sexta-feira , 22 novembro 2024
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Estocolmo+40, Rio+20: Guia básico

 

Luiz Filipe de Macedo Soares *

De 40 anos para cá o mundo se tem reunido com certa solenidade a cada 20 anos para considerar o estado da Terra e deliberar sobre o que fazer. Há, portanto, elementos de comparação para bem entender a terceira Conferência, que acaba de terminar. Cada uma das três se distingue das outras. Até seus títulos são diferentes, porque as motivações não são as mesmas e os documentos adotados variam em seus conteúdos.

Desde o fim da II Guerra Mundial, as economias industrializadas de mercado (Estados Unidos, Canadá, Europa Ocidental, Japão, Austrália e Nova Zelândia) conheceram mais de vinte anos de crescimento constante com a introdução do consumo de massa, que os norte-americanos conheciam desde os anos 30.

A combinação de tal progresso com democracia em área tão vasta foi um fenômeno inédito na História. De seu lado, União Soviética e seus satélites da Europa Oriental pisavam no acelerador industrial para diminuir o desnível. Na segunda metade dos anos 60, o mundo rico deu-se conta de que a festa não era de graça. A juventude nesses países ocidentais, que, aliás, gozava das benesses da riqueza e podia dar-se o luxo de inventar novas maneiras de viver, deu o alarme. O abuso da natureza era evidente, o ar das grandes metrópoles estava irrespirável, os rios e as praias cheiravam mal. O diagnóstico resumia-se pela palavra “poluição”.

Quando surge um problema internacional amplo, os países o levam à tão vilipendiada ONU simplesmente porque é o lugar onde eles se encontram. E a ONU convocou para 1972, em Estocolmo, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano. Essa última palavra mostrava que não se tratava de um congresso de zoólogos e botânicos.

Mas havia o resto do mundo, com as dezenas de novos países recém saídos do jugo colonial. Dele fazíamos parte, embora já viéssemos, nos últimos 10 anos, conhecendo importante crescimento e forte industrialização. Sabemos porém a distância que nos separava do mundo rico. A massa aqui ainda não tinha acesso ao consumo.

Em poucas palavras, Estocolmo destinava-se a limpar a sujeira e por filtros nas chaminés. Era ótimo, mas custava dinheiro e exigia tecnologia, que eram escassos para nós. Apesar de chamarmos a atenção para esse simples fato, não fomos o vilão da Conferência. Até presidimos uma das três Comissões. O que complicou a Conferência foi um tema que, digamos, não estava no programa e que Brasil e Argentina protagonizaram. Estava no auge a construção do nosso parque hidrelétrico, essencial para o avanço da indústria nacional. Estávamos construindo barragens rio acima e a Argentina, rio abaixo, há muito reclamava um sistema de consulta prévia que, caso aceito por nós, travaria nosso desenvolvimento. Foi uma queda de braço renhida. O tempo passou, os dois países nos acertamos e os prejuízos temidos não aconteceram.

A briga entre os dois países concentrou-se no Princípio 21 da Declaração de Estocolmo. O relógio teve de ser atrasado para que se respeitasse a decisão de encerrar a Conferência no dia 16 de junho, e ela terminou de fato no dia seguinte. O Princípio 21, com a redação acordada, é importante, pois ele afirma o direito de cada país a usar seus recursos naturais de acordo com suas próprias políticas ambientais, acrescentando, em contrapartida, a responsabilidade de não causar dano ao meio ambiente de outros países.

Hoje soa óbvio, mas, há quarenta anos, nunca antes se havia dito isso por consenso de 113 países.

A Declaração da Conferência (ela não incluiu Estocolmo no título, ao contrário do que ocorrerá 20 anos mais tarde com o Rio) é um pouco assim, meio água com açúcar. Os 7 primeiros Princípios são o be-a-bá ambientalista que qualquer criança hoje sabe de cor. Mas, na época, não sabia.

Já os Princípios de 8 a 15 mostram o embate entre os ricos e os subdesenvolvidos. Sob vários aspectos, eles afirmam que sem desenvolvimento não pode haver meio ambiente sadio no âmbito mundial. Também isso parece banal agora. Na ocasião, contudo, esses princípios representaram conquista política fundamental, não somente para os países em desenvolvimento, mas também para a humanidade em geral.

Os demais Princípios, num total de 26, tratam dos diferentes campos que devem ser considerados no tratamento da questão ambiental: ciência e tecnologia, educação e outros. Um importante Princípio, que gerou um dos resultados de Estocolmo, fala da necessidade de instituições nacionais na área de meio ambiente.

O Plano de Ação de Estocolmo, com mais de 100 recomendações mostra o estado incipiente da consideração internacional sobre o assunto. Era evidente a participação preponderante dos organismos especializados das Nações Unidas, a FAO à frente, que têm em seus campos de atuação temas relativos ao meio ambiente. Não havia ainda instituição alguma que tratasse de meio ambiente como um todo. As recomendações da Conferência sobre esse aspecto não foram acolhidas pela Assembléia Geral da ONU, mas criou-se o Programa para o Meio Ambiente, o PNUMA. No Brasil, surgiu a Secretaria do Meio Ambiente, a SEMA.

O resultado de Estocolmo, do ponto de vista político, foi marcar o campo de jogo: meio ambiente e desenvolvimento têm de combinar-se. Tratar de um sem o outro não funciona. Além disso, e não é pouco, a preocupação com o meio ambiente entrou nas agendas internacional e nacionais.

Quanto à poluição, o motivo que inspirou a convocação, os resultados foram palpáveis…para os ricos. O “fog” de Londres, tão caro a Sherlock Holmes, evaporou, o rio Sena ficou limpo, as estrelas apareceram no céu de Nova York. Muito dinheiro e boa tecnologia, até hoje não totalmente ao nosso alcance.

As perspectivas pós-Estocolmo foram alteradas pelas crises do petróleo, mas a preocupação ambiental retomou no início dos 80. O Secretário Geral da ONU convidou a Primeira-Ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland a organizar uma comissão independente, isto é, formada de personalidades a título pessoal, para gerar propostas que relançassem o debate. A Comissão apresentou seu relatório em 1987. Ele continha uma idéia-força, o conceito de desenvolvimento sustentável com a finalidade de reorientar as políticas econômicas sem barrar o caminho aos retardatários , os países subdesenvolvidos. Era preciso contornar a desconfiança que havia permeado Estocolmo e permitir decisões inovadoras no âmbito global.

Desenvolvimento sustentável é o que pode ser continuado, ao contrário da cobra que come o próprio rabo. Parece óbvio, mas foi a pecinha que deu o clique para o encadeamento de novas tratativas mundiais. A redação meio literária que figura no Relatório Brundtland (“atender as necessidades do presente sem comprometer a capacidade de futuras gerações proverem suas próprias necessidades”) não tranquilizou as dúvidas dos subdesenvolvidos quanto a condicionamentos impostos ao crescimento de suas economias. Mais adiante negociou-se no PNUMA um texto explicativo que passou a ser aceito.

Esse detalhe serve para mostrar que, nos entendimentos internacionais, vale o escrito. Idéias, por melhores que forem, terão de ser formuladas em redações aceitas por todos. Não é fácil, se levarmos em conta o tamanho e a diversidade da comunidade internacional e o fato de que, apesar da preponderância do inglês, a negociação passa-se nas seis línguas oficiais da ONU. Daí a lentidão do processo negociador e a sensação de muito trabalho para produzir textos em vez de ações. Ação que não se baseia em acordo escrito é violência.

Os Governos só voltaram a mexer-se por causa da percepção de que a máquina do mundo estava apresentando sérios problemas.

Primeiro foi a observação de que a camada de ozônio, uma espécie de filtro solar, estava se esgarçando e se desfazendo. A origem do mal foi identificada: alguns gazes produzidos para a indústria de refrigeração entre outras. A reação foi rápida. Com câncer de pele não se brinca. Em 1985, concluiu-se uma Convenção em Viena (sempre os papéis), dois anos depois regulamentada por um Protocolo negociado em Montreal. Os gases nocivos teriam de ser abandonados e substituídos por outros. Quem pagaria a conta da adaptação industrial nos países em desenvolvimento? Novas negociações, em 1990, levaram à criação de um fundo. Essa é uma história de sucesso. Ainda assim, leve-se em conta que o problema, grande que fosse, era circunscrito e havia meios disponíveis para solucioná-lo.

Outra lição extraída do episódio: processos nocivos de amplitude global são causados por muitos senão por todos, mas a contribuição de cada um para criar o problema não tem o mesmo tamanho. A produção de aparelhos de refrigeração, por exemplo, nos países ricos é muito maior do que nos demais. O Brasil foi o primeiro a chamar a atenção para essa realidade simples e clara que muitos não queriam ver. É o princípio da responsabilidade comum, porém diferenciada, hoje universalmente aceito e uma das pedras-de-toque de negociações ambientais.

Imensamente mais séria foi a admissão do fenômeno da gradual elevação da temperatura global com suas consequências previsíveis. Desde os anos 50 havia quem chamasse a atenção para indícios dessa tendência. A ficha começou a cair quase 30 anos depois. A ONU (sempre ela) criou um órgão científico, o Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima, o IPCC na sigla inglesa. Em 1990, já era alto o nível de certeza quanto à realidade do chamado efeito estufa. De lá para cá, foi-se afirmando o conhecimento tanto do processo quanto de suas causas. Há coisa de 200 anos a partir da chamada Revolução Industrial quantidades crescentes de gases naturais vinham sendo lançadas na atmosfera. O crescimento da indústria, dos meios de transporte, da agricultura e pecuária modernas para atender à crescente população mundial é o vilão da história.

Outra questão de escala mundial foi a constatação de que um número crescente de espécies vegetais e animais estavam desaparecendo. Já se havia até concluído uma Convenção para tentar segurar o problema. Ficava claro porém que era preciso um sistema mais abrangente para proteger a biodiversidade, um dos novos vocábulos que entraram em nosso cotidiano.

Poluição e tudo o que essa palavra indica continuam aí. Contudo, foram esses mega problemas que levaram a comunidade internacional a pensar na necessidade de uma nova conferência.

O caso do Brasil era particular. Temos a maior massa florestal e a maior biodiversidade em comparação com os demais países. As políticas que havíamos adotado desde os anos 60 para a Amazônia começavam a mostrar efeitos desastrosos. Os países ricos aproveitaram e caíram de pau. O Brasil, recém liberado do regime ditatorial, pegado de surpresa, reagiu como pode, ativamente, criando o IBAMA, por exemplo, e também defensivamente. Invocar a soberania, porém, não era mais suficiente. Tínhamos de admitir a discussão internacional, não dos problemas brasileiros, mas das questões amplas que afetavam potencialmente a todos.

Por isso, não somente aceitamos a idéia de uma conferência, mas também, oferecendo-nos como sede, resolvemos assumir uma certa liderança.

A Conferência de 1992 não seria Estocolmo II. A temática era outra e mais complexa. O subdesenvolvimento, a desigualdade continuavam a dividir o mundo no que se identifica como norte-sul. Assim, o título negociado foi Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Ela deveria formular acordos que traduzissem em todos os campos o conceito do desenvolvimento sustentável.

A Resolução pela qual a Assembléia Geral das Nações Unidas convocou a Conferência foi arduamente negociada e indicou o vastíssimo leque de questões ambientais a serem tratadas. É interessante notar que, entre os 9 campos temáticos, dois não eram tipicamente ambientais: a erradicação da pobreza e melhoria das condições de vida no campo e na cidade e a proteção das condições de saúde. Os objetivos extravasavam o equilíbrio do meio ambiente e incluíam as condições econômicas necessárias para permitir um desenvolvimento sustentado e sadio, isto é, sustentável.

Um dos dois produtos mais relevantes da Conferência, a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, enumera 27 Princípios, apenas um a mais do que a de 1972, e é inovadora. Pela primeira vez, um documento consensual das Nações Unidas inclui a expressão “direito ao desenvolvimento” o qual só pode ser alcançado se for combinado com proteção ambiental. Os países desenvolvidos, por causa das pressões que suas sociedades exercem sobre o meio ambiente e mercê da disponibilidade que têm de recursos financeiros e de tecnologias, reconhecem as responsabilidades comuns mas diferenciadas. A Declaração menciona – e é uma novidade – a necessidade de reduzir e eliminar padrões insustentáveis de produção e consumo. Embora pareça fácil, foi trabalhoso conseguir que os desenvolvidos aceitassem, no Princípio 9, a referência a transferência de tecnologias.

A influência das entidades representativas da sociedade civil é evidenciada, entre outros pelos Princípios 15, 16 e 17, que tratam, respectivamente do chamado princípio da precaução, pelo qual a falta de certeza científica não justifica a ausência de ação preventiva, da obrigação para o poluidor de arcar com o prejuízo e da necessidade de avaliação de impacto ambiental antes de atividades com possíveis impactos. Esses e outros temas fazem hoje parte do instrumental de que dispõem governos e sociedades. Antes, nada disso havia.

O outro produto da Conferência do Rio é um plano de ação que recebeu o nome de Agenda 21. Trata-se de um livro organizado em 4 seções e 40 capítulos, prevendo mais de 100 programas. A partir de rascunho elaborado pelo Secretariado da Conferência, a Agenda 21 foi objeto de minuciosa negociação em mais de 15 grupos principalmente durante as 5 semanas da IV e última sessão do Comitê Preparatório com a participação de todos os países.

Vários desses capítulos chegaram à Conferência ainda com muitos pontos de desacordo. O mais persistente, só fechado nas últimas horas, foi sobre proteção da atmosfera. Os países árabes produtores de petróleo chegaram a pedir a supressão pura e simples do capítulo, que consideravam pernicioso a seus interesses.

O xis do problema, como não podia deixar de ser, foi o capítulo sobre recursos e mecanismos financeiros, todo ele negociado durante a própria Conferência.

A Agenda 21 tem sido nos últimos 20 anos uma fonte de idéias para os Governos, que majoritariamente passaram a dotar-se de instituições de primeiro escalão voltadas para a relação entre a economia e o meio ambiente. No âmbito internacional várias iniciativas e negociações seguiram-se, como a Convenção para lutar contra a desertificação.

A Convenção-Quadro sobre Mudança do Clima e a Convenção sobre Diversidade Biológica não são propriamente produtos da Conferência do Rio. Foram abertas a assinatura naquela ocasião mas foram negociadas, cada uma, por um Comitê específico.

Meio ambiente, no plano nacional e talvez ainda mais no plano internacional, passou ao primeiro plano das relações internacionais, como direitos humanos, comércio internacional e outros temas. Ligou-se indissoluvelmente às questões de desenvolvimento econômico e social, transformando-as qualitativamente. Ao mesmo tempo, a questão ambiental deixou de ser uma preocupação um tanto elitista, um passatempo dos amantes da natureza, fora do alcance das populações carentes. O verde misturou-se com outras cores e a palheta ficou mais rica e real.

Nos vinte anos seguintes, a pauta foi bastante dominada pelas sucessivas Conferências das Partes na Convenção-Quadro sobre Mudança do Clima. Uma convenção-quadro estabelece a lei base, que pressupõe regulamentação. A Convenção estabeleceu a obrigação jurídica de adotar medidas para controlar a emissão de gases causadores do efeito-estufa. Além disso, deu foro legal ao princípio das responsabilidades diferenciadas. Em seu anexo, aparece a lista dos países desenvolvidos sobre os quais recai essa obrigação. Os países em desenvolvimento ficam isentos.

A regulamentação veio pelo Protocolo de Quioto e, daí para a frente, os Estados Parte contorcem-se para encontrar acordos que levem a uma aplicação efetiva da Convenção e, mais fundamental, a retardar e reduzir o aquecimento global.

Passados esses anos, a apreciação que se pode fazer vai de severa a moderadamente crítica. Melhor do que isso seria irrealista ou desonesto.

Em 2009, o Brasil propôs uma nova Conferência em nível presidencial no Rio de Janeiro. Aposta muito arriscada no desastroso clima econômico-financeiro instaurado desde o ano anterior. Aposta típica do instinto político do Presidente Lula, que chegou a surpreender o próprio Itamaraty no início, como ocorrera, por exemplo, na convocação da Cúpula América do Sul-Países Árabes, em 1995. A iniciativa reflete a novidade da emergência de Brasil, China, Índia e outros países não apenas como economias crescentes, como fora anteriormente o caso dos chamados tigres asiáticos, ricos porém quietinhos, mas como atores vocais e influentes no cenário político internacional. Lula percebeu que seria, de qualquer modo, convocado um encontro mundial para marcar o vigésimo aniversário. Seria melhor mantermos a iniciativa ainda que perspectivas de avanço político fossem incertas na melhor das hipóteses.

A Resolução da Assembléia Geral da ONU que convoca a Conferência mostra a evolução substantiva. A ênfase agora é erradicação da pobreza e a instauração de padrões de consumo e de produção sustentáveis. O título também é novo. Ele não justapõe “meio ambiente” e “desenvolvimento” e, sim, funde-os. Agora fica Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável.

A proposta brasileira encontrou resistências da parte dos países desenvolvidos em meio à crise e, portanto, pouco propensos a assumir novos compromissos. Indicio eloquente foi o tempo total de 8 (sic) dias alocado às três reuniões do Comitê Preparatório. Para a Conferência de 1992, o Comitê Preparatório dispôs de um total de 113 dias. Dispensa comentários.

Como é normal, decepção e críticas sobressaem ao terminar a Conferência. Além da paciência de ler as 50 páginas do documento final, uma avaliação objetiva demanda comparação com o que aconteceu nos 40 anos anteriores.

O documento tem por título “O Futuro que Queremos”. A primeira pessoa do plural refere-se a Chefes de Estado e de Governo, pois esse é o nível do evento. Muita sensação gira em torno do número dos que viriam. Não foram cento e tantos, mas estavam muitos. Como o documento pode ser adotado por consenso, ele compromete todos os países, independentemente da presença física de seus primeiros mandatários.

A primeira das 6 partes do documento começa com parágrafo que dá o tom da Conferência: a erradicação da pobreza, que constitui o maior desafio global, é requisito indispensável para o desenvolvimento sustentável. Mais adiante, enumeram-se outros “requisitos essenciais” a partir de “padrões sustentáveis de consumo e produção”, seguindo-se valores como liberdade, direitos humanos, direito ao desenvolvimento. É preciso ter presente que incluir tudo isso não é fácil. Os países ricos, uns mais do que outros, não têm interesse em realçar a questão de padrões de consumo e produção, ainda que todos saibam que aí está uma das chaves de uma economia mundial viável.

A Rio+20, diferentemente de suas antecessoras, focalizou toda a temática de meio ambiente e desenvolvimento através de três tópicos: economia verde, erradicação da pobreza e quadro institucional.

O documento, em sua segunda parte, renova os compromissos políticos anteriores, em particular todos os princípios da Declaração do Rio, inclusive o da responsabilidade diferenciada, que corria risco de cair. A menção a integridade territorial, independência política e ocupação estrangeira, sempre foco de divergência por incrível que pareça, mostra o caráter político da Conferência. Nem poderia ser diferente num encontro em nível de cúpula.

A lista de decisões e documentos aprovados nos últimos 20 anos dá idéia da intensidade e da amplitude que tomou esse ramo novo das relações internacionais. Dirão os céticos e os idealistas que nada disso vale grande coisa e que nada mudou. Será verdade que nada mudou? É certo que mudou menos do que queríamos e teria sido pior se não tivesse havido tantas reuniões e papéis nas duas décadas que passaram.

A terceira parte trata da economia verde. Muito difícil. Desenvolvimento sustentável, como visto, levou algum tempo para ter uma definição consensuada. Isso, visivelmente, ainda não aconteceu com o conceito de economia verde. O documento final apenas diz que modelos, visões e instrumentos para alcançar o desenvolvimento sustentável variam conforme o país. Ao reconhecer que economia verde é uma ferramenta importante nesse contexto, adverte que não deve dar lugar a um conjunto de regras rígidas.

Como se vê, permanece a desconfiança, nos países em desenvolvimento, em relação a possíveis camisas-de-força. Ainda assim, o parágrafo 58 enumera 16 atributos, nenhum deles de caráter estritamente ambiental, que devem revestir políticas de economia verde.

Em 1992, debateu-se a questão da criação de um organismo especializado no chamado sistema das Nações Unidas (como FAO, UNESCO e outros) para gerenciar a implementação da Agenda 21. Percebeu-se que, para ser efetivo, tal organismo teria de ter o tamanho e o poder da própria ONU. É um pouco o que se passa no plano interno dos países. Um ministro do meio ambiente tem importante área de atuação, que, como vemos no Brasil, choca-se frequentemente com as de outros ministérios. Um ministro do desenvolvimento sustentável, se houvesse, teria de ser o próprio Presidente da República.

Assim, na Rio-92, manteve-se o PNUMA e criou-se a Comissão de Desenvolvimento Sustentável (CDS), órgão deliberativo, com reuniões anuais, subordinado ao Conselho Econômico e Social (ECOSOC) um dos órgãos principais da ONU.

A Rio+20 viu-se diante da mesma dificuldade. Optou-se por apenas fortalecer a estrutura institucional. A CDS deverá ser, mais adiante, substituída por um “foro político de alto nível” cujo formato e organização serão decididos em 2013. Na prática, eleva-se a deliberação do nível de funcionários para o nível ministerial. O PNUMA permanecerá como a agência ambiental da ONU, mas deverá ser fortalecido , inclusive em termos orçamentários.

A quinta parte do documento é uma espécie de Agenda 21 abreviada. Aí estão as grandes questões, como erradicação da pobreza, segurança alimentar, água e saneamento, energia, transporte, cidades, emprego. Depois, tratam-se dos espaços, como oceanos, países, sem litoral, pequenos países insulares, países de menor desenvolvimento, África. Finalmente os temas globais, como mudança do clima, biodiversidade, florestas, desertificação, resíduos e substâncias perigosas e consumo e produção sustentáveis.

Uma análise detida desses muitos parágrafos mostrará que há frases e palavras novas, talvez não muitas. O conjunto não corresponde ao que cada um desejava, mas é o que todos puderam aceitar.

Figura ainda a previsão de que a Assembléia Geral crie este ano um grupo de trabalho com 30 países para propor um conjunto de “objetivos de desenvolvimento sustentável”. O ideal teria sido determinar esses objetivos no RioCentro. Essa ambição estava acima da capacidade atual de entendimento. É importante que não se tenha abandonado a idéia de fixar objetivos.

O mesmo aconteceu na sexta parte, que fecha o documento final e que trata dos meios de implementação: recursos financeiros e tecnologia. As negociações repetiram os assuntos e as palavras de 20 anos atrás. Como não podia deixar de ser, o tempo curto e a falta de disposição dos países ricos determinaram um retrocesso.

* Luiz Filipe de Macedo Soares foi membro da Delegação do Brasil à Conferência de Estocolmo, 1972, e secretário-Executivo da Comissão Interministerial que coordenou a preparação da Conferência do Rio, 1992.

(Carta Maior)

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