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Sobrecarga do rio Jacuí reacende debate sobre extração de areia no Guaíba

 

Samir Oliveira

Há pelo menos nove anos o Rio Jacuí vem sendo utilizado intensamente para a extração de areia. De fato, o delta é o principal fornecedor do minério para a Região Metropolitana de Porto Alegre. Atualmente, existem cerca de 110 dragas licenciadas operando ao longo dos 800 quilômetros de extensão do rio. E a retirada de areia vem crescendo exponencialmente, acompanhando a intensa demanda pelo material – que aumenta devido aos investimentos em construção civil e às obras da Copa do Mundo de 2014.

De acordo com a superintendência do Departamento Nacional de Pesquisa Mineral (DNPM) no Rio Grande do Sul, em 2010 foram extraídas 3,6 milhões de toneladas de areia do Jacuí. Em 2011, o volume subiu para 7,1 milhões de toneladas – o que representou praticamente a metade da produção de areia em todo o estado nesse ano, que foi de 14,3 milhões de toneladas.

Recentemente, uma série de reportagens da RBS TV e da Rádio Gaúcha flagrou a extração ilegal de areia no Rio Jacuí, com dragas clandestinas operando de madrugada, próximas à margem, quando a legislação estipula uma distância mínima de 50 metros.

De acordo com o DNPM, em 2010 foram extraídas 3,6 milhões de toneladas de areia do Jacuí | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Em 2012, a Polícia Federal (PF) realizou pelo menos duas ações coibindo a atividade ilegal na região. Em junho, a operação Força Verde recolheu uma draga sem licença para atuação com 200 m³ de areia. Em outubro de 2011, outra batida identificou 30 embarcações que faziam extração ilegal no leito do Jacuí, na área que fica entre Porto Alegre e General Câmara.

A denúncia das atividades clandestinas impactou o mercado da extração de areia no Rio Grande do Sul, que, especialmente no Rio Jacuí, é dominado por três grandes empresas: SMARJA, SOMAR e ARO. Diante da repercussão dos casos de atividades ilegais, a entidade representativa do setor, a Agabritas, divulgou uma nota ressaltando que condena fortemente as operações clandestinas e que todas as 14 empresas registradas no estado atuam na legalidade.

Em 2011, empresas do setor divergiam quanto ao interesse pelo Guaíba

Até 2003, o Guaíba – popularmente conhecido como rio e cientificamente classificado como lago – era utilizado para a extração de areia. Uma ação da ONG Mar de Dentro Ambiente e Educação, protocolada em 2001, conseguiu suspender a atividade no local.

Apesar de ter sido derrotada em segunda instância, a ação foi vitoriosa no primeiro grau da Justiça Federal ao comprovar que as dragas atuavam mediante licenças provisórias e não estavam operando de acordo com o sistema de concessão de lavras, conforme é previsto pelo regime de mineração do governo federal.

Cerca de 500 pedidos de exploração comercial do Guaíba estão registrados junto ao DNPM | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Com a proibição, as empresas do setor migraram fortemente para o Jacuí. Mas, desde então, mantêm a intenção de retomar a exploração no Guaíba.

O DNPM informa que há cerca de 500 pedidos feitos por empresas interessadas em explorar comercialmente o Guaíba. O departamento tem o poder de liberar as empresas para que realizem pesquisas no lago, com a finalidade de verificar seu potencial para a extração mineral.

Entretanto, esses pedidos estão parados, já que, para realizar as pesquisas, as empresas dependem de um estudo ecológico-econômico que precisa ser elaborado pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam). Enquanto o setor reclama da ineficiência do órgão, que até agora sequer contratou o estudo, a Fepam argumenta que qualquer abertura do Guaíba para exploração mineral deve ser precedida de uma análise detalhada.

Em 2011, a SMARJA – terceira maior empresa do setor no estado – deflagrou uma campanha pública pela utilização do Guaíba na extração mineral. Em uma entrevista ao Jornal do Comércio, na época, o diretor-presidente da empresa chegou a dizer que havia areia para “2 mil anos” no lago.

A campanha da SMARJA ocorreu à revelia da Agabritas, que afirmou se tratar de uma reivindicação da empresa, não do setor. Na ocasião, a SMARJA detinha 34 jazidas, das quais um terço estava em repouso, devido à exigências ambientais. A empresa já possuía, em 2011, um estudo sobre a viabilidade da atividade no Guaíba, tendo, com isso, identificado pelo menos 77 jazidas no local.

Carlos Fernando Niedersberg

“Não podemos cair na pressão para resolver problema do Jacuí, achando que solução é liberar Guaíba a qualquer preço”, diz Carlos Fernando Niedersberg | Foto: ASCOM / SEMA-RS

Fepam estuda mudanças para melhorar fiscalização

Com deficiência de quadros técnicos para realizar a fiscalização da extração de areia no Rio Grande do Sul, a Fepam estuda duas alternativas para melhorar o acompanhamento feito em relação às empresas que atuam lealmente no setor.

Atualmente, todas as dragas da iniciativa privada possuem um GPS, o que possibilita o acompanhamento em tempo real pelo órgão de controle. Entretanto, o aparelho possui imprecisões que tornam incerta a localização exata das máquinas.

O presidente da Fepam, Carlos Fernando Niedersberg, conta que o GSP possui uma margem de erro de até 15 metros. Na prática, isso pode conduzir os fiscais ao engano, pois uma draga pode estar operando ilegalmente, a 35 metros da costa de um rio, e o aparelho, ainda assim, estará demarcando 50 metros – o limite mínimo estipulado por lei.

Diante dessa situação, a Fepam já comunicou as empresas que elas devem trocar o GPS, instalando um aparelho mais eficiente, que custaria cerca de R$ 70 mil. Caso isso não ocorra em até 30 dias, o órgão público irá aumentar o limite mínimo para exploração das jazidas, que passará a ser de 75 metros a partir da margem de um rio.

Sobre a fiscalização da extração ilegal de areia – que não recai sobre as empresas licenciadas –, a Fepam afirma que sua atuação deve ocorrer em conjunto com a Polícia Federal. “A atividade criminosa tem que ser proibida por ações integradas entre a Fepam e a PF. Nessa atividade de fiscalização, é indispensável o suporte policial. Não sabemos o que vamos encontrar ao fiscalizar uma draga que opera de madrugada, com as luzes apagadas. Jamais permitiria que um técnico da fundação fizesse essa vistoria sozinho”, diz Niedesberg.

Governo gaúcho garante já ter recursos para estudo de viabilidade para exploração mineral do Guaíba

Postergado desde 2003 devido à falta de verbas, o estudo de viabilidade para exploração mineral do Guaíba será contratado em breve, garante a Fepam. O presidente da entidade informa que obteve R$ 30 milhões do fundo de recursos hídricos do estado, dos quais até R$ 2 milhões serão empregados para contratar o estudo técnico, que será selecionado mediante licitação.

“Não podemos cair na justa pressão para que se resolva o problema do Jacuí, achando que a solução é liberarmos o Guaíba a qualquer preço. Para que isso aconteça, é imprescindível o zoneamento ecológico-econômico”, entende o presidente da Fepam.

Carlos Fernando Niedesberg explica que o trabalho irá levar em conta a hidrodinâmica do Guaíba e a qualidade do sedimento depositado no lago. “Existe uma grande possibilidade de que haja metais pesados e tóxicos no fundo do Guaíba. Se isso for verificado, a atividade de mineração nesses locais iria revolver a areia e liberar essas toxinas na água”, alerta.

O presidente da Fepam garante que as empresas só poderão operar no Guaíba dentro do que for estipulado pelo zoneamento ecológico. “Não terá choro nem vela que faça com que se extraia areia fora do que for estipulado pelo estudo. Não podemos permitir um novo Jacuí piorado”, defende.

“Setor da mineração precisa ser mais iluminado”, defende biólogo

Professor da Unisinos e ex-diretor da Fepam, o biólogo Jackson Müller acredita que as empresas regularizadas que atuam na extração de areia têm condições de exercer maior controle sobre os abusos que ocorrem no setor. “É muito difícil de se rastrear financeiramente esse mercado, que é muito disputado e tem um monopólio concentrado em três grandes empresas. O comércio precisa ser mais qualificado. Atualmente, ou se submete-se ao sistema imposto pela estrutura dominante, ou se vai para a clandestinidade”, afirma.

Ferramentas para controle da extração de areia são “precárias e subjetivas”, critica Jackson Müller | Foto: Almir Dupont/PMBG

O professor reconhece a diferença entre a extração legal e a extração criminosa, mas explica que, mesmo sobre a atividade regularizada, os mecanismos de controle poderiam ser mais eficientes. “Não se sabe se a atividade de extração mineral está sendo desenvolvida no arrepio da lei, com sonegação fiscal. As ferramentas para avaliar a qualidade desse sistema são precárias e subjetivas. O setor da mineração, como um todo, tem dificuldade de mostrar o que está extraindo e o que está sendo declarado em uma nota fiscal. O que se gera, em decorrência do comércio clandestino, é a extração ilegal. O setor precisa ser mais iluminado, retirar algumas coisas das sombras”, critica.

Apesar das críticas, Jackson Müller reconhece que as empresas da área têm evoluído em seus mecanismos de controle. “Toda mineração causa algum (pequeno) ou grande impacto ambiental. O que se tem dentro da legalidade são mecanismos que minimizam os efeitos negativos. O setor da mineração tem, agora, uma oportunidade singular de separar o joio do trigo e mostrar quem está fazendo a coisa certa e quem não está. Não podemos falar como se todos que extraem areia fossem criminosos”, ressalva.

“Vivemos apagão na gestão ambiental do estado”, critica ambientalista

Integrante da Assembleia Permanente de Entidades em Defesa do Meio Ambiente do Rio Grande do Sul (APEDEMA-RS) e professor do Departamento de Botânica da UFRGS, Paulo Brack critica a inação do estado na fiscalização da atividade mineradora. “Estamos vivendo um apagão na gestão ambiental do estado”, classifica.

O ambientalista não vê com bons olhos a exploração mineral no Guaíba e defende outras alternativas para se fazer frente à escassez das jazidas de areia. “Deveriam pensar na reciclagem do material que vem de construções demolidas e que é jogado em banhados. O próprio estádio Olímpico irá gerar centenas de milhares de toneladas de material. É necessário ter um programa de reutilização na construção civil, pelo menos um terço do que é demandado poderia vir dessa fonte”, explica.

Paulo Brack acredita que as empresas de mineração não estão preocupadas com a busca de novas alternativas. “Só querem dragar. Estão entrando cada vez mais no Jacuí. Com tantos prédios abandonados no centro da cidade, até que ponto seus materiais não poderiam ser reaproveitados? A lógica do mercado é sempre de expansão”, argumenta.

“Não terá choro nem vela que faça com que se extraia areia fora do que for estipulado pelo estudo. Não podemos permitir um novo Jacuí piorado” | Foto: Thomas Schmidt/Wikimedia Commons

“A opção número um é o Guaíba”, diz representante do setor

Representante da Agabritas – associação que reúne as empresas de mineração do Rio Grande do Sul -, Sandro de Almeida diz que uma das preocupações do setor é a busca por novas jazidas, diante do esgotamento do Rio Jacuí. “Está sendo retirada areia do Jacuí há quase 100 anos. O rio fornece areia para a Região Metropolitana, a Serra e os vales do Taquari e do Rio Pardo. É o principal fornecedor do estado e não tem mais o jazimento de antigamente. A preocupação da Agabritas é arrumar novas jazidas para atender a demanda. Entendemos que a opção número um hoje é o Guaíba”, explica.

Sandro, que é diretor-presidente da SMARJA, entende que o fornecimento de areia representa uma etapa fundamental para o desenvolvimento do estado. “O Guaíba, por suas dimensões, possui um jazimento muito grande. É possível exercer a mineração por um período bastante superior ao do Jacuí. Trata-se de uma visão estratégica para o estado. No Guaíba, poderemos ter um controle mais efetivo da mineração e os custos de produção serão diminuídos, pela proximidade com a Capital. É a saída para o Rio Grande do Sul”, afirma.

Ele conta que a Agabritas defende a exploração do Guaíba num “projeto piloto”, enquanto não fica pronto o estudo ecológico-econômico. “O zoneamento já vem se arrastando há cinco anos. A sugestão da Agabritas é que se comece a mineração como um projeto piloto, para que se desafogue o Jacuí enquanto se providencia o zoneamento do Guaíba, que depende de verbas e vontade política. As obras e a demanda seguem aumentando. No Guaíba, as melhores áreas poderiam ser escolhidas para se colocar os mineradores”, justifica.

Sobre a determinação da Fepam para que as empresas adquiram novos equipamentos de GPS, o representante da Agabritas diz que reconhece deficiências do atual sistema, mas acredita se tratar de um mecanismo avançado de fiscalização. “O sistema atual possui imprecisões, assim como um pardal na estrada. Mas é eficiente, é uma ferramenta de última geração importada do Canadá. Somente Itália e Portugal utilizam”, compara.

Para Sandro, ampliar a margem de operação das dragas para 75 metros a partir da encosta de um rio não é a melhor solução. “Os 50 metros determinados já estão além dos padrões internacionais de margens de taludes. Ampliar a margem só irá comprimir a exploração dentro de uma área menor”, adverte.

“Encerrar atividades de mineração no Rio Jacuí apenas somaria liberdade para as dragas que operam de forma irregular”, diz nota oficial de empresas do setor | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Em nota oficial, empresas do setor contradizem reclamações de moradores do entorno do Jacuí

Moradores de regiões próximas ao Rio Jacuí têm denunciado prejuízos que dizem estarem sendo causados pela extração de areia no local. De acordo com a população do entorno e ambientalistas, a mineração já teria consumido com cerca de 50 praias do rio e causado buracos, o que estaria fazendo com que pessoas que já conhecem o Jacuí se afoguem.

Em nota oficial, destinada a responder às reportagens da RBS TV sobre o tema, a Agabritas e o Sindibritas afirmaram que as acusações da população local não apresentam fundamentos técnicos. “Sobre a formação de barrancos, as entidades lembram que o relato de pescadores e moradores não caracteriza argumentação com fundamento técnico que comprove a relação entre a mineração e o solapamento de margens do Rio Jacuí. Seu curso natural ocasiona a erosão de uma margem e o depósito de sedimentos no respectivo lado oposto, apenas através da força do fluxo da água. Este fato ocasiona a queda de árvores e o sumiço de praias de forma natural. Sendo que, mesmo em rios onde não há mineração, é possível encontrar cenários semelhantes aos flagrados na série de reportagens realizada”, justifica a entidade.

Além disso, a nota faz critica a possibilidade de se encerrar totalmente a mineração no Rio Jacuí – demanda exigida por uma ação que tramita há sete anos na Justiça Federal. “A drástica solução de encerrar as atividades de mineração no Rio Jacuí apenas somaria mais área de atuação e liberdade para as dragas que operam de forma irregular. Estes já descumprem a lei e seriam ainda mais incentivados a fazê-lo, uma vez que estariam livres da fiscalização realizada pelas empresas licenciadas”, entende a associação.

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