As principais cidades do mundo começaram a ser desenhadas há séculos, e elas não estão preparadas para o que acontecerá a partir dos próximos anos: a quase extinção do comércio popular de rua; o abandono dos antigos edifícios comerciais; a fuga das indústrias; as mudanças na relação de emprego; a robotização; e a inteligência artificial.
Cabe ao poder público adaptar as cidades às novas necessidades, vocações e desejos. Tudo isso sob os preceitos da sustentabilidade.
Em meados do século passado, iniciou-se a revitalização do centro das cidades portuárias como Rotterdam, Baltimore, Boston, Buenos Aires, Sidney e Barcelona. Foram intervenções bem-sucedidas que reverteram a degradação da área central destas cidades.
Algo que, de forma mais modesta, está sendo feito no Rio de Janeiro. Porém, se no século passado a degradação foi maior nas cidades portuárias, agora o problema será de todas as médias e grandes cidades.
As novas tecnologias e as mudanças de comportamento social irão, em menos de 10 anos, alterar o comércio, a indústria, o ensino, a relação de emprego, o trânsito, a construção civil e, consequentemente, o perfil urbano.
Já estão sobrando espaços no centro das cidades. É a hora de, a exemplo de Seul, na Coréia do Sul, fazer aflorar os rios e riachos que foram canalizados; desadensar eliminando edificações desnecessárias, criando percursos pelo interior das quadras, deixando o centro respirar; evitar a “musealização” do patrimônio histórico, dando vida aos mais importantes exemplares da arquitetura.
Nos próximos anos, veremos uma diminuição natural do trânsito nos grandes centros urbanos. Isso ocorrerá, principalmente, pela diminuição drástica da frota de automóveis, motivada pela mudança da cultura do carro próprio com a adoção do compartilhamento, por alternativas privadas e inteligentes de otimização de transporte e pelas soluções que evitam o deslocamento das pessoas.
Veremos o crescimento substancial de pessoas que resolvem suas necessidades online, comprando, estudando e trabalhando de casa. Além disso, até 2025 a indústria quase não terá trabalhadores.
As fábricas, por exemplo, estarão tão robotizadas que se distanciarão ainda mais dos centros urbanos. A localização irá privilegiar o escoamento da produção e não a oferta da mão de obra, como é hoje.
Mudanças na construção civil —Obviamente, toda essa transformação vai refletir em mudanças na construção civil. Os edifícios comerciais deverão vender oportunidade de gerar negócios e não somente espaço.
Hoje, vemos a diminuição da demanda para os edifícios de salas comerciais.
E não é só pela crise. A crise apenas apressou um comportamento que veio para ficar. Prédios comerciais, tais como os conhecemos, estão obsoletos. Diversas variedades de coworkings vocacionais irão substituí-los.
A atração estará na inteligência das instalações, no networking, nos custos, nas soluções compartilhadas e, principalmente, na maior perspectiva de sucesso para o usuário.
Os prédios residenciais deverão atender aos novos hábitos de consumo e relacionamento. Os projetos deverão viabilizar a prestação de novos serviços nas dependências do condomínio, sejam nos apartamentos ou nas áreas comuns.
Um sistema de compartilhamento de veículos pelos condôminos será mais valorizado que o número de vagas por apartamento.
Assim como offices nas áreas comuns, para que os moradores possam receber pessoas para assuntos de trabalho.
A drástica redução dos empregos formais fará surgir uma gama de profissionais que oferecerá seus serviços à domicílio, principalmente nas áreas da beleza, saúde, alimentação e educação.
A população das cidades já optou pela residência vertical. Mas ainda não há oferta idealizada para essa escolha. O poder público logo será obrigado a se render aos benefícios desta opção.
A tendência no Brasil é de prédios com aproximadamente 65 pavimentos, altura que só Balneário Camboriú (SC) ousou alcançar.
Com este número de pavimentos, equacionado pelo número de torres e de elevadores independentes, o número de apartamentos poderá ser suficiente para sustentar um condomínio inteligente, para todas as classes sociais. Sendo ainda mais indicado para as classes de menor poder aquisitivo.
Cada condomínio destes pode reutilizar a água, armazenar água da chuva, separar e compactar o lixo, otimizar energia, compartilhar veículos e serviços e estar conectado à educação, segurança, saúde e administração pública online.
É importante salientar que, independentemente do tamanho, as edificações deverão sempre ser amigáveis aos pedestres e à escala humana ao nível do solo.
Democratização urbana —No Brasil, mais de 84% da população vive em área urbana. Em todo o mundo, esse índice não para de crescer. Para o Departamento dos Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas, gerir áreas urbanas é um dos principais desafios do século XXI.
Para evitar a degradação dos centros urbanos, é fundamental que as iniciativas públicas e privadas comecem a agir agora. Os próximos anos serão de transformações intensas.
Os poderes executivos e legislativos deverão decidir se essas transformações levarão progresso ou pobreza para suas cidades. As oportunidades que as novas tecnologias e comportamentos sociais estão trazendo são muitas.
Planejar, legislar e decidir com visão de futuro é a diferença entre a evolução e o caos urbano.
As cidades cumprem sua função quando arte, cultura, educação e possibilidades empresariais se combinam para criar um ambiente sustentável, atraente e gerador de riqueza.
Todas as classes sociais devem estar fisicamente conectadas pelas chamadas ruas completas, espaços sociais e comerciais prioritários aos pedestres, mas com vias para o trânsito de bicicletas, transportes coletivos e veículos pessoais.
Espaços onde as pessoas possam tomar um café, ler ou simplesmente ter um encontro casual ao ar livre.
A rua completa é o melhor caminho para levar o cidadão aos espaços cívicos, como centros culturais, esportivos, parques e, principalmente, escolas.
Essa conexão elimina a segregação, aproxima oferta do consumo de mão de obra, gera negócios, educa, aumenta a segurança, propicia a sustentabilidade e faz inserção social.
É dar cidadania a todos os habitantes da cidade.
Por: Carlos Sandrini, arquiteto e urbanista, fundador e presidente do Centro Europeu [www.centroeuropeu.com.br]