por João Emmanuel C. Lima.
O presente artigo tem por objetivo analisar a sentença que invalidou a Deliberação Normativa nº 03/2018[1], do Conselho Estadual do Meio Ambiente do Estado de São Paulo (“Consema”). Essa decisão foi proferida pela 11a Vara da Fazenda Pública da Comarca de São Paulo, em 7.10.2019, e, além de reconhecer a ilegalidade da referida normativa, anulou os atos administrativos nela embasados, notadamente autorizações ou regularizações de edificações em áreas de preservação permanente (“APPs”) urbanas.
O texto será estruturado da seguinte forma: primeiramente, será apresentado o problema (fato da vida) que a deliberação considerada ilegal pela decisão pretendia solucionar; em seguida serão indicados, de forma resumida, os principais aspectos da normativa; posteriormente, serão analisados criticamente os argumentos da decisão proferida; por fim, apresentaremos uma via alternativa que pode ser utilizada para a solução do problema e que não estaria sujeita aos questionamentos que levaram o juízo a anular a Deliberação.
O problema: sucessão de normas no tempo e vazios urbanos
A regulamentação das chamadas áreas de preservação permanentes não é novidade no Brasil. O tema é objeto de leis de caráter nacional pelo menos desde 1965, quando foi editado o antigo Código Florestal (Lei Federal no 4.771/65)[2]. De lá pra cá, muita coisa mudou. Especificamente para as matas ciliares em áreas urbanas, essas mudanças podem ser resumidas no quadro abaixo:
Em razão dessas alterações da lei no tempo, o desenvolvimento de determinadas atividades em áreas localizadas em uma mesma região passou de permitida a vedada. Para ilustrar essa afirmação, imagine-se uma área urbana em que houvesse 30 proprietários de diferentes imóveis, localizados na margem de um mesmo rio, cuja largura fosse inferior a 10 metros. Vinte e nove decidiram ocupar suas áreas em 1965, instalando indústrias em respeito à APP da legislação vigente à época, que era de 5m da faixa marginal. Um, porém, opta por não fazê-lo naquele momento e sim em 1990.
Como a legislação passou a estabelecer como Área de Preservação Permanente uma faixa mínima de 30m em 1989– e não mais 5, como era anteriormente – e expressamente reconheceu que também as áreas urbanas deveriam observá-la, em tese, pelo menos à luz de uma interpretação literal da lei, poder-se-ia entender que o proprietário deveria respeitar esse novo limite. Ou seja, mesmo tendo todos os seus vizinhos se instalado a 5m do curso d`água, ele terá que observar uma área maior, afastando-se pelo menos 30 metros. A ilustração abaixo ajuda a visualizar essa situação:
Em razão disso, criou-se em áreas como essas, que foram sendo ocupadas ao longo dos anos, os chamados vazios urbanos. Esses nada mais são do que imóveis localizadas em locais majoritariamente ocupados quando a legislação ambiental era menos restritiva[3], mas que atualmente estão sujeitos a normas que impedem sua utilização em condições semelhantes, como na área vermelha da figura acima. A foto abaixo ilustra uma dessas situações reais:
A solução do Consema e o teor da Deliberação Normativa nº 03/2018
Em situações como essa, por mais que os vazios estejam em área geograficamente enquadradas como preservação permanente, o que se tem quase sempre são espaços que não cumprem mais nenhuma das funções ambientais que justificam a proteção atribuída a esses locais por lei. Isso significa que sua ocupação não acarretará impacto ambiental relevante.
Diante disso, com fundamento na competência que lhe foi atribuída pelo art. 3o, X, k, do Código Florestal[4], o Conselho Estadual do Meio Ambiente do Estado de São Paulo decidiu editar uma normativa, Deliberação Normativa nº 03/2018, por meio da qual classificou como de baixo impacto a regularização ou a implantação de edificações nessas áreas. Para tanto, porém, o interessado deveria demonstrar que seu (i) imóvel é urbano e (ii) que a área de preservação permanente em que ele está localizado perdeu as funções ambientais que lhe são atribuídas por lei.
Nos termos do art. 1o da Deliberação, é considerado urbano o imóvel localizado em área consolidada que atenda, simultaneamente, aos seguintes requisitos: (i) esteja incluída no perímetro urbano ou em zona urbana pelo plano diretor ou por lei municipal específica; (ii) tenha sistema viário implantado e vias de circulação, pavimentadas ou não; (iii) esteja organizada em quadras e lotes predominantemente edificados; (iv) seja de uso predominantemente urbano, caracterizado pela existência de edificações residenciais, comerciais, industriais, institucionais, mistas ou voltadas à prestação de serviços; e (v) tenha a presença de, no mínimo, 3 (três) dos seguintes equipamentos de infraestrutura urbana implantados: a) drenagem de águas pluviais; b) esgotamento sanitário; c) abastecimento de água potável; d) distribuição de energia elétrica; e e) limpeza urbana, coleta e manejo de resíduos sólidos.
Para demonstrar que a área perdeu todas as suas funções ambientais deve-se comprovar que ela (i) não mais exerce a função de preservação de recursos hídricos; (ii) que sua ocupação não compromete a estabilidade geológica; (iii) que não desempenha papel significativo na preservação da biodiversidade; (iv) que não é relevante para facilitar o fluxo gênico de fauna e de flora; (v) que sua preservação não tem relevância para a proteção do solo ou para assegurar o bem-estar das populações humanas. Essas são justamente as funções atribuídas às APPs pelo art. 3o, II, do Código Florestal[5].
A verificação do atendimento desses dois requisitos – presença em área urbana e perda da função ambiental – deve ser feita caso a caso pelo órgão ambiental, mediante a apresentação de estudos e informações pelo interessado, conforme orientação emitida pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB). Em relação ao segundo requisito, a normativa teve inclusive o cuidado de apontar em seu anexo quais indicadores deveriam ser observados pelos técnicos para aferir se de fato todas as funções ambientais acima foram perdidas. Além disso, a fim de garantir maior segurança jurídica na análise, indicou como deveria se dar a delimitação da área objeto da análise (art. 3o).
Por fim, para evitar que a normativa servisse para incentivar novas ocupações em desacordo com a legislação, estabeleceu-se que a possibilidade de edificação/regularização prevista na normativa não se aplicaria às Áreas de Preservação Permanente (APP) que perderam suas funções ambientais devido a ocupações irregulares cuja remoção possa restabelecer as funções ambientais do local (art. 7o).
O questionamento do Ministério Público e a decisão do Poder Judiciário
O Ministério Público do Estado de São Paulo discordou da solução apresentada e ajuizou ação civil pública pleiteando (i) o reconhecimento da ilegalidade da Deliberação e (ii) a invalidação das autorizações outorgadas com fundamento na normativa. Apesar ter formulado este último pedido, o Parquet não incluiu entre os réus os beneficiários dessas autorizações, optando por promover a ação apenas em face do Estado de São Paulo.
O principal fundamento apresentado pelo Ministério Público foi que o Consema teria extrapolado a competência que lhe foi outorgada pelo Código Florestal ao definir a possibilidade de edificação/regularização nessas áreas como atividade de baixo impacto. Isso porque tal atividade não guardaria similitude com as outras que foram assim definidas legislador federal no art. 3o, X, do Código Florestal, de modo que, sob o pretexto de estar regulamentando o tema, o Conselho na verdade havia criado uma nova situação de intervenção em APP. Argumentou-se também que haveria violação ao art. 8o, caput e §4o, desse estatuto legal, que impede a regularização de futuras intervenções ou supressões de vegetação nativa, além das nele previstas.
Apesar de a liminar ter sido indeferida, os argumentos acima foram acatados pelo juízo da 11a Vara da Fazenda Pública do Estado de São Paulo quando do julgamento do mérito. Em trecho que representa esse entendimento, consignou o julgador:
Trata-se, pois, de hipótese que não guarda qualquer similitude com as estabelecidas na lei federal. Isso porque, a lei prevê hipóteses de convivência pacífica entre o homem e a natureza, de modo que a legislação apenas tolera a presença de tais construções e edificações que não desnaturam a função ambiental da área de preservação. Por outro lado, a norma prevista na deliberação normativa prevê hipótese em que as características ambientais não mais existem, sendo, portanto, frontalmente incompatível. (grifamos)
Além de ter reconhecido a ilegalidade da Deliberação, o juízo, em julgamento de embargos de declaração, também acatou o pedido de invalidação das autorizações outorgadas até então, mesmo sem que os beneficiários desses atos tivessem sido parte do processo. Em trecho que fundamentou esse ponto, assinalou:
Integro para reconhecer que, ante a ilegalidade da Deliberação Normativa CONSEMA nº 03/2018 por incompatibidade com o Código Florestal, estende-se o efeito da nulidade aos atos administrativos emitidos com base em seu teor, notadamente autorizações ou regularizações de edificações. (grifamos)
Curiosamente, o juízo entendeu que o julgamento desses embargos para incluir a expressa decretação da nulidade dos atos administrativos concretos eventualmente emitidos, que configurava pedido adicional à invalidação da normativa em si, não representava modificação da decisão original e sequer ensejava a necessidade de contraditório (!).
Nossa crítica à decisão proferida
Entendemos que a respeitável decisão proferida merece duas críticas, uma de ordem material e outra de natureza processual.
Quanto ao mérito, a decisão se equivoca ao exigir um grau de identidade entre as hipóteses elencadas no art. 3o, X que não encontra respaldo legal. Ora, as hipóteses aí previstas são bem distintas, havendo desde a possibilidade da construção de residência até a simples coleta de frutos. O que as une no mesmo inciso é o fato de não causarem impacto ambiental relevante. Logo, é à luz desse critério – existência ou não de impacto relevante – que se deve avaliar se o Conselho Estadual do Meio Ambiente respeitou a competência que lhe foi outorgada pelo Código Florestal para reconhecer outras atividades de baixo impacto, além das exemplificativamente trazidas pelo Código.
Para as situações específicas tratadas pela Deliberação questionada, o impacto ambiental a ser causado pelas edificações será menor do que o gerado nas demais hipóteses previstas no mesmo artigo, uma vez que para autorizar uma intervenção em tais casos o legislador não exigiu que a área tenha perdido completamente sua função ambiental, diferentemente do que ocorre na nova normativa. Isso significa, por exemplo, que, com fundamento no Código, a construção de moradia para agricultores familiares pode se feita em área que ainda exerça função ambiental, impactando-a, ainda que de forma não elevada, mas nas hipóteses tratadas pela Deliberação isso não pode ocorrer, pois a premissa é que a área não cumpra mais função dessa natureza.
Do ponto de vista processual, entendemos que a decisão não andou bem ao declarar a invalidade de autorizações concedidas a terceiros que sequer foram identificados e não fizeram parte da relação jurídico-processual. Ora, um pedido dessa natureza atinge diretamente a relação jurídica de direito material existente entre o ente responsável pela concessão da autorização e o seu beneficiário, extinguindo-a. O mesmo se daria, por exemplo, se o objetivo fosse anular um contrato administrativo celebrado entre a Administração e um particular, caso em que também ambos deveriam figurar no processo.
Diante disso, o litisconsórcio passivo entre os dois era necessário, uma vez que, pela natureza da relação, a eficácia da sentença depende da citação de todos, sob pena de violação ao princípio do contraditório (art. 114 do CPC). Por isso, deveria o juízo ter determinado que o Ministério Público promovesse a citação dos beneficiários, sob pena de extinção do feito sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, VI, do CPC. É que, em se tratando litisconsórcio necessário, “a parte legítima é o conjunto de litisconsortes, consideradas como um todo”[6]
Nesse sentido já teve a oportunidade de decidir o Superior Tribunal de Justiça no AgInt no AREsp 1255376/SP, RESP 480.712/SP e RESP 405.706/SP, todos envolvendo a defesa de direitos difusos. A passagem abaixo, extraída da ementa do REsp 480.712/SP, ilustra o posicionamento da Corte em tais casos:
“O regime da coisa julgada nas ações difusas não dispensa a formação do litisconsórcio necessário quando o capítulo da decisão atinge diretamente a esfera individual. Isto porque, consagra a Constituição que ninguém deve ser privado de seus bens sem a obediência ao princípio do devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF/88).(…) (REsp 480.712/SP, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, Rel. p/ Acórdão Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 12/05/2005, REPDJ 05/09/2005, p. 207, DJ 20/06/2005, p. 124)
Ressalte-se que o Superior Tribunal de Justiça aplica semelhante tratamento até mesmo em ações civis públicas que questionam a implantação de loteamentos clandestinos, exigindo a inclusão dos adquirentes que possam ser prejudicados pela decisão no pólo passivo (EDcl no REsp 843978 / SP). Logo, com ainda mais razão se deve exigir a presença daqueles que obtiveram, regularmente, com base em normativa então vigente, outorga do órgão ambiental para implementar/regularizar uma edificação. Como essa regra não foi respeitada, a sentença proferida é nula, nos termos do art. 115, I do CPC.
Ainda sob a ótica processual, merece registro o fato de que a análise do pedido de reconhecimento da invalidade das autorizações proferidas se deu no julgamento dos embargos de declaração sem que o réu fosse previamente intimado para se manifestar. Isso porque, na visão do juízo, não haveria modificação da decisão. Também nesse ponto entendemos que a decisão andou mal, uma vez que houve alteração de aspecto substancial (invalidação de atos concretos anteriormente praticados), o que exigiria o prévio contraditório, nos termos do art. 1.022,§ 2º, do CPC.
Para finalizar esse ponto, merece registro ainda o fato de que a sentença não considerou o art. 24 da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro, o qual determina que “a revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas”. Como os titulares de eventuais autorizações proferidas com base na normativa sequer foram chamados ao feito para que pudessem se defender, não se sabe se haviam situações plenamente constituídas, caso em que a invalidação dos atos concretos seria vedada por lei.
Uma via alternativa para enfrentar o problema dos vazios urbanos
Apesar de reconhecermos a engenhosidade da solução proposta pelo Consema e considerarmos que ela reflete uma premissa adotada por alguns intérpretes do Código Florestal, entendemos que um outro caminho poderia – e ainda pode – ser trilhado para a resolução do problema. Esse caminho, porém, parte de uma interpretação diferente da adotada pelo órgão para o reconhecimento de uma área como de preservação permanente.
A solução construída pelo Consema partiu da premissa de que, para o reconhecimento de uma área como sendo de preservação permanente, pode o intérprete se basear exclusivamente no critério geográfico previsto no Código. Em outras palavras, basta que área seja abarcada pelos limites indicados pelo art. 4o do Código Florestal, contido na seção “da Delimitação das Áreas de Preservação Permanente”, independentemente da função ambiental que desempenhe.
Tanto isso é verdade que a normativa editada segue considerando a área como de preservação permanente mesmo quando, comprovadamente, não exerça mais nenhuma das funções que lhe são atribuídas por lei. A única diferença é que, nesses casos, determinadas atividades poderão ser realizadas porque foram consideradas de baixo impacto, justamente uma das hipóteses em que se pode intervir nas APPs.
Contudo, parece-nos que essa não é a leitura mais adequada se considerarmos que o próprio Código Florestal define as APPs não apenas com base em um critério geográfico, mas também tendo em conta um elemento funcional. Veja-se o que diz o art.3o, II:
Art. 3o, II – Área de Preservação Permanente – APP: área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas; (grifamos)
A interpretação desse dispositivo leva à conclusão de que não basta que uma área esteja enquadrada nos limites geográficos do art. 4o para que seja considerada de preservação permanente, devendo também ser capaz de cumprir as funções aí previstas. Não fosse assim, essas sequer deveriam ter sido mencionadas pelo legislador, bastando uma referencia ao art. 4o, que delimita geograficamente essas áreas sem menção a função alguma. Como pondera Yara Maria Gomide Gouvêa, “a partir da inclusão, na lei, da função a que se destina a APP, seu objetivo não pode ser mais ignorado.”[7][8]
Partindo da premissa de que um espaço só pode ser considerado área de preservação permanente quando preencher esses dois requisitos – geográfico e funcional[9] – de forma cumulativa, tem-se que, em vez de buscar enquadrar as atividades desenvolvidas em área que não exerce mais função ambiental como de baixo impacto, o Consema poderia simplesmente ter se valido de normativa semelhante para detalhar os critérios técnicos a serem observados pelo órgão ambiental para o reconhecimento de uma área como não sendo de preservação permanente. Com isso, resolver-se-ia o problema dos vazios urbanos sem a necessidade de se enfrentar a discussão sobre os limites da competência atribuída pelo Código Florestal aos Conselhos Estaduais do Meio Ambiente.
Observe-se que a atividade do órgão ambiental nesses casos seria de natureza meramente declaratória, decorrente da aplicação direta do Código Florestal. Não haveria neste ato a desconstituição de áreas de preservação permanente, o que evidentemente violaria a legislação, mas o simples reconhecimento de uma realidade, qual seja, a de que em determinadas situações áreas delimitadas no art. 4o não desempenham função ambiental, por isso não devem ser consideradas de preservação permanente.
Rigorosamente falando, sequer há necessidade de edição uma norma infralegal pelo Consema para que o órgão ambiental possa assim proceder, uma vez que se trata de simples interpretação e aplicação da legislação em vigor. Entretanto, como o tema é complexo e controverso, como prova a decisão aqui analisada, a edição de uma deliberação reconhecendo essa possibilidade e padronizando os critérios técnicos a serem observados, tal como feito pela Deliberação Normativa Consema nº 03/2018, especialmente em seu anexo e nos arts. 1o e 3o, seria bem-vinda e traria maior segurança jurídica a todos os envolvidos.
A competência do Conselho para edição de uma norma com essa finalidade pode ser extraída do art. 2o, I, da Lei Estadual no 13.507/2009, que definiu entre suas atribuições “estabelecer normas relativas à avaliação, ao controle, à manutenção, à recuperação e à melhoria da qualidade ambiental”. A lei em questão e esse dispositivo específico são respaldados pelos arts. 24 e 23 da Constituição Federal, que consagram, respectivamente, a competência legislativa concorrente dos Estados e a competência material comum para o exercício do poder de polícia em matéria ambiental, o que inclui a possibilidade de edição de atos administrativos normativos. Guarda coerência também com o art. 6o, § 1º, da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei Federal no 6.938/81), o qual reconhece a competência dos Estados para elaborar normas supletivas e complementares e padrões relacionados com o meio ambiente.
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Notas:
[1] Este texto foi produzido como resultado do Bate-papo Virtual promovido pelos professores Marcos Saes e Albenir Querubini, no dia 13 de novembro de 2019. O debate contou com a participação dos professores(as) Cristiane Jaccoud, Leonardo Papp, Luiza Furiatti e Rodrigo Passaretti.
[2] Se deixarmos de lado a identidade de nomenclatura, a origem das APPs pode ser encontrada ainda mais longe, no Decreto 4.421, de 1921, que faz menção a florestas protetoras.
[3] Além de situações como a acima narrada, tem-se também casos onde o vazio decorre da implantação de obras públicas ou privadas, devidamente autorizadas. É o que registra a Informação Técnica no 012/19i, de 30/04/2018, elaborada pela CETESB: “Também podem ser observadas no ambiente urbano situações em que a implantação de obras pelo poder público ou pelo setor privado, devidamente autorizadas pelos órgãos competentes, para implantação de estruturas de proteção aos corpos d’água, retificação e alteração do leito do curso d’água, implantação de avenidas e ruas em fundos de vale, ou canalizações de seção aberta ou fechada, bem como a remoção de vegetação e o aterramento de nascentes, promoveram uma grande alteração nas áreas de APP originais, gerando descontinuidade e fragmentação das áreas protegidas e, em alguns casos, a perda das funções ambientais”.
[4] Art. 3o, X – atividades eventuais ou de baixo impacto ambiental: outras ações ou atividades similares, reconhecidas como eventuais e de baixo impacto ambiental em ato do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA ou dos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente;
[5] Art. 3o, II – Área de Preservação Permanente – APP: área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas;
[6] CARNEIRO, Athos Gusmão. Intervenção de terceiros. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p.11.
[7] MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme (coords). Novo Código Florestal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p.74.
[8] É também a posição de Édis Milaré: “não se pode conceber as APPs desprovidas dessas funções que lhe são precípuas, todas referenciadas pela Lei 12.651/2012 – o novo Código Florestal, como tem sido chamado -, sob pena de tornar letra morta a legislação inspiradora de sua criação, protegendo espaços indignos de tal tutela. (MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 11.ed. Revista dos Tribunais: São Paulo, 2018. p.1655.
[9] É o entendimento de Paulo de Bessa Antunes: “consideram-se áreas de preservação permanente aquelas que apresentam dois requisitos fundamentais, (i) a função ambiental e (ii) as definições geográficas contempladas no Novo Código Florestal. Não há que se confundir a mera localização geográfica com o conceito legal de área de preservação permanente.” (ANTUNES, Paulo de Bessa. Áreas de Preservação Permanente Urbanas: o Novo Código Florestal e o Judiciário. Revista de informação legislativa : v. 52, n. 206 (abr./jun. 2015))