Fernanda Dalla Libera Damacena
Mestre em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Especialista em Direito Público (UFRGS). Professora de Direito Ambiental. Advogada.
Resumo: As normas de proteção do meio ambiente no âmbito da União Européia são o resultado de um trabalho de décadas em resposta a uma variedade de problemas ambientais. Atualmente, a luta contra as alterações climáticas, a preservação da diversidade, a redução dos problemas de saúde causados pela poluição e a utilização responsável dos recursos naturais constituem as grandes prioridades. O artigo traça uma linha evolutiva da proteção ambiental no âmbito da União Européia desde a antiga Comunidade Européia até os dias atuais, objetivando verificar os avanços do bloco em termos de política ambiental. Para tanto, foram analisadas as fontes originárias (tratados), subsidiárias (princípios e jurisprudência) e derivadas (diretivas) de conteúdo ambiental. Nesse contexto, o estudo está dividido em três seções. Na primeira apresentam-se as fontes originárias – do Tratado de Roma ao Tratado de Lisboa. Na segunda, são abordadas as fontes subsidiárias e alguns instrumentos de proteção que destacam o meio ambiente como valor prevalente Na terceira, destaca-se a relevância, a expansão da diretiva (fonte derivada) na tutela ambiental Européia e busca-se vislumbrar, a partir da jurisprudência de cunho ambiental, o procedimento e as consequências pelo descumprimento ou não transposição das diretivas pelos Estados-Membros.
Palavras-chave: União Européia; Meio Ambiente; Fontes de Proteção.
1. Introdução
“Proteger, preservar e melhorar o mundo à nossa volta” [1]. Este é o atual lema da União Européia em termos de proteção ambiental. A escolha parece consciente e promissora, mas nem sempre foi assim.
Historicamente as convenções internacionais sobre o meio ambiente eram eminentemente utilitárias, diziam respeito ao comércio mundial, sendo a preservação de algumas espécies animais voltada unicamente para os fins de exploração econômica. Típico exemplo desta afirmação é a Convenção para a proteção das focas do Mar de Behring, de 1883, assinada em Paris. O documento pretendia evitar a extinção da espécie, não pela preocupação de prevenção e de equilíbrio ecológico, mas devido à regulamentação do mercado internacional das peles de luxo.[2]
Essa visão puramente possessiva e utilitarista, no sentido de que a natureza estava à disposição, infinitamente, para a realização dos interesses humanos, é uma realidade que perdura durante muitos anos. Com a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano (Estocolmo – 1972) e devido a alguns acidentes ambientais que já traziam consequências à saúde das pessoas, a segurança ecológica e a preocupação com o meio ambiente começou a ganhar espaço em âmbito mundial. A Conferência introduziu pela primeira vez na agenda internacional a preocupação com o crescimento econômico em detrimento do meio ambiente, ou seja, chegou-se à conclusão de que o modelo tradicional de crescimento econômico, de caráter eminentemente antropocêntrico levaria ao esgotamento completo dos recursos naturais, pondo em risco a vida no planeta.
Tendo como norte a verificação do crescimento da consciência ambiental nas fontes de proteção Européias, o artigo pretende visualizar de que maneira o meio ambiente passou a ser considerado um valor prevalente na Europa, desde os primórdios do processo de integração até a consagração da União Européia. Após uma breve abordagem histórica, pretende-se vislumbrar o atual estado da arte, destacando-se outras fontes Européias de proteção ambiental, tais como os princípios, a jurisprudência e, em especial, a diretiva como um dos instrumentos de maior relevância e expansão na atualidade. Para tanto, o estudo foi dividido em três seções.
Na primeira apresentam-se as fontes originárias – do Tratado de Roma ao de Lisboa. Na segunda, são abordadas as fontes subsidiárias e alguns instrumentos de proteção que destacam o meio ambiente como valor prevalente. Na terceira, destaca-se a relevância, a expansão da diretiva (fonte derivada) na tutela ambiental Européia e busca-se vislumbrar, a partir da jurisprudência de cunho ambiental, o procedimento e as consequências pelo descumprimento ou não transposição das diretivas pelos Estados-Membros.
2. O desenvolvimento do direito originário: de Roma a Lisboa
O interesse dos países europeus em garantir, através de suas fontes, um mínimo de qualidade de vida a seus cidadãos não surge de maneira expressa no começo da então Comunidade Econômica Européia. Aliás, a visão utilitarista e de apropriação do meio ambiente tão ultrapassada hoje era a tônica da época. Logo, a Comunidade Econômica Européia refletia as características de um momento histórico, que foi se transformando e evoluindo paulatinamente.
Em termos de formação, o ano de 1957 caracterizou-se por um passo reconhecido como essencial na direção da integração Européia, pois foram assinados os Tratados de Roma que resultaram na criação da Comunidade Econômica Européia e da Comunidade Européia de Energia Atômica[3]. Estas, juntamente com a Comunidade Européia do Carvão e do Aço, que já havia sido criada em 1951, formaram mais tarde a denominada Comunidade Européia.
Nenhuma das mencionadas fontes originárias continha disposições explícitas sobre proteção ambiental.[4] No princípio da construção da Comunidade Européia, o meio ambiente não era prioridade, entretanto, na medida em que a integração foi aumentando, a questão ambiental passou a ser pauta presente na agenda internacional européia.
Como um dos principais momentos da política ambiental européia destaca-se a ratificação do Ato Único Europeu em 1987. No acordo, pela primeira vez a proteção do meio ambiente foi explicitamente referida como um dos objetivos centrais do bloco. Em função do acordo, muitos programas ambientais e regulamentos que versavam sobre a matéria passaram a ter fundamento legal verdadeiro. Anteriormente, as questões ambientais eram tratadas como pontos relacionados ao mercado comum e de um ponto de vista basicamente econômico. O Ato Único Europeu mudou esse cenário, pois passou a mencionar a promoção de um crescimento sustentável e não excessivo, que respeita o ambiente como objetivo da Comunidade Européia.[5]
Mais tarde, em 1997, com o Tratado de Amsterdam alguns dispositivos do Ato Único Europeu foram modificados, o que denota a percepção de uma positiva mudança visional em termos ambientais. Foram fixadas metas de equilíbrio e harmonia entre o desenvolvimento das atividades econômicas e o meio ambiente e, pela primeira vez, o princípio da precaução apareceu como norteador da política ambiental Européia.[6]
O Tratado de Lisboa, assinado em 2007, mas que só entrou em vigor em 2009 foi responsável pelas alterações dos Tratados da União Européia e de Funcionamento da União Européia em diversas áreas. No que concerne ao meio ambiente, desde o preâmbulo, passando pelos objetivos, pelas características de uma política externa de atuação e de segurança comum, até o capítulo específico, há a presença inconteste de uma preocupação ambiental.
Segundo Alexandra Aragão[7], atualmente, o Direito Europeu do Ambiente é um conjunto de normas jurídicas, composto pelas disposições específicas do Tratado sobre o Funcionamento da União Européia (especialmente os artigos 191º a 193º, núcleo duro da política ambiental, mas também pelo artigo 11º, relativo à integração do ambiente nas restantes políticas) e por uma extensa constelação de atos jurídicos de direito secundário do ambiente, de onde se destaca o dever Europeu de sancionar penalmente as infrações ambientais graves cometidas em território dos Estados.
Assim, pode-se dizer que em matéria ambiental, a Europa se comporta como uma “bolha” ou como uma “rede”. Segundo a pesquisadora portuguesa: “embora a coesão ambiental não esteja expressamente prevista em tratado, trata-se, sem dúvidas, de um dos objetivos da política ambiental”. Assim, é preciso que a política ambiental européia leve em consideração as diferentes situações existentes nas diversas regiões da União, a fim de atingir “um nível” de proteção que se possa considerar “elevado”, conforme prevê o item dois do artigo 191 do Tratado sobre o Funcionamento da União Européia. [8]
A política ambiental Européia é fortemente permeada pela característica da união entre estados ou do discurso único, no sentido de que a política de proteção ambiental do bloco deve refletir a atuação política dos Estados Membros, sob pena de sanção. Tal característica é de extrema importância, especialmente no que tange ao dano ambiental que, quando concretizado, dificilmente é local e entre fronteiras, mas transfronteiriço e global. A luta contra as alterações climáticas, assim como a gestão da água e dos resíduos sólidos são demonstrações claras de que a atuação isolada de um estado é absolutamente ineficaz. Provavelmente por essa razão fora incluído no Tratado de Funcionamento da União Européia, por alteração do Tratado de Lisboa, um item relativo à promoção, no âmbito internacional, de medidas destinadas a enfrentar problemas regionais ou mundiais do ambiente, e designadamente a combater as alterações climáticas.
A previsão do artigo 191, do Tratado da União Européia, relativo à política ambiental, conjugada com o princípio da cooperação leal, consagrado no item terceiro, artigo 4º do mesmo Tratado, deixam claro que a política ambiental européia impõe aos Estados uma obrigação de conjugação de esforços entre as atuações nacionais e os objetivos do bloco. Tal imposição, por certo, estende-se ao meio ambiente.
Ademais, o dever de cooperação leal entre os Estados membros e as Instituições Européias, desde sempre consagrado no Tratado que instituiu a Comunidade Européia, foi alargado pelo Tratado de Lisboa, pois, dá agora a entender que se aplica, também, às relações entre os próprios Estados membros, senão vejamos: “a União e os Estados-Membros respeitam-se e assistem-se mutuamente no cumprimento das missões e correntes dos Tratados”.
Foi nesta perspectiva, aliando pequenas evoluções regulatórias à percepção da necessidade do desenvolvimento de uma consciência ambiental, que teve início o que Luhmann denomina “comunicação ecológica” [9] na política da União Européia.
Como reflexo dessa maior sensibilidade ecológica, atualmente, o artigo 191, 1, do Tratado sobre Funcionamento da União Européia estabelece os seguintes objetivos ou compromissos que o bloco, no domínio do ambiente, pretende adimplir: preservação, proteção e melhoria da qualidade do ambiente, preocupação com a saúde das pessoas, utilização prudente e racional dos recursos naturais, promoção, no plano internacional, de medidas destinadas a enfrentar os problemas regionais ou mundiais do ambiente e, designadamente a combater as alterações climáticas.
3. Demais vetores de proteção ambiental no âmbito Europeu: fontes subsidiárias, derivadas e instrumentos de proteção
Além da previsão por meio das fontes originárias anteriormente mencionadas (tratados), a União Européia possui fontes subsidiárias (princípios e jurisprudência), uma série de instrumentos de proteção, assim como fontes derivadas (diretivas e regulamentos), os quais unidos pretendem potencializar e sistematizar a proteção ambiental no bloco. Nesta seção optou-se pelo estudo de alguns dos instrumentos de proteção mais atuais e em evidência em nível de bloco. Quanto aos princípios, apesar do reconhecimento da importância de muitos outros não abordados, optou-se, por uma questão didática e de delimitação, pelo elenco dos positivados no Tratado de Funcionamento da União Européia.
No que concerne aos instrumentos de proteção, a rede Natura 2000 destaca-se como um dos mais significativos do bloco. Trata-se do que pode se denominar de um cordão de segurança em torno de determinadas áreas cuja diversidade encontra-se abalada. Tal rede consiste em um conjunto de zonas situadas no território dos Estados-Membros nas quais espécies vegetais, animais e habitats respectivos devem ser protegidos. As disposições relativas a essa proteção estão previstas nas diretivas como aves (79/409/CEE/1979) e habitats (92/43/CEE/1992) que levam em consideração as espécies animais, vegetais e os habitats que se revestem de especial interesse, tendo em conta a sua escassez ou fragilidade, nomeadamente as espécies e habitats em vias de extinção.[10]
Os Estados são responsáveis pela gestão das zonas de proteção, devendo assegurar a conservação das espécies e dos habitats. Embora as atividades humanas, nomeadamente a agricultura, continuem a ser autorizadas no interior das zonas denominadas de proteção, devem, contudo, ser compatíveis com o objetivo de conservação da diversidade, sob pena de sanção.
Reconhecida como marco internacional em matéria de meio ambiente, a Conferência de Estocolmo, realizada pelas Nações Unidas, foi palco do primeiro programa de ação em matéria ambiental. Atualmente, o sexto programa, instrumento adotado em 2002 (intitulado "Ambiente 2010: o nosso futuro, a nossa escolha"), define as prioridades e os objetivos da política ambiental européia até 2010. Nessa perspectiva, as alterações climáticas, a biodiversidade, o ambiente, a saúde e a gestão sustentável dos recursos e dos resíduos são os quatro planos de ações prioritários. Conforme assinala o mencionado programa, “para fazer face aos desafios ambientais da atualidade, há que ultrapassar a abordagem estritamente legislativa e enveredar por uma abordagem estratégica a qual deve utilizar diversos instrumentos e medidas para influenciar a tomada de decisões nos círculos empresariais, políticos, dos consumidores e dos cidadãos”.
Também de fundamental importância, o Protocolo de Kyoto é exemplo de instrumento de divisão de responsabilidade entre os países, com o intuito de reduzir a emissão de gases que causam o efeito estufa[11] na atmosfera. Cabe ressaltar que o artigo terceiro do Protocolo de Kyoto é a norma que legitima a possibilidade de divisão das responsabilidades entre os países e também possibilita que esta repartição se dê em níveis de ponderação diferenciadas das responsabilidades nacionais.
No que concerne à gestão dos recursos e dos riscos ambientais, algumas políticas Européias como a de recursos hídricos e sólidos, assim como a transferências dos resíduos merecem destaque. Quanto aos recursos hídricos, é importante referir que o bloco europeu possui, provavelmente, uma das políticas hídricas mais avançadas (e conscientes) do mundo, entendendo a água como recurso e desafio transfronteiriço e transetorial. No que concerne aos tais recursos é importante fazer alusão à Diretiva-Quadro para a Água (2000/60/EC) e à Iniciativa Hídrica da União Européia (European Union Water Initiative/ 2002). [12]
Segundo a diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho da Europa, “água não é um produto comercial como outro qualquer, mas um patrimônio que deve ser protegido, defendido e tratado como tal. (…)”. Assim, a política comunitária integrada no domínio das águas deve levar em consideração condições e necessidades diversas, que exigem diferentes soluções específicas. As decisões deverão ser tomadas tão próximo quanto possível dos locais em que a água é efetivamente utilizada ou afetada. Segundo texto literal “o êxito da diretiva depende da estreita cooperação e de uma ação coerente a nível comunitário, em nível dos Estados-Membros e a nível local, bem como da informação, consulta e participação do público, inclusivamente dos utentes”.[13]
A gestão dos resíduos sólidos é outra questão relevante tratada pela União Européia. Diferentemente da água, os resíduos sólidos não são recursos comuns e partilháveis. Assim, os resíduos que circulam entre os Estados membros não despertam qualquer interesse, principalmente pelo fato de seu vazamento ou exposição poder causar graves problemas ambientais e de saúde pública.
Atualmente, a transferência dos resíduos na União Européia está condicionada à aprovação pelas autoridades competentes do Estado de envio, do Estado de destino e de algum eventual Estado que possa servir de trânsito entre o primeiro e o segundo.[14] É provável que a pretensão desse tipo de previsão seja a garantia de obrigação aos Estados envolvidos, no sentido de tomarem todas as medidas necessárias para a proteção da saúde humana e do ambiente.
Outro vetor de fundamental relevância do sistema de proteção ambiental Europeu são os princípios. Estes juntamente com a jurisprudência do Tribunal Europeu são também denominados fontes subsidiárias. Como a jurisprudência será abordada posteriormente, juntamente com a diretiva, neste momento os olhares estarão voltados para os princípios.
No sistema Europeu de proteção ambiental os princípios têm a função de auxiliar e fundamentar a concretização dos objetivos e metas do bloco, assim como de orientar e servir de limites à atuação dos Estados-Membros.
Dentre os inúmeros princípios de direito ambiental internacional, neste momento, por motivos de didática e delimitação, optou-se pela abordagem dos expressamente previstos no artigo 174, número 2, do Tratado da União Européia. São eles: a precaução, a ação preventiva, a correção prioritariamente na fonte dos danos causados ao ambiente e o poluidor pagador.
A prevenção e a precaução são noções-chave para uma tutela prévia e efetiva do meio ambiente. A prevenção, presente na política ambiental Européia desde a ratificação do Ato único Europeu, traduz que na iminência de uma atuação humana, a qual comprovadamente lesará, de forma grave e irreversível, bens ambientais, tal intervenção deve ser obstacularizada. O princípio da precaução, por sua vez, traz consigo a mensagem de que o ambiente deve ter em seu favor o benefício da dúvida quando haja incerteza, por falta de prova científica evidente quanto à ocorrência da atividade potencialmente lesiva.[15]
Tais princípios representam nitidamente a preocupação com problemas característicos de um momento de passagem da sociedade industrial para a pós-industrial. A prevenção representa bem as atividades da sociedade industrial, onde o risco aparecia de maneira concreta, causal, observável e descritível. A precaução já não tem a mesma dinâmica, pois na sociedade pós-industrial não há uma causalidade científica, tampouco uma concretude temporal e localmente determinável.
Em uma sociedade pós-moderna ou do risco[16] a cautela aliada ao conhecimento-científico são fundamentais, mormente em atividades que envolvam a matéria ambiental, pois como assevera Délton Winter de Carvalho[17] “a sociedade de risco distribui riscos abstratos ou invisíveis, produzidos tecnocientificamente, em contraposição à modernidade clássica, que, por meio da sociedade industrial, gerava riscos concretos (passíveis de demonstrações causais) na busca de distribuição de riquezas”.
Passando-se da hipótese, previsível ou não, para a concretude (pós- dano) pode-se dizer que o princípio do poluidor-pagador pode ser considerado um dos pilares da legislação ambiental européia. Sua presença pode ser notada em boa parte dos tratados e em diversas diretivas como é o caso da recente diretiva sobre responsabilidade ambiental.[18] Todavia, apesar do destaque que sempre merece, perceba-se que raramente há uma definição legal do princípio, sendo o mesmo previsto e aplicado sem maiores explicações no que concerne às suas reais pretensões.
Nesta seara, parece importante mencionar que em nível europeu ou não, o princípio do poluidor-pagador é geralmente considerado um mero coadjuvante da responsabilidade civil. Isso quando não há quem o afirme como um princípio fundamentador da poluição mediante paga, o que é deveras pior. Entretanto, seria esse o sentido ou o espírito com que o princípio fora recepcionado em âmbito internacional e, mormente, na União Européia? Parece que não. A intenção parece ser a de “pagar para não poluir” ao invés de “poluir e pagar”. Filiar-se a esta linha de raciocínio aproxima o princípio do poluidor-pagador à prevenção e à precaução, distanciando-o da responsabilidade civil que vem para ressarcir um dano posteriormente à sua ocorrência[19].
Para Aragão[20] “atualmente já se pode falar em um novo tipo de raciocínio empresarial, que, na designação anglosaxônica, tem uma sigla propositadamente coincidente com a do princípio do poluidor-pagador: “pollution prevention pays”, também chamado PPP, e que pode ser traduzido por “a prevenção da poluição compensa”.
Extremamente ligado aos anteriores, o princípio da correção na fonte relaciona-se com a prevenção, pois o intuito é o controle das fontes de poluição e não a contabilização destas. Também conhecido como princípio da reparação na fonte, a denominação foi alterada pelo Tratado da União Européia por uma questão semântica, uma vez que é preciso agir antes e a tempo.
Consoante anteriormente mencionado, nem todos os princípios ambientais podem ser encontrados no mesmo dispositivo. O princípio da integração, por exemplo, está previsto no artigo sexto do Tratado da União Européia. Tal princípio retrata um objetivo da máxima importância, uma vez que estende a obrigatoriedade de observação da política ambiental Européia pelas legislações nacionais e permite a fiscalização do cumprimento das cautelas ambientais nas atuações de outras políticas dos Estados-Membros.
Nesse âmbito de integração bastante forte da União Européia aparecem as diretivas. Unidas às fontes originárias, subsidiárias e instrumentos de proteção, elas complementam um sistema ambiental mais protetivo. Entende-se que as diretivas são merecedoras de destaque não apenas pela quantidade (são inúmeras as diretivas ambientais em âmbito da União Européia), mas pela qualidade e clareza dos objetivos de muitas e, principalmente, pelo papel que desempenham nessa “bolha” de proteção que se tornou a União Européia. As diretivas pretendem uniformizar, ainda que em um primeiro momento não impositivamente, o pensamento do bloco e a legislação dos Estados-Membros. Além disso, para além da intenção e da previsão, verifica-se a fiscalização que pode ser feita por meio do cidadão e da Comissão Européia, o que é imprescindível quando se trata de proteção ambiental. Não basta a existência de belos textos, é preciso fiscalizar e punir os descumpridores, por meio dos poderes e procedimentos competentes. É o que intenta abordar o capítulo seguinte.
4. A relevância das Diretivas no sistema ambiental Europeu
Conforme anteriormente mencionado, aspecto que não pode passar em branco nesta abordagem é a expansão das diretivas, fontes derivadas do direito europeu. Estas, juntamente com o regulamento, são consideradas instrumentos de ação da maior importância para o bloco, o que se aplica ao meio ambiente.
Uma das características interessantes das diretivas em geral é o fato deste ato normativo procurar conciliar a necessária unidade do direito comunitário com a manutenção das algumas peculiaridades nacionais. Assim, seu principal objetivo não é (como no caso do regulamento) a unificação do direito, mas uma aproximação das diversas legislações que permita eliminar as contradições entre as disposições legislativas e administrativas dos Estados-Membros suprindo, aos poucos, as diferenças.
A diretiva vincula o Estado-Membro apenas quanto ao resultado a alcançar, deixando às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios para obter esse resultado. Tal característica reflete a intenção de intervir na estrutura jurídica e administrativa nacional de forma mais atenuada, o que permite ter em conta as particularidades dos Estados-Membros na realização dos objetivos comunitários. Logo, as disposições de uma diretiva não substituem automaticamente as do direito nacional. Os Estados-Membros ficam obrigados a transpor, em um determinado período de tempo, para o direito nacional, as normas comunitárias conforme as formalidades vigentes.[21]
Como bem expõe Eric Engle[22] não é permitido ao Estado-Membro internamente legislar contra uma diretiva européia. Isto significa dizer que um estado não pode frustrar o propósito do direito comunitário ou burlar uma diretiva de proteção ambiental utilizando-se de artifícios da legislação nacional. Em outras palavras, o doutrinador deixa claro: “violar o espírito da lei através da legalidade é inadmissível”.
O número de diretivas em matéria ambiental é muito vasto. Como a simples enumeração não o enriqueceria, alguns exemplos são destacados pela atualidade e relevância em termos de sistema ambiental Europeu. Um breve olhar sobre as diretivas avante mencionadas leva a crer que o intuito do bloco, assim como do Parlamento é o de garantir o desenvolvimento econômico, aliando-o a uma política ambiental sustentável e a uma comunicação ecológica sensível.
O reflexo da transformação das diretivas pode ser percebido também no poder judiciário (Tribunal de Justiça Europeu). Não são poucos os casos em que a Comissão Européia obriga-se a travar embates com países que não transpõe ou demoram a transpor as diretivas, o que, definitivamente, é prejudicial à efetividade da proteção do sistema como um todo.
Parece importante ressaltar que antes de serem estabelecidas as primeiras competências formais em matéria ambiental no âmbito da antiga Comunidade Européia, as diretivas relativas aos óleos usados (75/349) e aos resíduos (75/442) marcaram o tímido e polêmico início da proteção ambiental Européia. Tímido, pois em função da discussão gerada a respeito da abrangência das mesmas, sua efetividade inicial acabou prejudicada. Contudo, o questionamento acabou gerando a oportunidade de manifestação ao Tribunal Europeu em dois casos considerados emblemáticos.[23] Em ambas as situações o Tribunal manifestou-se no sentido de que a liberdade de comércio não deve ser vista em termos absolutos e que as mencionadas diretivas não excediam seus poderes, pois deveriam ser vistas sob a perspectiva de proteção do ambiente, um dos objetivos a serem perseguidos pelas Comunidades. Pode-se dizer que essa foi a primeira discussão mais expressiva sobre a relação liberdade de circulação de mercadorias e proteção do meio ambiente.
Atualmente, o número de diretivas em matéria ambiental abarcando assuntos relacionados ao desenvolvimento sustentável e consciente dos riscos com relação à saúde e o meio ambiente só aumentou. Como exemplos claros desta afirmação podem ser mencionados os seguintes exemplos: diretiva sobre uso sustentável dos pesticidas (2009/128/CE), das energias renováveis (2009/28/CE), da fabricação de pneus (2005/69/EC), da responsabilidade civil por danos ambientais (2004/35) dentre outras que serão a seguir mencionadas.
Em janeiro de 2009, após um ano e meio de debate, o Parlamento Europeu, em Estrasburgo, aprovou uma diretiva que previu a retirada do mercado de dois fungicidas ainda naquele ano e o banimento, ao longo da próxima década, de 22 substâncias químicas altamente tóxicas usadas na produção de pesticidas. Tais substâncias representam 5% das cerca de 400 atualmente utilizadas na composição dos pesticidas. Os países-membros terão até 2011 para transformar a diretiva em direito nacional.[24]
Em junho de 2010 a Comissão Européia divulgou uma série de regras que produtores e distribuidores de biocombustíveis deverão seguir para que seu produto receba a certificação de sustentabilidade do bloco. Esta exigência é válida tanto para os combustíveis produzidos nos países europeus quanto para os importados. As exigências devem entrar em vigor em dezembro próximo, juntamente com a chamada Diretiva de Energias Renováveis, que determina que esse tipo de energia deverá responder por 20% da matriz energética da União Européia (UE) em 2020 e por 10% do consumo de seu setor de transportes.[25]
A Diretiva Européia 2005/69/EC estabelece limites e sujeita os fabricantes de pneus a testes quanto aos níveis de hidrocarbonetos aromáticos policíclicos e outros compostos químicos comprovadamente causadores do câncer, mutações genéticas e risco de danos ao meio ambiente. São atingidos pela normativa: os pneus destinados à utilização em automóveis de passageiros, na agricultura, em motocicletas e em caminhões leves e pesados. Apesar de ser de 2005[26], a diretiva que teve longa trajetória (desde 1994), prevê, em seu artigo segundo, que as medidas devem ser aplicadas a partir de janeiro de 2010.
Apesar de não ser tão recente quanto às últimas, a diretiva 2004/35/CE, relativa à responsabilidade civil em termos ambientais merece destaque. Dotada de conteúdo bastante abrangente a mesma possui pontos fortes e fracos. Como ponto positivo pode-se mencionar a pretensão de proteção ao bem natural em si, diferenciando-o claramente dos demais bens e danos. Ademais, a presença da prevenção à luz da expressão “ameaça de dano a um determinado bem natural é indiscutível”. Seja explicitamente (como nos casos dos artigos 5, 18, 20) ou implicitamente, a conotação de antecipação ao dano, em oposição à reparação e compensação é notória e louvável. Assim, talvez mais do que o princípio do poluidor pagador, a prevenção, a precaução, e uma visão verdadeira de desenvolvimento sustentável, sejam os princípios que melhor se encaixem nos objetivos da diretiva.
Para Carla Amado Gomes[27], a diretiva “autonomiza” o dano ecológico. Até então, o termo dano ecológico já era bem conhecido em toda a União Européia. Entretanto, na sua eventual ocorrência, a ele se aplicava a legislação referente aos danos contra as pessoas ou contra as coisas. O dano ecológico da diretiva diferencia-se dos danos regidos pela responsabilidade civil e seus princípios, pois faz expressa menção ao bem ambiental em si e ao dano ambiental futuro, o que é inédito na legislação do bloco! A interpretação é inovadora e interessante, pois vê a responsabilidade civil por dano ambiental sob outro ponto de vista, fundamentada por uma base principiológica da prevenção e não somente da reparação.
Apesar de inovar em alguns aspectos, o ato jurídico peca ao não tratar da inversão do ônus da prova, ponto fundamental em matéria ambiental, pois a prova é geralmente o elemento prejudicial ao bem ambiental em si. Além disso, traz uma previsão desanimadora no item 20:
Os Estados-Membros podem permitir que os operadores que não tenham agido com culpa ou negligência não sejam obrigados a custear as medidas de reparação em situações em que os danos resultem de emissões ou acontecimentos expressamente autorizados, ou sempre que o potencial dano não pudesse ser conhecido à data de ocorrência do acontecimento ou emissão.
Ressalta-se que a intenção ao trazer os exemplos mencionados foi demonstrar, ainda que brevemente, o estado da arte em termos de proteção ambiental Européia por meio de diretivas e verificar se o conteúdo das mesmas equilibra interesses ambientais e econômicos. Ao que tudo indica parece que sim, resta saber como os Estados-Membros reagem a estas proposições e as internalizam. É o que se pretende demonstrar no item posterior, ou seja, qual é o papel da Comissão Européia em termos administrativos e judiciais no caso do descumprimento de uma diretiva por um Estado-Membro.
4.1. As consequências pelo descumprimento ou não transposição de uma diretiva
O sistema normativo da União Européia obedece ao princípio segundo o qual as disposições nacionais devem ser substituídas por um ato comunitário de observação obrigatória e comum a todos os Estados-Membros. São normas com caráter comunitário e de aplicabilidade quase sempre direta.
Conforme previsão no artigo 258 do Tratado de Funcionamento: “se a Comissão considerar que um Estado-Membro não cumpriu qualquer das obrigações que lhe incumbem por força dos Tratados, formulará um parecer fundamentado sobre o assunto, após ter dado a esse Estado oportunidade de apresentar as suas observações. Se o Estado em causa não proceder em conformidade com este parecer no prazo fixado pela Comissão, esta pode recorrer ao Tribunal de Justiça da União Européia”.
Ademais, qualquer Estado-Membro (consoante o artigo 259 do Tratado de Funcionamento) pode recorrer ao à Justiça, se considerar que outro Estado-Membro não cumpriu qualquer das obrigações que lhe incumbem por força dos Tratados. Evidentemente, antes de chegar ao Corte de Justiça, o Estado reclamante deve apresentar o problema à Comissão, a qual somente formulará parecer após oportunizar, ao Estado apontado como descumpridor de uma obrigação, as garantias do contraditório e da ampla defesa.
Detalhe extremamente relevante na política européia ambiental é a abertura à participação da sociedade civil no que tange ao cumprimento das regras ambientais. Da mesma forma que os Estados-Membros, os cidadãos podem argumentar junto à Comissão Européia quando um determinado projeto do seu território colidir com as obrigações ambientais comunitárias de cada estado-membro, ou, ainda, quando uma diretiva não for corretamente transposta. Tais situações podem conduzir a sérias consequências para o Estado-Membro, tais como o fim do financiamento para o projeto em causa ou, ainda, através de mecanismos judiciais, poderá ser aplicada uma pena.
É importante mencionar que ao propor uma ação ao abrigo do artigo 258, por considerar que um Estado-Membro não cumpriu a obrigação de comunicar as medidas de transposição de uma diretiva adotada de acordo com um processo legislativo, a Comissão pode, se o considerar adequado, indicar o montante da quantia fixa ou da sanção pecuniária compulsória, a pagar por esse Estado, que considere adequado às circunstâncias.
Ainda que a título exemplificativo algumas decisões da Corte de Justiça da União Européia[28] podem ser mencionadas para que se tenha ao menos uma noção de como se efetiva, na prática, toda esta previsão teórica e que consequências vem sofrendo o Estado que demora ou não transpõe uma diretiva.
Acórdãos como os da European Commission v Greece, European Commission v Spain and European Commission France (Grand Chamber) demonstram a importância da luta e da persistência da Comissão em levar o descumprimento ou não transposição das diretivas ambientais ao conhecimento dos Tribunais[29].
Os dois primeiros casos tratam das reclamações da Comissão junto à então Corte de Justiça pelos atrasos nas transposições de diretivas relativas a questões ambientais envolvendo Grécia e Espanha. Pela importância e pela atualidade dos julgados, destaca-se um trecho da decisão:
Em relação à proteção ambiental, o Tribunal reiterou os sentimentos que tinha manifestado na Comissão Européia contra a Grécia e Espanha / Comissão Européia quanto às ordens de impor pena de pagamento em caso de incumprimento da legislação comunitária do ambiente. Observou-se que, quando o incumprimento de um acórdão do Tribunal de Justiça for suscetível de prejudicar o ambiente e prejudicar a saúde humana, a proteção dos quais é, certamente, um dos objetivos ambientais da política comunitária, como resulta do artigo 174, tal violação constitui uma violação particularmente grave.[30]
O acórdão da European Commission France (Grand Chamber) envolveu a demora da transposição, pela França, de uma diretiva envolvendo organismos geneticamente modificados (caso C-121/07). Nesse caso em específico, a Corte discordou da Comissão que insistia no pagamento de uma multa pelo longo tempo de atraso na transposição da diretiva, mesmo após a França ter editado uma lei específica regulando a matéria. Para o Corte, o procedimento estabelecido no Tratado deve ser observado, mas de maneira alguma amarra ou vincula suas decisões. Para a Corte, além do adimplemento por parte do Estado-Membro ter sido satisfatório (com a tomada algumas iniciativas e posterior edição de lei), a demora na transposição da diretiva justificou-se por uma questão política, envolvendo o Parlamento. De qualquer sorte, mesmo após toda argumentação, repetindo a fala de preocupação com o meio ambiente, consoante menção nos acórdãos de Grécia e Espanha, acabou por aplicar uma pequena penalidade pecuniária a França, tendo em vista os reiterados requerimentos por parte da comissão.
Em outro recente caso, agora também com a participação da Corte Geral (GC), antiga Corte de Primeira instância, a Corte de Justiça da União Européia tratou das “Emissions Trading Scheme” [31] (emissões de gases causadores do efeito estufa na Europa).
A diretiva 2003/87, que institui um regime de licenças de emissão de gases com efeito de estufa comércio na Comunidade ([2003] JO L275/32) visa contribuir para o cumprimento dos compromissos do Protocolo de Quioto de forma mais eficaz, através de um eficiente mercado europeu de licenças de emissão de gases com efeito de estufa, com o mínimo possível de diminuição do desenvolvimento econômico e do emprego. A diretiva exige que, para cada período de cinco anos, cada Estado-Membro elabore um plano nacional de atribuição, indicando a quantidade total de licenças de emissão que tenciona atribuir no período e como se propõe atribuir. O plano deve ser baseado em critérios objetivos e transparentes, incluindo os enumerados na diretiva, e deve ser notificada à Comissão.
Em 2006, Polônia e Estônia notificaram à Comissão seus planos referentes a 2008-12. Em 2007, a Comissão decidiu que os planos nacionais eram incompatíveis com os critérios da Diretiva e que a quantidade total anual de licenças de emissão deveria ser reduzida em cerca de 28% e 48%, respectivamente. Os Estados interpuseram recursos de anulação da decisão, alegando essencialmente que a Comissão tinha ultrapassado seus poderes para rejeitar os planos. No processo T-183/07 Polônia (apoiada pela Hungria, Lituânia e Eslováquia) / Comissão e Processo T-263/07 Estônia (Apoiada pela Lituânia e Eslováquia) / Comissão (acórdão de 23 de Setembro de 2009), a GC (Segunda e Sétima Câmaras, respectivamente) anulou as decisões.
No caso da Polônia, a Corte declarou que um Estado-membro tem poder de elaboração de um plano nacional de atribuição (PNA) e de tomar as decisões no sentido de fixar as quantidades totais de distribuição de licenças. Segundo palavras da Corte: “o poder da Comissão de revisão é muito restrito”, sendo que esta pode verificar a conformidade de um plano nacional de atribuição com os critérios enumerados na diretiva e fundamentar uma decisão de rejeição que ao ato normativo não se conforme. Por fim, a Comissão teria excedido seus poderes no caso em questão.
Em relação à Estônia, a Corte declarou que a Comissão cometeu um erro de ilegalidade e ignorou o fato de que sua tarefa era analisar as escolhas feitas pelo Estado-Membro para fins de elaboração do seu plano, ao invés de dizer como os dados deveriam ser utilizados. Para o Tribunal, errou ainda a Comissão ao rejeitar o plano com base exclusiva no levantando dúvidas quanto à confiabilidade dos dados utilizados.
A Comissão recorreu da sentença argumentando que a Corte de Primeira instância estava errada na sua avaliação ao limitar seu poder de fiscalização do plano.
Como o recurso de apelação não impede novas decisões, em 11 de Dezembro, a Comissão emitiu novas decisões rejeitando mais uma vez os planos da Polônia e da Estônia sob a alegação de que eles violavam muitos dos critérios enumerados na diretiva. Desta vez, porém, a Comissão não substituiu os dados utilizados pelos Estados pelos seus próprios e não especificou limites adequados.
Tais exemplos são a concretização e o resumo de tudo o que foi abordado ao longo do trabalho. Senão vejamos: de início afirmou-se a existência de uma política de proteção ambiental Européia, o que foi demonstrado pelo avanço da consciência e da sensibilidade ambiental ao longo dos Tratados. Como complementos das mencionadas fontes originárias, destacou-se a presença de instrumentos normativos e de princípios, estes como norteadores basilares de todo o sistema protetivo. Para finalizar, optou-se por demonstrar o tratamento administrativo (Comissão Européia) e jurisprudencial dispensado à questão ambiental envolvendo as diretivas e sua (não) transposição pelos Estados-Membros. Em outras palavras, pretendeu-se elucidar a aplicabilidade e efetividade prática das mesmas, a fim de somando-se às outras fontes garantirem um nível de proteção ambiental elevado, consoante expressa previsão nos Tratados.
5. Considerações Finais
Observando-se as mudanças ocorridas em uma sociedade industrial mecanicista e antropocêntrica para uma sociedade complexa e do risco, porém, mais sensível às questões ambientais, percebe-se que a União Européia passou de uma abordagem corretora e focada em alguns problemas específicos para uma visão mais ampla, preventiva e integrada. A visão do bloco supranacional que era inicialmente de cunho unicamente econômico e financeiro, expandiu-se para abrigar também o meio ambiente e suas questões.
Pelos casos mencionados e, ressalte-se, foram escolhidos alguns, pois a previsão normativa da União Européia em termos ambientais é extensa, fica claramente demonstrada a intenção no sentido de equilibrar o desenvolvimento econômico e a proteção do meio ambiente de forma coesa e comprometida com o desenvolvimento sustentável. Conforme já mencionado, a cooperação e a integração entre países membros do bloco é a tônica da contemporânea proteção ambiental na União Européia, o que é extremamente coerente com o caráter transfronteiriço e global do meio ambiente.
Apesar das eventuais falhas que possam existir, e do longo caminho que ainda precise ser trilhado pelo bloco na busca de uma eficiente proteção ambiental, pode-se concluir que das primárias e singelas previsões das fontes originárias houve o que se pode denominar de progresso e amadurecimento.
Entretanto, é preciso racionalizar que uma proteção eficiente e eficaz do meio ambiente tem origem no desenvolvimento de um discernimento de prevenção, de precaução e não da reparação. Este papel de atuação anterior ao dano parece estar sendo bem desempenhado pelas diretivas e pela atuação da Comissão Européia, assim como da Corte que, cada vez mais menciona os princípios em seus acórdãos e reconhece que o nível de proteção ao meio ambiente precisa ser elevado. Além de constituírem-se em mecanismos de harmonização legislativa, as diretivas acabam plantando nas culturas dos Estados, quando as transpõem corretamente, uma visão global, sistêmica e sensitiva, o que é fundamental para o bem ambiental tão sensível e sujeito à irreversibilidade.
Referências
ARAGÃO, ALEXANDRA. A proteção do ambiente em rede: uma estratégia nacional, uma responsabilidade Européia. Periódico do CIEDA e do CIEJD, Portugal, n.1 junho/dezembro, 2009. Disponível em: http://www.europe-direct-aveiro.aeva.eu/debatereuropa/. Acesso em: maio de 2010.
_____________. Direito Constitucional do Ambiente da União Européia. Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. In: CANOTILHO, José Joaquin Gomes, LEITE, Morato. São Paulo: Saraiva, 2010.
BECK, Ulrich. La Sociedad del riesgo global. Madri: Siglo Vientiuno. 2002.
BIZZOTO, Márcia. Europa divulga regras para certificação de biocombustíveis. BBC. 11 de junho de 2010. Disponívelem:<http://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=certificacao biocombustiveis&id=010175100611>. Acesso em julho 2010.
CARVALHO, Délton Winter. Dano Ambiental Futuro: a responsabilidade civil por dano ambiental. Rio de Janeiro: Forense Universitária. 2008.
CASCÃO, Ana. A visão Européia sobre a água. III Ambiente e Desenvolvimento Sustentado. Anais eletrônicos. Disponível em: http://www.ieei.pt/files/GT3.pdf.
CHRISTOPH AICHER, VIVIEN DIESEL. Políticas Ambientais na Europa: Leitura a partir da perspectivado Advocacy coalition Framework. Revista de Extensão Rural, DEAER/CPGExR – CCR – UFSM, Ano XI, Jan – Dez de 2004.
ENGLE, Eric Allen. General Principles of European Environmental Law. Pennsylvania Stat Environmental Law Refdv, vol. 17, 2009.
European Commission France (Grand Chamber). Effective Implementation of Directives on Environmental Law: Re-opening the Court’s Regulatory Tool-box. Evironmental Law Review, n. 11, 2009, 2 04 – 211.
FREITAS JÚNIOR, Antonio de Jesus da Rocha. O Direito ambiental da União Européia. Biblioteca Digital Fórum de Direito Urbano e Ambiental – FDUA, Belo Horizonte, ano 5, n. 27, maio./jun. 2006. Disponível em: <http://www.editoraforum.com.br/bid/bidConteudoShow.aspx?idConteudo=35917>. Acesso em: junho de 2010.
GOMES Carla Amado. A responsabilidade civil por dano ecológico: reflexões preliminares sobre o novo regime instituído pelo DL 147/2008, de 29 de julho. Jornada de Direito do Ambiente: O que há de novo no Direito do Ambiente? Faculdade de Direito de Lisboa. 2008.
_____________. A Prevenção à Prova no Direito do Ambiente: em especial, os actos autorizativos ambientais. Coimbra Editora. Portugal. 2000.
JORDAN, A. Environment policy in the European Union: actors, institution and process. London: Earthscan Publication Ltd, 2002.
EDWARDS, Vanessa. European Court of Justice. Significant Environmental Cases-2009. Journal of Environmental Law, 22:1, 2010. Published by Oxford University Press. Disponível em: < http://jel.oxfordjournals.org at Universidade do Vale dos Rio dos Sinos> Acesso em: maio, 2010.
KLAUS, Dieter Borchardt O ABC do direito comunitário. Luxemburgo: Serviço das Publicações Oficiais das Comunidades Européias, 2000. ISBN 92-828-7807-4. Disponível em: <ec.europa.eu/publications/booklets/eu_documentation/…/txt_pt.pdf>. Acesso em: junho de 2010.
LUHMANN, Niklas. Ecological communication. Cambridge, Chicago University Press, 1989.
SOARES, Guido Fernando Silva. Direito Internacional do Meio Ambiente: emergências, obrigações e responsabilidades. São Paulo: Atlas, 2001.
[1] Europa – Portal da União Européia. Disponível em: <http://europa.eu/pol/env/index_pt.htm>. Acesso em junho de 2010.
[2] SOARES, Guido Fernando Silva. Direito Internacional do Meio Ambiente: emergências, obrigações e responsabilidades. São Paulo: Atlas, 2001, p. 43.
[3] CHRISTOPH Aicher; VIVIEN Diesel. Políticas Ambientais na Europa: leitura a partir da perspectiva do Advocacy coalition Framework. Revista de Extensão Rural, DEAER/CPGE – CCR – UFSM, Ano XI, /janeirodezembro de 2004, p. 12.
[4] FREITAS JÚNIOR, Antonio de Jesus da Rocha. O Direito ambiental da União Européia. Biblioteca Digital Fórum de Direito Urbano e Ambiental – FDUA, Belo Horizonte, ano 5, n. 27, maio./jun. 2006. Disponível em: <http://www.editoraforum.com.br/bid/bidConteudoShow.aspx?idConteudo=35917>. Acesso em: maio de 2010.
[5] JORDAN, A. Environment policy in the European Union: actors, institution and process. London: Earthscan Publication Ltd., 2002. p. 37-52.
[6]Tratado de Amsterdan encontra-se disponível no site: http://europa.eu/legislation_summaries/institutional_affairs/treaties/amsterdam_treaty/a15000_pt.htm.
[7] ARAGÃO, ALEXANDRA. A proteção do ambiente em rede: uma estratégia nacional, uma responsabilidade Européia. Periódico do CIEDA e do CIEJD, n.1 junho/dezembro, 2009. Disponível em: http://www.europe-direct-aveiro.aeva.eu/debatereuropa/. Acesso em: junho 2010.
[8] ARAGÃO, Alexandra. A proteção do ambiente em rede: uma estratégia nacional, uma responsabilidade européia. p. 49-50.
[9] LUHMANN, Niklas. Ecological Communication. Cambridge, Chicago University Press. 1989.
[10] Maiores informações disponíveis em: http://europa.eu/scadplus/glossary/natura_pt.htm. Acesso em 05/2010.
[11] O comércio europeu de licenças de emissões (CELE) foi criado pela Diretiva 2003/87, que foi alterada pelas diretivas 2004/101, 2008/101 e pelo regulamento 219/2009.
[12] CASCÃO, Ana. A visão Européia sobre a água. III Ambiente e Desenvolvimento Sustentado. Disponível em:<http://www.ieei.pt/files/GT3.pdf>. Acesso em maio de 2010. Ainda, segundo apontamentos da autora, “desde os anos 70 (período de forte conscientização ambiental) a Comunidade Européia começou a definir alguns objetivos relativamente à proteção dos recursos hídricos dentro das fronteiras do espaço europeu. A política hídrica na Europa tem cerca de 30 anos de existência e, a partir de meados da década de 90, as diversas políticas foram sendo reformuladas, de forma a incorporar visões mais latas e globais (…) inserindo a problemática dos recursos hídricos num contexto mais lato de preservação dos recursos naturais comuns e promoção de uma cultura de desenvolvimento sustentável”.
[13] A diretiva na íntegra encontra-se disponível no site: http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:32000L0060:PT:HTML. Acesso em maio de 2010.
[14] A transferência dos resíduos sólidos na União Européia está normatizada pelo Regulamento 1013/2006.
[15] GOMES, Carla Amado. A Prevenção à Prova no Direito do Ambiente: em especial, os actos autorizativos ambientais. Coimbra Editora. Portugal. 2000.
[16] Beck, Ulrich. La Sociedad del riesgo global. Madri: Siglo Vientiuno. 2002, p. 5.
[17] CARVALHO, Délton Winter. Dano Ambiental Futuro: a responsabilidade civil por dano ambiental. Rio de Janeiro: Forense Universitária. 2008, p. 13 14.
[18] Diretiva sobre a avaliação de impacto ambiental, na diretiva que estabelece o licenciamento ambiental; na diretiva-quadro da água e na diretiva-quadro dos resíduos.
[19] ARAGÃO, A proteção do ambiente em rede: uma estratégia nacional, uma responsabilidade européia . p. 70.
[20] ARAGÃO, Alexandra. Direito Constitucional do Ambiente da união Européia. Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. CANOTILHO, José Joaquin Gomes, LEITE, Morato. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 65.
[21] KLAUS, Dieter Borchardt . O ABC do direito comunitário. Luxemburgo: Serviço das Publicações Oficiais das Comunidades Europeias, 2000. ISBN 92-828-7807-4. Disponível em: ec.europa.eu/publications/booklets/eu_documentation/…/txt_pt.pdf. Acesso em 06/2010.
[22] ENGLE, Eric Allen. General Principles of European Environmental Law. October, 2008. Pennsylvania Stat Environmental Law Refdv, Vol. 17, 2009, pp. 215-224. Disponível em: <http://ssrn.com/abstract=1283791>.
[23] Caso 240/83 – não transposição, pela França, de uma diretiva sobre eliminação desregrada de óleos usados. Decisão disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/smartapi/cgi/sga_doc?smartapi!celexplus!prod!CELEXnumdoc&numdoc=61983J0240&lg=en>. Caso 302/86 – conhecido como “Garrafas Dinamarquesas”. Disponível em: <http://eurlex.europa.eu/smartapi/cgi/sga_doc?smartapi!celexplus!prod!CELEXnumdoc&lg=en&numdoc=61986J0302>.
[24]Diretiva 2009/28 do Parlamento Europeu. disponível em: <http://eur-ex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do? uri=OJ:L:2009:309:0071:0086:PT:PDF>. Acesso em julho de 2010.
[25] BIZZOTO, Márcia. Europa divulga regras para certificação de biocombustíveis. BBC. Publicado em 11 de junho de 2010. Disponível em: http://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=certificacao-biocombustiveis&id=010175100611. Acesso em julho 2010.
[26] Diretiva 2005/69 do Parlamento Europeu. Disponível em: http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2005:323:0051:0054:pt:PDF.. Acesso em: julho de 2010.
[27] GOMES Carla Amado. A responsabilidade civil por dano ecológico: reflexões preliminares sobre o novo regime instituído pelo DL 147/2008, de 29 de julho. Jornada de Direito do Ambiente: O que há de novo no Direito do Ambiente? .Faculdade de Direito de Lisboa. 2008, p. 5.
[28] Com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, em primeiro de dezembro de 2009, A Corte de Justiça da Comunidade Européia passou a chamar-se Corte de Justiça da União Européia e a Corte de Primeira Instância passou a denominar-se Corte Geral. “With the entry into force of the Lisbon Treaty on 1 December 2009, the Court of Justice of the European Communities became the Court of Justice of the European Union (CJEU) and the Court of First Instance became the General Court (GC).
[29] European Commission France (Grand Chamber). Effective Implementation of Directives on Environmental Law: Re-opening the Court’s Regulatory Tool-box. Evironmental Law Review, n. 11, 2009, 2 04 – 211.
[30] In relation to environmental protection, the Court reiterated the sentiments it had expressed in European Commission v Greece and European Commission v Spain when imposing penalty payment orders for failure to comply with Community environmental law. It noted that where failure to comply with a judgment of the Court is likely to harm the environment and endanger human health, the protection of which is, indeed, one of the Community’s environmental policy objectives, as apparent from Article 174 EC, such a breach is a particularly serious breach.
[31] EDWARDS, Vanessa. European Court of Justice. Significant Environmental Cases-2009. Journal of Environmental Law, 22:1, 2010. Published by Oxford University Press. Disponível em:< http://jel.oxfordjournals.org at Universidade do Vale do Rio dos Sinos> Acesso em: maio de 2010.