Introdução
O inquérito civil ambiental, conduzido pelo Ministério Público, representa um momento de alta complexidade e risco para empresas e particulares. É o procedimento que pavimenta o caminho para a celebração de Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) ou para o ajuizamento de Ações Civis Públicas.
Nesse contexto, a atuação do advogado sempre foi crucial. Contudo, uma decisão paradigmática do Superior Tribunal de Justiça (STJ) redefiniu drasticamente os contornos da responsabilidade ambiental, tornando a assessoria jurídica não apenas estratégica, mas vital para o investigado.
Dissecando a Decisão: Fatos e Fundamentos do REsp 2.091.242/RS
Para compreender a magnitude da mudança, é essencial analisar os detalhes do julgamento que alterou o panorama.
O Caso Concreto: A origem da disputa foi a execução de uma multa por descumprimento de obrigações firmadas em um TAC ambiental pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul. O Tribunal de Justiça gaúcho havia declarado a prescrição da cobrança, entendendo ser aplicável o prazo de cinco anos, conforme a Súmula 467/STJ.
A Distinção Jurídica Chave: O STJ, ao reformar a decisão, traçou uma distinção técnica fundamental. O relator, Ministro Herman Benjamin, esclareceu que a Súmula 467/STJ se aplica estritamente a multas de natureza administrativa. A multa fixada em um TAC, contudo, possui natureza de cláusula penal, uma sanção de natureza civil prevista em um negócio jurídico (o acordo).
O Princípio da Acessoriedade: O pilar da decisão foi a máxima jurídica de que “o acessório segue o principal”. O STJ invocou precedentes cruciais para sustentar sua tese: o Tema 999 do STF (RE 654.833/AC), que estabeleceu a “imprescritibilidade da pretensão de reparação civil de dano ambiental”, e o EREsp 1.281.594/SP, que assentou que a pretensão acessória segue a sorte da principal quanto à prescrição.
A Conclusão Lógica e Impactante: Se a obrigação principal – a de reparar o meio ambiente – é imprescritível, a obrigação acessória – a de pagar a multa pelo descumprimento – também deve ser. Com isso, a Corte afastou a prescrição, criando um novo e perpétuo estado de responsabilidade para quem firma um TAC.
Uma Crítica ao Posicionamento: O Foco na Reparação do Dano
Aqui reside um ponto que merece uma reflexão crítica. O princípio norteador do Direito Ambiental é a reparação integral e prioritária do dano in natura. A multa, ou cláusula penal, é uma ferramenta coercitiva, um meio para atingir um fim: a efetiva recuperação do bem lesado.
A decisão do STJ, ao eternizar a exigibilidade da multa, corre o risco de inverter essa lógica e supervalorizar o meio (a sanção pecuniária) em detrimento do fim (a reparação).
Ao manter a possibilidade de execução perpétua de uma penalidade, mesmo nos casos em que a obrigação principal de reparar o dano venha a ser cumprida, a visão adotada pode levar ao descrédito da efetiva recuperação. O foco pode se deslocar da busca pela solução ambiental para a simples cobrança de um passivo financeiro, desvirtuando o propósito da legislação.
Se o STJ se baseou na premissa de que “o acessório segue o principal”, essa mesma lógica deveria extinguir a sanção acessória uma vez que o principal – a reparação ambiental – seja alcançado. Manter a cobrança após o cumprimento da obrigação principal parece ferir o princípio da razoabilidade e o próprio espírito do Direito Ambiental.
A Atuação Estratégica do Advogado
Diante deste cenário de risco perpétuo, a atuação do advogado no inquérito civil precisa ser ainda mais detalhista e proativa, desdobrando-se em fases claras:
Fase de Diagnóstico e Defesa Inicial: Desde a primeira notificação, o advogado deve iniciar imediatamente uma auditoria interna, técnica e jurídica. Nessa fase, a contratação de assistentes técnicos é fundamental para a elaboração de laudos independentes que possam contrapor as alegações iniciais do Ministério Público, qualificando o debate.
Fase de Negociação do TAC: A Advocacia Preventiva de Cláusulas: Este se tornou o momento mais crítico. A negociação não é mais sobre “o que” fazer, mas sobre “como” e “quando” comprovar o que foi feito. O advogado deve focar em:
Obrigações Claras e Mensuráveis: Lutar por cláusulas que descrevam obrigações com metas objetivas, quantificáveis e com prazos exequíveis, evitando que acordos imponham obrigações excessivas ou inexequíveis.
Mecanismos de Notificação e Validação: Inserir no acordo a obrigatoriedade de o órgão fiscalizador notificar formalmente o compromissário sobre eventuais falhas, concedendo um prazo para regularização antes da incidência da multa.
Estabelecimento de Marcos de Cumprimento: Definir no TAC pontos de verificação periódicos, nos quais o compromissário apresenta relatórios e o MP/órgão ambiental valida o cumprimento daquela etapa, dando quitação.
Fase Pós-Acordo: A Gestão do Cumprimento: A atuação do advogado não termina com a assinatura do TAC. É seu papel orientar o cliente a criar uma rotina de monitoramento e documentação rigorosa de todas as ações tomadas. Cada passo do cumprimento deve ser registrado e comunicado formalmente ao MP, construindo um histórico robusto que servirá de prova irrefutável da boa-fé e do adimplemento das obrigações.
Conclusão
O REsp 2.091.242/RS não apenas resolveu um caso, mas reescreveu as regras do jogo para os acordos ambientais no Brasil. A decisão solidifica a proteção ao meio ambiente, mas ao custo de uma significativa redução da segurança jurídica. Neste novo paradigma, a advocacia ambiental deixa de ser apenas reativa para se tornar um elemento de prevenção de riscos, onde cada cláusula negociada e cada etapa cumprida são peças fundamentais para proteger o cliente de uma responsabilidade que, agora, não tem mais prazo para acabar.
Rodrigo