualdade social.
Referências
BRASIL. Articulação Nacional de Agroecologia – ANA. Disponível em: <http://www.agroecologia.org.br> Acesso em: 20/02/2014.
BERNARDO, J. O inimigo oculto: ensaio sobre a luta de classe. Manifesto antiecológico. Porto: Editora Afrontamento, 2007.
IBGE. Censo Agropecuário 2006. Disponível em: <www.ibge.org.br> Acesso em: 20/02/2014.
LOMBORG, B. The skeptical environmentalist: measuring the real state of the world. Copenhagen: Paper book, s.d.
* Marilene Nunes é Doutora em Gestão e Políticas Públicas (USP), Mestre em Economia Política da Educação (UFRGS), Especialista em Gestão do Conhecimento (FGV), Graduada em Pedagogia (UFRGS). Especialista do Conselho Estadual de Educação (CEE – SP). Docente em Programas de Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado) no Brasil e no exterior.
Publicado originalmente no portal Ambiente Legal
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