quinta-feira , 21 novembro 2024
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Resoluções do CONAMA, o inchaço normativo e a militância “desavisada”

No ano de 2017 o Governo Temer resolveu por fim à RENCA. Trata-se da Reserva Nacional do Cobre e Associados, uma área de 4 milhões de hectares, entre o Pará e Amapá, em plena Amazônia brasileira.

A repercussão foi grande e, para citar um exemplo, a modelo brasileira Gisele Bündchen manifestou sua contrariedade em se permitir a mineração em “áreas protegidas”[1].

Ocorre que, no caso da RENCA, o termo “reserva” não remete à proteção ambiental, mas é uma restrição à pesquisa mineral, com fundamento no interessa nacional na mineração de determinada substância. Não tem nada a ver com meio ambiente.

O fato é que a RENCA não foi extinta.

Inicialmente, a extinção foi prevista pelo lacônico Decreto nº 9.142/2017, que repercutiu mal. Como reflexo, na sequência foi publicado o Decreto nº 9.147/2017, que foi mais cuidadoso em proibir/limitar, de forma explícita (ainda que outras normas já o fizessem, inclusive a Constituição), a mineração em terras indígenas e em Unidades de Conservação, conforme o caso. Mas o que prevaleceu, foi o Decreto nº 9.159/ 2017 que revigorou o Decreto que criou a RENCA (Decreto nº 89.404/1984).

Recentemente passamos por episódio semelhante, quando da revogação das Resoluções CONAMA nºs 302 e 303, ambas de 2002, que versavam sobre a proteção de mangues e restinga.

A grita foi enorme, o Judiciário foi chamado a intervir, mas o fato é que mangues e restinga já contam com proteção de Leis ordinárias e, por isso, as tais Resoluções não eram a fonte de suas conservações, logo, do ponto de vista protetivo, inócuas.

Relatar esse episódio não significa aquiescer em todos os termos com a atual política ambiental, especialmente em nível federal, mas é preciso ter maturidade e honestidade para criticar decisões da administração ambiental, principalmente quando elas não significam uma perda protetiva.

Uma das principais características da gestão pública ambiental é a profusão de atos infralegais, das diversas esferas federativas, o que, consequentemente, gera um fardo normativo, por vezes, de difícil sistematização.

Estima-se que são mais de sessenta mil normas que regulam a Política Ambiental no Brasil, em nível Federal, Estadual e Municipal, entre leis, decretos, resoluções e outros atos infralegais.

Nesse cenário, não é preciso muito esforço para detectar normas infralegais que não estejam compatíveis com o ordenamento vigente.

Podemos citar alguns exemplos, justamente da lavra do CONAMA, especificamente no tema licenciamento ambiental.

Primeiro, a Resolução CONAMA nº 001/1986.

Em seu artigo 2º, a Resolução CONAMA nº 001/1986 prevê que:

 

Art. 2o Dependerá de elaboração de estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto ambiental – RIMA, a serem submetidos à aprovação do órgão estadual competente, e da Secretaria Especial do Meio Ambiente – SEMA em caráter supletivo, o licenciamento de atividades modificadoras do meio ambiente, tais como:

 

Na sequência, os incisos preveem um rol exemplificativo de atividades que estariam sujeitas à espécie (do gênero estudo ambiental) estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto ambiental (EIA/RIMA), em seus respectivos licenciamentos ambientais.

É importante relembrar que, na lição de Édis Milaré[2], o EIA/RIMA, “por seu alto custo e complexidade, deve ser usado com parcimônia e prudência”.

Ocorre que, como já é de pleno conhecimento de quem milita na área, a Resolução CONAMA nº 237/1997 estabelece que o EIA/RIMA, só são exigíveis no caso de significativo impacto ambiental e quem define isso (se é significativo ou não) é o órgão licenciador competente. Não sendo significativo, será submetido ao licenciamento ambiental, mas com base em estudos menos complexos.

O texto é claro, vejamos:

 

Art. 3º- A licença ambiental para empreendimentos e atividades consideradas efetiva ou potencialmente causadoras de significativa degradação do meio dependerá de prévio estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto sobre o meio ambiente (EIA/RIMA), ao qual dar-se-á publicidade, garantida a realização de audiências públicas, quando couber, de acordo com a regulamentação.

Parágrafo único. O órgão ambiental competente, verificando que a atividade ou empreendimento não é potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente, definirá os estudos ambientais pertinentes ao respectivo processo de licenciamento.

Sendo assim, pelo critério temporal da vigência das normas, estabelecido pela Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (art. 2º, §1º do Decreto-Lei 4.657/1942), há uma incompatibilidade entre a redação do art. 2º da Resolução CONAMA nº 001/1986, com a do art. 3º, parágrafo único da Resolução CONAMA nº 237/1997, pois, enquanto a norma de 1986 estabelece genericamente a exigência de EIA/RIMA no licenciamento ambiental de diversas atividades, a de 1997 determina um juízo casuístico e específico por parte do órgão licenciador.

Isso seria uma constatação singela se não fosse a judicialização do procedimento de licenciamento ambiental, muitas vezes fundamentada na citada prescrição da Resolução CONAMA nº 001/1986 e em seu rol exemplificativo de atividades supostamente sujeitas a EIA/RIMA.

Continuando nos exemplos, outras duas resoluções se revelam anacrônicas e tratam do licenciamento ambiental da mineração, particularmente. São as Resoluções CONAMA nº 009 e 010, ambas de 1990.

Elas estabelecem uma relação concatenada entre licenciamento ambiental da mineração (que, conforme o seu grau de impacto, pode ser exercido por uma das esferas federativas, conforme a Lei Complementar nº 140/2001) e o procedimento administrativo do regime de aproveitamento do bem mineral, que tramita (hoje) na Agência Nacional de Mineração (ANM).

A experiência prova que essa transversalidade de temas (Direito Minerário e Ambiental), muitas vezes com a necessidade de sinergia federativa, onde um ato da ANM depende de documentação do processo de licenciamento ambiental, e vice versa, não é eficiente.

Uma das provas dessa afirmação é a recente Resolução ANM nº 037/2020, que deu certa autonomia na análise de emissão da guia de utilização[3] em relação à procedimento de licenciamento ambiental. A guia de utilização deve ser avaliada e emitida independente da licença ambiental, mas só terá eficácia com a emissão dessa (o minerador também tem prazo para juntar a licença ambiental no procedimento minerário).

Há ainda o fato de que, a classificação de substâncias minerais sobre a qual se calçam as Resoluções CONAMA nºs 009 e 010 de 1990 não está mais em vigor (houve revogação expressa pela Lei nº 9.314/1996).

Quanto a isso, foi emitido o Parecer nº 502/2012/CGAJ/CONJUR/MMA da Advocacia Geral da União, decorrente de consulta do próprio CONAMA que, em síntese, entendeu que houve perda do objeto e dos efeitos dessas resoluções por conta da revogação da classificação de substâncias e jazidas minerais, mas que elas não estariam revogadas, nem expressa, nem tacitamente, mas que se poderia fazê-lo (revoga-las) mediante juízo de conveniência de oportunidade.

Ocorre que, nada obstante o parecer, tais resoluções tem sim gerado efeitos.

Um exemplo é a Instrução Normativa nº 10[4], de 2020, do Instituo Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Espírito Santo (IEMA) que, ao disciplinar o licenciamento ambiental das atividades de mineração, levou em conta as Resoluções CONAMA nºs 009 e 010 de 1990 e vinculam o procedimento de licenciamento ambiental à fase do procedimento de obtenção de título minerário perante a ANM.

Os exemplos acima estão na pauta do CONAMA para possíveis futuras revogações, por sinal trata-se de uma política de gestão orientada pelo Decreto nº 10.139/2019.

Quando isso ocorrer, prevejo novamente uma onda reativa por parte de uma parcela barulhenta da sociedade, incluindo celebridades, por isso, seria prudente que, antes de se manifestarem na sua rede social preferida, conversassem com algum profissional que conheça minimamente as especificidades da área.

Concluo, com base nesses casos concretos, que nem sempre a revogação de uma Resolução CONAMA significa retrocesso ambiental, com eventuais afrouxamento de exigências ou perda de proteção do patrimônio. Jamais defenderia algo que caminhasse nesse sentido, mas sim, que se racionalizasse a regulamentação ambiental em consonância com o ordenamento jurídico vigente, as evoluções tecnológicas dos meios de produção e, principalmente, com o acervo acumulado de conhecimento dos órgãos de controle ambiental.

[1] https://g1.globo.com/politica/noticia/gisele-critica-decreto-que-extingue-reserva-florestal-na-regiao-norte-vergonha.ghtml

[2] Direito do Ambiente – doutrina – jurisprudência – glossário, 3ª edição, p. 444.

[3] Ato administrativo que autoriza temporariamente o aproveitamento de substância mineral antes da emissão da Portaria de Lavra (art. 22, § 2º do Decreto-Lei 227/1967 – Código de Mineração).

[4] https://iema.es.gov.br/Media/iema/Downloads/Minuta%20IN_Minera%C3%A7%C3%A3o_com%20anexos_vers%C3%A3o%20final_18-08-20.pdf

 

 

Resoluções do CONAMA
Victor Athayde Silva – Advogado, sócio diretor das áreas de Direito Ambiental, Minerário e Administrativo do escritório David & Athayde Advogados (da.adv.br – [email protected]), especialista em Direito Público e professor de pós-graduação em Direito Minerário, Presidente da Câmara Técnica para Assuntos Jurídicos do Conselho Estadual de Meio Ambiente do ES (CONSEMA).

 

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