quinta-feira , 21 novembro 2024
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Aspectos ambientais da regularização fundiária urbana

por Fellipe Duarte.

I – INTRODUÇÃO

É sabido que, desde os tempos idos, as cidades brasileiras têm crescido e se desenvolvido de maneira irregular, seja do ponto de vista imobiliário registral, seja do ponto de vista ambiental.

Desta forma, existem diversas ocupações em topos de morros e margens de rios, situação que se consolidou ao longo do tempo.

Diante disso, para conferir o direito social à moradia a população destas localidades, a legislação vem amadurecendo no sentido de permitir que os interessados realizem a regularização fundiária destes imóveis.

Neste sentido, torna-se relevante demonstrar alguns aspectos ambientais envolvidos no curso da regularização fundiária de imóveis.

Em seguida, após um breve histórico, serão traçados alguns aspectos ambientais atuais acerca da regularização fundiária.

II – HISTÓRICO

Inicialmente, a Resolução CONAMA nº 369/2006 inovou ao permitir a regularização das construções em áreas de baixa renda predominantemente residenciais e nas áreas situadas em Zonas de Especial Interesse Social (Zeis), desde que inseridas em áreas urbanas consolidadas até 10 de julho de 2001.

A Resolução estabelecia, ainda, em seu art. 9º, VI, que deveria ser apresentado, pelo Poder Público Municipal, de Plano de Regularização Fundiária Sustentável que contemplasse diversos estudos, como especificação dos sistemas de infraestrutura urbana, saneamento básico, coleta e destinação de resíduos sólidos, outros serviços e equipamentos públicos, áreas verdes com espaços livres e vegetados com espécies nativas que favoreçam a infiltração de água de chuva e contribuam para a recarga dos aquíferos, dentre outros.

Depois veio a Lei Federal nº 11.977/2009, que estabeleceu uma série de possibilidades de regularização fundiária nas chamadas áreas urbanas consolidadas, tratadas em seu Capítulo III, atualmente revogado pela Lei nº 13.465/2017. Posteriormente, a Lei nº 12.651/2012, o chamado Novo Código Florestal, passou a tratar de questões ambientais relativas à regularização de imóveis em alguns de seus dispositivos.

Mais recentemente, surgiu a Lei nº 13.465/2017, que simplificou o procedimento de regularização fundiária, trazendo o instrumento da Reurb, bem como fazendo referência a algumas questões ambientais, como é o caso da regularização fundiária de imóveis que englobam áreas de preservação permanente.

Em sequência, passa-se a analisar a regularização fundiária de imóvel e alguns de seus aspectos ambientais.

III – ASPECTOS AMBIENTAIS DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA

A Reurb, instrumento trazido pela Lei nº 13.465/2017, grosso modo, é um procedimento simplificado de regularização fundiária que visa identificar e regularizar núcleos urbanos informais, de forma a ampliar o acesso à terra urbanizada pela população e a garantir o direito social à moradia digna e às condições de vida adequadas.

A Reurb tem, dentre seus objetivos, “identificar núcleos urbanos informais que devam ser regularizados, organizá-los e assegurar a prestação de serviços públicos aos seus ocupantes, de modo a melhorar as condições urbanísticas e ambientais em relação à situação de ocupação informal anterior” (art. 10, I, da Lei nº 13.465/2017).

Atualmente, a Lei nº 13.465/2017 trouxe duas modalidades de regularização fundiária, quais sejam: a regularização fundiária de interesse social (Reurb-S), que é destinada aos núcleos urbanos informais ocupados predominantemente por população de baixa renda, assim declarados pelo Poder Executivo Municipal; e a regularização fundiária de interesse específico (Reurb-E), que se aplica a núcleos urbanos informais ocupados por população não qualificada de baixa renda.

O procedimento da Reurb se dará no âmbito municipal e, ao final, cumpridas todas as exigências previstas na Lei nº 13.465/2017, o Município expedirá a chamada Certidão de Regularização Fundiária – CRF, documento este que será levado a registro no cartório de registro de imóveis competente.

Quanto ao procedimento da Reurb, a lei deu tratamento específico àqueles núcleos urbanos informais situados, total ou parcialmente, em área de preservação permanente ou em área de unidade de conservação de uso sustentável ou de proteção de mananciais definidas pela União, Estados ou Municípios.

Nestes casos, a Reurb observará o constante nos arts. 64 e 65 da Lei nº 12.651/2012, situação em que se torna obrigatória a elaboração de estudos técnicos, no âmbito da Reurb, que justifiquem as melhorias ambientais em relação à situação de ocupação informal anterior, inclusive por meio de compensações ambientais, quando for o caso (art. 11, §2º, da Lei 13.465/2017).

Nestes casos, permite a lei que autoridades licenciadoras exijam contrapartidas e compensações urbanísticas e ambientais, através de termo de compromisso com força de título executivo extrajudicial, termos estes que deverão fazer parte da Certidão de Regularização Fundiária, a ser expedida pelo Município ao final do procedimento da Reurb.

Ainda, no que diz respeito à regularização de núcleos informais que ocupam Áreas de Preservação Permanente, a regularização fundiária será admitida através da aprovação do projeto de regularização fundiária, que deverá incluir estudo técnico que demonstre a melhoria das condições ambientais em relação à situação anterior.

A Lei nº 12.651/2012 estabelece os requisitos mínimos do estudo técnico, que diferem de acordo com a modalidade da Reurb pretendida. Alguns destes requisitos já eram exigidos pela Resolução CONAMA nº 369/2006.

Na Reurb-S, o estudo técnico deverá conter os seguintes requisitos: “I – caracterização da situação ambiental da área a ser regularizada; II – especificação dos sistemas de saneamento básico; III – proposição de intervenções para a prevenção e o controle de riscos geotécnicos e de inundações; IV – recuperação de áreas degradadas e daquelas não passíveis de regularização; V – comprovação da melhoria das condições de sustentabilidade urbano-ambiental, considerados o uso adequado dos recursos hídricos, a não ocupação das áreas de risco e a proteção das unidades de conservação, quando for o caso; VI – comprovação da melhoria da habitabilidade dos moradores propiciada pela regularização proposta; e VII – garantia de acesso público às praias e aos corpos d’água” (art. 64, §2º, da Lei nº 12.651/12).

Na Reurb-E, o estudo técnico conterá: “I – a caracterização físico-ambiental, social, cultural e econômica da área; II – a identificação dos recursos ambientais, dos passivos e fragilidades ambientais e das restrições e potencialidades da área; III – a especificação e a avaliação dos sistemas de infraestrutura urbana e de saneamento básico implantados, outros serviços e equipamentos públicos; IV – a identificação das unidades de conservação e das áreas de proteção de mananciais na área de influência direta da ocupação, sejam elas águas superficiais ou subterrâneas; V – a especificação da ocupação consolidada existente na área; VI – a identificação das áreas consideradas de risco de inundações e de movimentos de massa rochosa, tais como deslizamento, queda e rolamento de blocos, corrida de lama e outras definidas como de risco geotécnico; VII – a indicação das faixas ou áreas em que devem ser resguardadas as características típicas da Área de Preservação Permanente com a devida proposta de recuperação de áreas degradadas e daquelas não passíveis de regularização; VIII – a avaliação dos riscos ambientais; IX – a comprovação da melhoria das condições de sustentabilidade urbano-ambiental e de habitabilidade dos moradores a partir da regularização; e X – a demonstração de garantia de acesso livre e gratuito pela população às praias e aos corpos d’água, quando couber” (art. 65, §1º, da Lei nº 12.651/2012).

Caso a Reurb abranja área de unidade de conservação de uso sustentável passível de regularização, a lei exige a anuência do órgão gestor da unidade, desde que o estudo técnico comprove que essas intervenções de regularização fundiária implicam a melhoria das condições ambientais em relação à situação de ocupação informal anterior (art. 11, §3º, da Lei nº 13.465/2017).

No que concerne a ocupação em áreas de risco, vale lembrar que não obstante a proibição expressa do Código Florestal (art. 65, caput), a questão deve ser observada em consonância com o art. 39 da Lei nº 13.465/2017, de forma a se permitir a regularização fundiária em áreas de risco, mediante realização de estudos técnicos, desde que haja a possibilidade de eliminação, correção ou administração de riscos na parcela por eles afetada.

É importante ainda salientar que cabe ao Município o licenciamento urbanístico do projeto, podendo também ser o licenciador ambiental, desde que o impacto do projeto seja local. De forma que o art. 12 da Lei nº 13.465/2017 estabelece que a aprovação municipal da Reurb “corresponde à aprovação urbanística do projeto de regularização fundiária, bem como à aprovação ambiental, se o Município tiver órgão ambiental capacitado”.

Considera-se, para efeitos da lei, órgão ambiental capacitado o órgão que possua em seus quadros ou à sua disposição profissionais com atribuição técnica para a análise e aprovação dos estudos técnicos, independentemente da existência de convênio com os Estados ou a União (art. 12, §1º, Lei nº 13.465/2017).

Lado outro, não dispondo o Município de capacidade técnica para a aprovação dos estudos, a aprovação ambiental da Reurb poderá ser feita pelos Estados (art. 12, §4º), respeitada sempre a competência para o licenciamento urbanístico do Município.

Outra questão a ser observada é que, no que diz respeito aos rios federais, naqueles considerados navegáveis, a União possui uma faixa de domínio de 15 m em cada lado, a partir das linhas médias das enchentes ordinárias (LMEO), com base nos arts. 1º e 4º do Decreto-Lei nº 9.760/1946. Nestes casos, deve haver participação da Secretaria do Patrimônio da união na regularização.

E finalmente, é importante verificar o limite temporal para a regularização de ocupações em áreas de preservação permanente.

Neste ponto, é preciso dizer que com a introdução dos arts. 64 e 65 do Código Florestal, permitiu-se a regularização de ocupações em áreas de preservação permanente urbanas sem, no entanto, deixar explicitado um limite temporal que indicasse as construções passíveis de regularização.

As legislações pretéritas – Resolução CONAMA nº 369/06 e Lei nº 11.977/2009 – estabeleceram marcos temporais que não podem ser levados em conta, pois estas legislações atualmente encontram-se revogadas.

Diante desta omissão, em que pese entendimentos outros, deve-se levar em consideração o entendimento trazido pela 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, segundo o qual o marco temporal deve ser fixado na data da vigência do Novo Código Florestal, em 28 de maio de 2012.

Os motivos que levam a este entendimento passam pela interpretação do art. 8º, §4º, da Lei nº 12.651/2012, que esclarece que “Não haverá, em qualquer hipótese, direito à regularização de futuras intervenções ou supressões de vegetação nativa, além das previstas nesta lei”.

 Salienta-se ainda que “apesar de o art. 11, §2º, da Lei Federal nº 13.465/2017 fazer remissão expressa apenas aos arts. 64 e 65 do Novo Código Florestal ao tratar da Reurb em APP, o escopo da lei foi, claramente, manter incólumes os preceitos da referida lei ambiental, inclusive não tendo revogado o dispositivo supracitado”[1].

De forma que o melhor entendimento é a possibilidade de se considerar o marco temporal do código florestal, levando-se em conta que a entrada em vigor da Lei nº 13.465/2017 em nada modificou o marco temporal trazido pelo código florestal.

Por fim, é louvável o fomento à regularização fundiária de imóveis, de maneira a garantir o direito social à moradia aos ocupantes de núcleos informais consolidados. No entanto, as questões ambientais que envolvem o procedimento, sobretudo no que diz respeito a ocupação em áreas de preservação permanente, têm de ser analisadas de forma restritiva, de maneira a não se incentivar novas ocupações em áreas de proteção permanente, sob pena de afronta ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

 

Nota:

[1] Brasil. Ministério Público Federal. Câmara de Coordenação e Revisão. Regularização fundiária urbana em áreas de preservação permanente. 4ª Câmara de Coordenação e Revisão, Meio Ambiente e Patrimônio Cultural. Brasília: MPF, 2017. Disponível em < http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr4/dados-da-atuacao/publicacoes/roteiros-da-4a-ccr/05_18_Manual_de_Atuao_APP_ONLINE.pdf>

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Fellipe Duarte
Advogado com especialização em Advocacia Imobiliária, Urbanística, Registral, Notarial (UNISC) e em Direito Ambiental (UFPR), membro do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (IBRADIM), da União Brasileira da Advocacia Ambiental (UBAA) e das Comissões de Meio Ambiente e de Direito Imobiliário da OAB/MG, subseção de Juiz de Fora/MG.

 

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