por Adalberto Arruda Silva Júnior.
A tradicional festa popular nordestina da vaquejada encontra-se hoje em julgamento no Supremo Tribunal Federal – STF, para decidir sobre sua constitucionalidade legalidade, diante a ação movida pelo Ministério Público Federal de ser evento que implica tortura e maus-tratos aos animais e fere á legislação protetiva do Meio Ambiente, o que acontecia em outras festividades populares com a participação de animais, a exemplo de Rinhas de Galo e da Farra do Boi, hoje corretamente proibidas em todo o Brasil.
Assim sendo, esta interessante festa popular e marca da tradição cultural nordestina de ampla atração nesta região Nordeste, embora não implique necessariamente em maus-tratos, tortura ou morte de animais e o seu grande apoio popular, importância econômica e atrativo turístico, corre o risco de acabar por decisão de nossa suprema corte judicial, no que pese constituir ativo cultural e histórico já incorporado ao patrimônio cultural do povo brasileiro.
A vaquejada é modalidade de esporte típica da vida, eis que, a exemplo do hipismo e do turfe, envolve a participação conjunta do homem (ou mulher) e do cavalo e do boi simultaneamente. Como esporte, os cavaleiros competem em duplas, montados seus cavalos belos e com arreios caprichados e bem cuidados, e disputam correndo em raia de aproximadamente 50,00 m a 80,00 m de comprimento, com terreno limpo e macio, onde procuram derrubar o garrote ou touro que parte celeremente da porteira de saída buscando escapar da perseguição dos cavalos. A derribada do boi é feita mediante puxada pelo rabo, a ser realizada até o limite final da pista. Ao lado da pista, acomodam-se os expectadores sentados em camarotes e nas bancos sobrepostas, onde ficam torcendo por seus cavaleiros favoritos. Após a competição, a festa continua com exibições musicais, comidas típicas, danças e alegre confraternização humana.
Muito diferente é o que se passa nos casos com a “Rinha de Galo” e da “Farra do Boi”, onde os animais são vítimas de sadismo, violência e morte, repetindo tradições culturais bárbaras, e que a atual civilização e a ética da paz e do respeito à vida não mais comportam. Muito justa e oportuna a proibição daqueles espetáculos de barbaridade, violência e morte cruel de animais, muito diferentes e que não podem ser confundidos com nossa vaquejada.
Ademais e “mutatis mutandis”, para vegetarianos radicais, violência maior e morte gratuita e eticamente discutível é o que ocorre no abate em massa de animais nos matadouros especializados para atender à demanda de carne para consumo, satisfação e gozo consciente ou inconsciente da grande maioria dos humanos, e sendo tudo praticado sob regulação e proteção legal.
Em nossas vaquejadas jamais se mata ou se fere propositadamente os animais. Diferentemente, o garrote participante é protegido pelos competidores como ocorre em diversas forma de esporte, e são também objeto de admiração dos expectadores. Exige-se obrigatoriamente que participem apenas animais machos, jovens, sarados e velozes, capazes de fugir e escapar da destreza do cavalo e do vaqueiro na rinha de corrida de distância limitada, não devendo haver qualquer forma de brutalidade com os animais.
É uma competição esportiva e festiva, ética e legalmente regulada entre o homem montado a cavalo e o garrote veloz e forte, em bonita e emocionante exibição de velocidade, beleza física e destreza. A vaquejada restaura também a prática de cultura tipicamente nordestina de pastoreio, busca e recolhimento da rês tresmalhada criada e pastando livremente nos campos sem cerca dos sertões nordestinos, e que são recolhidas periodicamente para arraçoamento em cocho em currais de contenção, utilizando-se palma forrageira e resíduos de outras plantas xerófilas, nas épocas das secas comuns naquela região.
O grande sociólogo e historiador Gilberto Freire dizia que os grandes mitos históricos do nordeste brasileiro são dois: o jangadeiro do litoral e o vaqueiro do sertão. O jangadeiro, senhor de sua jangada de madeira leve artesanalmente construída, movida pelo vento com vela de pano simples que ele maneja, singrando por mares às vezes revoltos, para a pesca de peixes para venda ao mercado consumidor e sustento de sua família. O vaqueiro, montado a cavalo e com chapéu e roupa de couro de boi, penetrando indômito e veloz nos campos inóspitos, na busca de animais bravios e perdidos em áreas desérticas do sertão nordestino, cobertas de vegetação arbórea ou arbustiva e espinhosa de pequeno porte, como a catingueira e o umbuzeiro, ou por cactáceas. Nesse trabalho, impunha-se ao vaqueiro juma quase heroica disposição de assumir riscos e de destreza, coragem e trabalho, e sobretudo uma discreto sentido de honra no cumprimento do seu dever profissional de trazer a rês tresmalhada sã e salva, para o curral de controle e arraçoamento de salvação.
Essa é a origem histórica da vaquejada nordestina, hoje transformada em festa popular, associando a apresentação do espetáculo de pega e derrubada do boi e a beleza dos cavalos, normalmente da raça Quarto de Milha, possantes, velozes na partida e bem cuidados e arriados, como a perícia do vaqueiro e também a sanidade e beleza e velocidade dos garrotes para a corrida competitiva.
Trata-se deforma celebração interativa de vivência histórica ainda bem presente na memória e na vida rural nordestina. É ato social festivo e integrativo e de grande beleza estética e de expressão autêntica da nossa cultura popular. Esporte, música, dança, aproximação humana e comidas típicas regionais.
E, repita-se, nada existe ali de condenável violência e desprezo pelos animais, como ocorre nas Rinhas de Galo eFarra do Boi,ou nas famosas “Touradas de Madri”, onde os bois são torturados e mortos, gratuito e covardemente. Nada disso ocorre em nossa vaquejada.
Importante destacar que houve nos últimos anos, um forte e inegável aprimoramento disciplinar e organizacional nessa prática desportiva, como no tocante à sua programação, controle oficial, organização econômica e disciplina regulamentar, principalmente, quanto à proteção da saúde e do bem-estar dos animais envolvidos no desporto. Impõe-se licença prévia na administração pública municipal e autorização da autoridade policial pertinente, onde são apresentadas e registradas inclusive as regras que tratam da escolha, tipificação, alojamento, alimentação e tratamento dos animais, que todos estão adequadamente preparados, e estipulação da raça, idade, condições de sanidade, bem como as regras e práticas recomendadas e toleradas para a realização do espetáculo, com a proibição de qualquer forma de maus-tratos.
Destarte, como já mencionado, não é jamais permitido qualquer tipo mau-trato ou agressão despropositada aos animais, tanto aos cavalos quanto no bois envolvidos na prática desportiva. Qualquer tipo agressão, como usar esporas afiadas que possam eventualmente causar lesão aos cavalos, ou mesmo açoitar cruelmente o cavalo, enseja imediata desclassificação do desportista envolvido.
Finalmente, frise-se ainda, que esta sadia e alegre manifestação telúrica e típica do povo do nordeste brasileiro, é louvada e apreciada pela população interiorana regional, e cantada amplamente em prosa e verso em toda a Região. Assim, as aventuras e saga das vaquejadas são louvadas e cantadas pelos conhecidos repentistas e cantadores regionais, como por artistas de projeção midiática nacional, a exemplo de Luis Gonzaga e do famoso grupo musical pernambucano, o Quinteto Violado.
Assim a vaquejada é um espetáculo esportivo e uma festa popular que se evidencia também como autêntica expressão telúrica da rica diversificação cultural das diversas macro-regiões do Brasil, nada incorrendo em práticas de vilipêndio, tortura ou morte de animais, e já incorporada ao admirável patrimônio cultural nordestino e brasileiro. Ao invés de proibida, o que se deve é melhor regulação e adequada proteção legal, bem como apoio e promoção como modalidade de esporte rural saudável e por sua importância econômica e social e alegre e consagrada festividade de nosso povo.
Adalberto Arruda Silva Júnior é Advogado do Escritório Nelson Wilians & Advogados Associados – Filial Recife – PE, Engenheiro Florestal, Pós-Graduado em Conservação do Solo e Meio Ambiente pela UFRPE, Pós-Graduado em Direito Público pela Escola Superior da Magistratura do Estado de Pernambuco – ESMAPE , Membro da Comissão de Meio Ambiente da OAB-PE (2012-2015).