quinta-feira , 21 novembro 2024
Home / Notícias / Água marginalizada: O reflexo da sociedade

Água marginalizada: O reflexo da sociedade

 

Sarah Bueno Motter e Giovani de Oliveira, da EcoAgência

 

O Dilúvio é o maior riacho que corta a cidade de Porto Alegre. / Foto: Divulgação/Internet


 

As margens são um limite. Até onde o Dilúvio vai, até onde ele pode ir. Balizado pelo concreto humano, o arroio que corta a capital faz parte da rotina da cidade. Em suas margens, estão os congestionamentos e a ansiedade de Porto Alegre. Nas suas beiradas, está, na hora do rush, o stress de querer chegar rápido ao outro lado da cidade e não conseguir a velocidade pretendida. A poluição que corre dentro do Dilúvio também passa nos seus limiares, os quais são contaminados pela exaustão da sociedade perante sua rotina.

As margens do Dilúvio transbordam o vazio de nossa civilização que corre apressada sem nem saber o motivo. Que deixa à sua margem aqueles que não têm o capital e as oportunidades iguais, aqueles que não têm o carro, aqueles que não têm a casa. Esses ficam às margens.

As bordas também refletem as novas tendências. O desejo da ciclovia, do transporte limpo. Elas falam de um novo caminho que a cidade “quer” abrir. Um caminho para o sustentável.

Mas a sustentabilidade não caminha junto da miséria e da desigualdade e ela não é parceira do descaso. A sustentabilidade não está nas aparências. Ela não é balizada por frágeis mudanças sem conteúdo maciço, sem a pretensão de uma metamorfose. Ela não parte do nada e não chega a lugar nenhum. Ela não se inaugura com uma quadra de ciclovia, ela é uma estrada inteira.

A água, quando cai no Dilúvio, faz o barulho característico dos riachos, aquele som que muitas vezes queremos levar para casa, comprando uma fonte de decoração. O barulho é tão bonito e característico, mas o concreto afasta a cidade da natureza, que suja de nossos resíduos, continua seu caminho. As margens do Dilúvio são uma síntese do que somos. Os carros, os excluídos, a sujeira, os “novos caminhos” e a natureza que teima e vive entre o cinza da ambição humana.

O Dilúvio é o símbolo de uma sociedade precária, individualista e agressiva. Como muitas das crianças que moram embaixo de suas pontes, suas águas são agredidas desde o começo de sua vida. Já em sua nascente, na Lomba do Sabão, o arroio é violentado pela ocupação irregular da área. Famílias, sem condições de moradia, ocupam um local protegido por lei, e jogam seus dejetos nas águas do Dilúvio. Pessoas violentadas pela sociedade do ter, sem espaço para tentar ser, violentam também o arroio e invadem seu espaço.

Espaço que cada vez existe menos. Espaço cada vez mais ocupado pelo lixo, espaço que nós não temos mais. O espaço que poderia ser de lazer, de contato com a natureza em meio à cidade, torna-se um espaço do qual fugimos. Não a toa, algumas pessoas defendem que se cubra o Dilúvio. Defendem uma grande tampa de concreto, que não cure a ferida, mas nos impeça de ver ou sentir.

Mas incrivelmente, violentado do começo ao fim, o Dilúvio segue vivo, suas águas são a moradia de peixes, pescados por improváveis gaivotas porto-alegrenses. E suas margens, costeadas pelo cinza, ainda conservam um verde, que insiste em se manter vivo.

(EcoAgência)

 

Além disso, verifique

Novo Código Florestal retroage para forma do registro de reserva legal, diz STJ

Por Danilo Vital A inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR) torna inexigível a obrigação anterior …

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *