segunda-feira , 24 novembro 2025
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Breves considerações sobre a Nova Arquitetura da Gestão de Resíduos Plásticos no Brasil – Decreto 12.688/2025.

Por Rodrigo Birkhan Puente

Breves considerações sobre a Nova Arquitetura da Gestão de Resíduos Plásticos no Brasil – Decreto 12.688/2025.

O Decreto 12.688/2025 representa um marco regulatório transformador na política ambiental brasileira. Sua publicação encerrou um hiato regulatório de 15 anos da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), Lei n.º 12.305/2010, ao instituir o sistema nacional de logística reversa para embalagens plásticas.

Anteriormente, a logística reversa operava em um “vácuo de regulamentação federal”, dependendo de acordos setoriais voluntários e termos estaduais, o que resultava em uma “colcha de retalhos normativa” que gerava insegurança jurídica e resultados insuficientes.
O novo decreto substitui essa abordagem por um arcabouço jurídico unificado, obrigatório e com metas quantificáveis para todo o território nacional, transicionando da declaração de princípios para a imposição de obrigações mandatórias e auditáveis.
Mecanismos Centrais: O Sistema de Mandato Duplo e a Economia Circular
O elemento relevante do Decreto 12.688/2025 é o Sistema de Mandato Duplo, uma abordagem bifurcada que busca a circularidade ao regular a oferta e a demanda de material reciclado.
Índice de Recuperação (Mandato “Pull”): Focado na coleta pós-consumo. Obriga fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes a garantirem que um percentual da massa total de embalagens plásticas que colocam no mercado seja efetivamente recuperado.
Índice de Conteúdo Reciclado (Mandato “Push”): Foca na demanda, criando um mercado garantido. Obriga fabricantes e importadores a incorporar um percentual mínimo de resina pós-consumo (PCR) em suas novas embalagens.
A interdependência desses dois índices resolve o dilema de coordenação (oferta versus demanda). Ao forçar ambos simultaneamente, o decreto transforma o plástico reciclado de uma commodity volátil em um insumo industrial obrigatório, devendo estabilizar preços e justificar investimentos.
O escopo da norma abrange embalagens plásticas primárias, secundárias e terciárias, além de “produtos de plástico equiparáveis” (como pratos, copos e talheres descartáveis), mas exclui produtos que já possuem sistemas próprios (como agrotóxicos e medicamentos) e embalagens mistas que contenham papel ou papelão. As empresas podem cumprir suas metas através do Modelo Individual ou aderir a uma Entidade Gestora no Modelo Coletivo para socializar custos.

-Impacto Social Profundo: A Centralidade dos Catadores
O impacto social do decreto é considerado profundo, formalizando e valorizando o papel das cooperativas e associações de catadores. A norma integra uma dimensão social ao priorizar e determinar a remuneração formal desses grupos na estruturação e operação dos sistemas. Esta exigência cria um fluxo de receita estável e formal, promovendo a inclusão socioprodutiva.
Além disso, uma provisão de grande impacto é a responsabilidade imposta a fabricantes e importadores pela destinação final ambientalmente adequada dos rejeitos da triagem. Essa transferência alivia um fardo financeiro significativo que historicamente cabia às cooperativas e incentiva o ecodesign.
-Conformidade, Fiscalização e Desafios Operacionais
Para o setor privado, a gestão de resíduos pós-consumo deixa de ser uma externalidade e se torna um custo internalizado, impondo novos custos e desafios operacionais. A conformidade se torna um imperativo legal e um pilar central do ESG (Ambiental, Social e Governança).
O combate ao greenwashing é garantido por um sistema de verificação robusto baseado em um rastro auditável:
A comprovação das metas utiliza como base as Notas Fiscais Eletrônicas (NF-e) da comercialização dos recicláveis e o Manifesto de Transporte de Resíduos (MTR).
Todas as notas fiscais devem ser homologadas por um “verificador de resultados” independente , conforme estabelecido pelo Decreto n.º 11.413/2023.
Todos os resultados devem ser reportados anualmente ao Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos (SINIR).
O Governo e os órgãos ambientais assumem o papel de fiscalizadores, utilizando os dados do SINIR. O descumprimento sujeitará os infratores às sanções da Lei de Crimes Ambientais (Lei n.º 9.605/1998), incluindo multas, suspensão de atividades e o condicionamento da emissão ou renovação de licenças ambientais à comprovação da conformidade.
O decreto estabelece um cronograma faseado, com 2026 como o primeiro ano de aferição. Empresas de grande porte iniciam o cumprimento da meta de conteúdo reciclado a partir de janeiro de 2026, enquanto as de pequeno e médio porte têm o prazo estendido até julho de 2026.
Apesar da clareza geral, uma ambiguidade crítica persiste: o decreto não distingue claramente as responsabilidades entre “fabricantes de embalagens” e “fabricantes de produtos comercializados em embalagens”. Essa indefinição gera insegurança jurídica e exigirá esclarecimentos do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA).

-Cenário Global e Estratégias Futuras
Ao instituir este sistema abrangente de Responsabilidade Estendida do Produtor (REP), que transfere a responsabilidade financeira e operacional pelo pós-consumo ao setor privado, o Brasil se alinha a compromissos internacionais e se posiciona na vanguarda da agenda ambiental. A inclusão social dos catadores como um pilar legalmente obrigatório é a característica única do modelo brasileiro.
Observando o cenário global, especialmente o Marco da União Europeia, que reciclou 40,7% de suas embalagens plásticas em 2022 (patamar que o Brasil almeja atingir por volta de 2032), percebe-se uma tendência de avanço para medidas upstream. É provável que futuras regulamentações sigam o modelo europeu, impondo requisitos mais rigorosos sobre ecodesign, redução de materiais e proibição de certos itens de plástico de uso único. O desafio imediato, no entanto, será a construção da infraestrutura de coleta e reciclagem em escala.
Diante deste novo cenário, empresas devem realizar uma auditoria interna imediata de suas embalagens, selecionar o modelo operacional (Individual ou Coletivo) em até 180 dias e investir proativamente em Ecodesign e na qualificação de fornecedores de resina pós-consumo (PCR).

Rodrigo Birkhan PuenteRodrigo Birkhan Puente – Advogado, Especialista em Direito Ambiental pela Unisinos, Consultor Jurídico da Sociedade Brasileira de Arborização Urbana – SBAU (2014 – 2017)

 

 

 

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