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Brasil terá o desafio de implementar as metas para biodiversidade

   

Se mudança climática é o assunto mais famoso nas grandes conferências das Nações Unidas, outro tema ambiental, a biodiversidade, é que deve envolver o governo brasileiro, empresas, academia e sociedade nos próximos meses.

Trata-se de "internalizar" – ou seja, incorporar nas leis e nas políticas de governo – o que foi decidido na conferência de biodiversidade da ONU do Japão, em 2010, e referendado na semana passada, em outra reunião do gênero, na Índia. "É um processo em construção", diz o advogado Rodrigo C. A. Lima, gerente-geral do Ícone, um think-tank do setor agrícola, que acompanha esses fóruns internacionais.

 No Brasil, um dos países mais megadiversos do mundo, duas discussões importantes ocorrerão em breve. Uma, no Congresso, tratará da ratificação do Protocolo de Nagoya. É um acordo internacional fundamental para a biodiversidade, assim como o Protocolo de Kyoto foi para o clima.

 O Brasil foi um dos negociadores do protocolo. O acordo estabeleceu um regime internacional para que os países possam ter acesso à biodiversidade uns dos outros e para que se recompense quem preservou com um sistema de repartição de benefícios dos produtos que surgirem a partir dos recursos naturais. O protocolo estabelece a regra, mas não diz como – isso será definido por cada país.

 Às vésperas da Rio+20, a conferência sobre sustentabilidade da ONU, em junho, a presidente Dilma Rousseff pediu ao Congresso que analise o assunto. Por ora, sete países ratificaram o Protocolo de Nagoya – o México é um deles. A União Europeia (UE) está em discussões finais. Os Estados Unidos são só observadores desse debate.

 Outra decisão importante tomada no Japão foram as Metas de Aichi, um conjunto de 20 objetivos internacionais a serem cumpridos até 2020. Os países têm, agora, de transformar estas promessas em ações concretas. A UE se comprometeu, na Índia, com algo em torno de três bilhões de euros, ao ano, em recursos adicionais, para tornar estas ações possíveis em países que têm muita biodiversidade, mas poucos recursos financeiros. É o dobro do que a UE destinou entre 2006 a 2010 a projetos de preservação da biodiversidade que vão até 2015.

 "A decisão de dobrar os recursos é importante pois mantém o foco na preservação da biodiversidade", diz Lina Barrera, diretora de política de biodiversidade e serviços ecossistêmicos da ONG Conservação Internacional. "Mas precisamos de mais. Precisamos implementar as decisões. Quanto mais tempo esperamos, mais caro fica."

 A promessa de novos recursos surpreendeu, mas algumas estimativas dizem que são necessários centenas de bilhões de dólares anuais para deter a perda de espécies no mundo. "As cifras são sempre astronômicas. Mas esse assunto é novo, e o dinheiro tem que sair de algum lugar. Para uma necessidade nova não vai se conseguir um monte de recursos do nada", pondera Francisco Gaetani, secretário executivo do Ministério do Meio Ambiente e chefe da delegação brasileira na conferência da Índia.

 "UE e Japão estão colocando pouco, mas é cada vez mais. E, apesar da crise, não houve redução", diz. "Não são cheques em branco, mas para as metas de Aichi. Vão resolver o problema de biodiversidade no mundo? Não. É suficiente? Não. Foi um avanço? Foi. Tem perspectiva de melhorar? Tem."

 O próximo passo, no Brasil, promete ser de debate intenso. Uma das metas, por exemplo, diz que até 2020 os países devem eliminar "incentivos lesivos à biodiversidade". Outra, a meta 7, diz que áreas sob "agricultura, aquicultura e exploração florestal serão manejadas de forma sustentável" para a conservação da biodiversidade.

 "O que isso significa na prática?", questiona Lima, do Ícone. "Se a agricultura tem que ser sustentável, precisamos de maior clareza em relação a isso. Monocultura de eucalipto é sustentável? Biocombustíveis são sustentáveis? Existe um conjunto de práticas universalmente aceitas?", prossegue. "Cabe a cada país definir o que são práticas sustentáveis, como definir suas metas. E o setor privado tem que participar deste debate."

 No dia 30 de outubro, a Comissão Nacional da Biodiversidade (Conabio), órgão consultivo que reúne representantes de vários ministérios e da sociedade civil, reúne-se em Brasília para buscar um acordo sobre as metas nacionais de biodiversidade. Não se conseguiu fechar um acordo sobre estas metas antes do encontro na Índia, como o governo queria.

 Embora todos concordem que o Brasil tem de ratificar o Protocolo de Nagoya e cumprir as metas, a discussão é complexa. O Ministério do Planejamento tem analisado o impacto dessas metas no Brasil, junto ao MMA, sob a ótica de políticas estratégicas ao país, como o Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC. A meta 17, por exemplo, diz que até 2020 os países têm que ter 17% das áreas terrestres e 10% de áreas marinhas e costeiras conservadas. Em termos de unidades de conservação em terra, o Brasil está quase ali – tem 16,9%. "Entretanto os ecossistemas não estão representados harmonicamente", explica Roberto Brandão Cavalcanti, secretário de biodiversidade e florestas do MMA. A maior parte das unidades de conservação está na Amazônia, enquanto o Cerrado ou o Pantanal estão quase desprotegidos.

 Como fazer isto é delicado ou polêmico. Lima, do Ícone, defende que as chamadas Áreas de Preservação Permanente (APP) e as Reservas Legais das propriedades privadas, desde que mapeadas e regularizadas, entrem na conta da meta brasileira. "Isso seria fundamental", concorda o biólogo Cavalcanti. "Não tanto pelos termos numéricos, mas em termos de importância na conectividade dos fragmentos florestais", diz ele.

 Quanto a áreas de proteção marinha, o Brasil está bem aquém da meta de Aichi. "No ambiente marinho costeiro há interesses fortíssimos de pesca, óleo e gás", cita Cavalcanti. "Ocorre que a maioria dos estoques pesqueiros do mundo estão superexplorados ou em colapso. O Brasil não é exceção."

 Alguns pontos, diz ele, não são tão problemáticos. "Práticas sustentáveis agrícolas que não prejudiquem a biodiversidade? Não é que localmente ou pontualmente não haverá impactos negativos, mas, no limite, isso quer dizer que não pode haver extinção de espécies atribuída à agricultura."

 A reunião na Índia teve dois avanços, para Maria Cecília Wey de Brito, secretária-geral do WWF Brasil. "Ficou claro que muitos países estão fazendo muita coisa, mas nada que consiga elevar a escala para que se diga que estamos de fato atacando a raiz do problema." O outro ponto é: "É cada vez mais importante implementar as decisões. Sobre as metas, ou os países colaboram ou é melhor que estas conferências deixem de existir.

Fonte: Valor Econômico

 

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