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Os Municípios, o Meio Ambiente e a Lei Complementar N. 140/2011

 

 

 

 

Por Talden Farias, advogado e professor universitário.

 

Com a promulgação da Carta Magna de 1988, os Municípios alcançaram o maior grau de autonomia administrativa da história constitucional brasileiro, tendo sido, inclusive, alçados à condição de membros do pacto federativo. Basta salientar que o art. 18 determina que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição”.



Realmente, os Municípios ganharam competência para atuar em praticamente todas as pautas de política pública, o que inclui cultura, educação, habitação, esportes, meio ambiente, saúde, relações de consumo, trânsito etc – além, é claro, de manter as já tradicionais atribuições nas áreas de limpeza urbana e ordenação urbanística. No caso específico da proteção do meio ambiente, o legislador constituinte originário dispôs nos incisos III, VI e VII do art. 23 se tratar de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dispondo ainda no parágrafo único caber à lei complementar fixar normas para a cooperação entre os entes.



Isso fez com que os Municípios pudessem começar a assumir um papel de destaque nessa seara, em detrimento da Lei n. 6.938/91, que criou a Política e o Sistema Nacional do Meio Ambiente, a qual outorgou apenas aos Estados e ao Distrito Federal, e em segundo plano à União, o protagonismo jurídico em matéria ambiental. No caso, essa competência administrativa compreendia tanto a fiscalização quanto o licenciamento ambiental, que é o processo administrativo por meio do qual os órgãos administrativos de meio ambiente auferem a viabilidade das atividades efetiva ou potencialmente poluidoras.



Em favor da municipalização, impende dizer que nenhuma outra entidade federativa possui mais capilaridade para levar as políticas públicas à população, e que os órgãos federal e estaduais de meio ambiente em regra só se fazem presentes nas cidades de maior porte, de maneira que se trata de uma medida essencial à efetivação do próprio Direito Ambiental. A ausência da lei complementar regulamentadora gerou inúmeros conflitos entre os entes federativos, que disputavam entre si certas atribuições ao passo que outras eram unanimemente ignoradas, a ponto de esse ser considerado como um dos maiores, senão o maior problema, da gestão ambiental pública brasileira.



Enquanto a União e os Estados lutavam para fazer prevalecer seus interesses, muitas vezes a competência dos Municípios não era reconhecida por conta da ausência de previsão legal expressa da Lei n. 6.938/81 e por conta da inexistência da citada lei complementar. Trata-se de um entendimento equivocado, pois a Constituição da República dispôs expressamente nos incisos III, VI e VII do art. 23 sobre a competência municipal em matéria de meio ambiente, dispondo ainda no caput do art. 225 que todo o Poder Público deve agir para defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.



Mesmo sendo evidente que a legislação infraconstitucional devesse ser interpretada à luz dos desideratos constitucionais e não o contrário, na prática os Municípios eram a entidade federativa mais prejudicada nesse contexto de insegurança jurídica. Inclusive, na tentativa de solucionar tais contendas o CONAMA editou a Resolução n. 237/97 estabelecendo o que seria de competência federal, estadual e municipal, a qual extrapolou a sua função, posto que os atos administrativos normativos não podem dispor sobre competência, mormente quando a Lei Fundamental exigiu a edição de lei complementar.



Em outras palavras, somente com a lei complementar prevista no parágrafo único do art. 23 é que a insegurança jurídica no que diz respeito à competência administrativa em matéria ambiental poderia acabar. No dia 11 de dezembro de 2011 finalmente entrou em vigor a Lei Complementar n. 140, que fixou as normas de cooperação entre os entes federativos nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora.



Essa lei complementar estabeleceu a competência da União, dos Estados e dos Municípios nos arts. 7º, 8º e 9º, respectivamente, o que, em tese, serviria para consolidar definitivamente a competência administrativa municipal em matéria ambiental. Contudo, a repartição dessa modalidade de competência foi delegada aos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente, de maneira que ainda prevalece a indefinição:



Art. 9º. São ações administrativas dos Municípios:



(…)



XIII – exercer o controle e fiscalizar as atividades e empreendimentos cuja atribuição para licenciar ou autorizar, ambientalmente, for cometida ao Município;



XIV – observadas as atribuições dos demais entes federativos previstas nesta Lei Complementar, promover o licenciamento ambiental das atividades ou empreendimentos:



a) que causem ou possam causar impacto ambiental de âmbito local, conforme tipologia definida pelos respectivos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente, considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade;



É óbvio que a intenção do legislador foi contemplar as diversas realidades municipais de cada Estado. Entretanto, na prática a competência administrativa ambiental municipal foi simplesmente jogada para os Governos Estaduais, que poderão concentrar ou descentralizar um número maior ou menor de atribuições conforme os interesses do governador de plantão, o que pode gerar ainda mais insegurança jurídica.



Não é possível ignorar os interesses políticos que rondam as atribuições de fiscalizar e de implementar o licenciamento ambiental, até porque praticamente todas as atividades econômicas se submetem a isso. Com efeito, inexistem garantias de que o Poder Executivo Estadual não caia na tentação de estadualizar ou de não municipalizar atribuições de interesse local com o intuito de facilitar ou de dificultar o controle ambiental ou de simplesmente concentrar poder.



Importa salientar que os órgãos estaduais de meio ambiente quase sempre têm a maioria no seu respectivo Conselho Estadual de Meio Ambiente, cuja composição é estabelecida por decreto estadual. É claro que o Ministério Público, os Municípios e a sociedade civil devem cobrar dos conselhos uma atuação mais republicana e técnica, o que exigirá um acompanhamento constante.



O problema é que também existem implicações constitucionais a serem consideradas. Do ponto de vista do federalismo, é necessário que as atribuições de cada ente sejam determinadas pela própria Constituição da República, não cabendo aos demais estabelecer o que o outro pode ou não fazer.



A citada lei complementar desrespeitou o pacto federativo e resvalou em inconstitucionalidade ao colocar em xeque a autonomia administrativa dos Municípios, pelo menos no que diz respeito ao meio ambiente. Ressalte-se que no caso em questão a situação é mais grave, porque não caberá ao parlamento estadual e sim a um órgão integrante do Poder Executivo Estadual deliberar acerca dessa modalidade de competência.



Em vista disso, o Congresso Nacional desperdiçou uma excelente oportunidade de repartir a competência administrativa em matéria ambiental, principalmente em relação ao âmbito municipal. Enquanto isso, resta aguardar o bom senso do Poder Público e a vigilância da sociedade civil, enquanto o Supremo Tribunal Federal não se posiciona sobre o assunto, pois os Municípios têm um importante e indelegável papel a desempenhar na proteção do meio ambiente.

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