por Samanta Pineda.
Estão sendo discutidas propostas de mudanças nas regras do licenciamento ambiental tanto no Congresso Nacional quanto no Conselho Nacional de Meio Ambiente, o CONAMA. Também pudera!! Muitos, mas muitos empreendimentos, dos mais simples aos mais complexos, deixaram de ser concluídos por desistência dos empreendedores diante da burocracia, lentidão e insegurança do procedimento, sem falar em custos, muitas vezes proibitivos, da conclusão dos projetos almejados.
O licenciamento ambiental é uma ferramenta extremamente útil e necessária a um desenvolvimento baseado no tripé da sustentabilidade, ou seja, ações ecologicamente corretas, socialmente justas e economicamente viáveis. Além de prevenir e minimizar riscos de danos ambientais, impele o empreendedor a conhecer e planejar seu projeto e com isto diminui também riscos de prejuízo econômico.
No entanto, o licenciamento ambiental no Brasil se tornou entrave. É lamentável ver tão desvirtuadas finalidades nobres de um instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente instituído desde 1981 pela Lei 6.938 para todos os empreendimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais.
Difícil entender exatamente onde está o problema, mas fica claro quando analisamos uma soma de fatores em um contexto histórico. Desde a instituição do licenciamento foram sendo criadas inúmeras normas para disciplinar a forma e os procedimentos necessários à obtenção da licença, com isto o primeiro problema: a grande quantidade de regras diferentes e a falta da padronização de um processo de licenciamento, principalmente de um estado para outro do Brasil. As dúvidas eram muitas, desde saber quem era o órgão competente para licenciar até quais os procedimentos adequados ao licenciamento de cada tipo de empreendimento.
Em um breve relato histórico tem-se a já citada Lei 6.938/81, criando e definindo o licenciamento ambiental de forma expressa, diferente de diplomas anteriores que davam notícia vaga sobre o assunto (DL 1.413/75 e Lei 6.803/80), em 1986 a Resolução 001 do CONAMA trouxe novamente o tema para o cenário nacional, estabelecendo necessidade de um estudo de impacto ambiental e um relatório que apresentasse em linguagem acessível as conclusões desse estudo. O chamado EIA/RIMA passou então a ser exigido pelos órgãos ambientais como pressuposto para o licenciamento de alguns empreendimentos considerados de maior impacto.
A Constituição Federal de 1988 foi a primeira do mundo a exigir estudo de impacto ambiental na implantação de empreendimentos potencialmente poluidores, recepcionando integralmente as regras anteriores.
Depois disso, somente em 1997 o CONAMA editou a resolução 237, que passou a ser a principal diretriz dos processos de licenciamento ambiental. Durante este período, de 1981 até 1997, houve muita insegurança e diversas autuações, embargos e processos judiciais ligados à falta de licença ambiental, pois a Lei 6.938/81 estabeleceu:
“Art. 10. A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental dependerão de prévio licenciamento ambiental.”
No entanto não disse como fazê-lo!
As constituições estaduais passaram a incluir o tema em suas redações, tais como São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso e outros. A Lei 9.605/98, chamada Lei de Crimes Ambientais passou a penalizar a falta de licença ambiental com pena de detenção de um a seis meses ou multa, ou ambas as penas cumulativamente. Muitos estados regulamentaram seus procedimentos de licenciamento em resoluções e portarias.
Em 2008 o IBAMA editou a Instrução Normativa 184 criando um rito para o processo de licenciamento e estabelecendo as formas de requerimento, diferenciando os processos dependendo do tipo de impacto.
Por fim, em 2011 foi regulamentado o tema das competências em matéria ambiental pela Lei Complementar 140, que definiu o critério de licenciamento pela União, Estados ou Municípios de acordo com o impacto do empreendimento. Absolutamente necessária a citada regulamentação, pois era comum acontecer o licenciamento pelo órgão ambiental estadual e no meio da obra ou desenvolvimento da atividade haver aplicação de multa e embargo pelo IBAMA ou vice-versa, gerando grande insegurança jurídica.
O que se percebe de pronto são dois aspectos que colaboram para que o licenciamento ambiental seja mais entrave do que baliza: o primeiro é que a evolução das regras foi muito lenta frente à dinâmica da sociedade; e o segundo, basicamente consequência do primeiro, é que o excesso de normas esparsas sobre o tema, além de causar insegurança jurídica deu margem a um dos mais amplos e perversos meios de corrupção.
Sim! A corrupção ambiental.
Há diversas denúncias e relatos sobre a indicação veemente de empresas de parentes de funcionários dos órgãos para consultoria nos processos de licenciamento e também de fiscais que “visitam” obras e fazendas periodicamente, alguns sutilmente sugerindo que há irregularidades que podem ser ignoradas e outros cometendo verdadeiros achaques em troca de propina.
No momento em que um produtor rural precisa instalar um pivô de irrigação, ampliar um galpão, fazer a limpeza do pasto ou aumentar a produção, esperar por um processo de licenciamento ambiental moroso, que muitas vezes não tem rito definido, documentação necessária conhecida e que pode durar anos, pode ser a condenação à clandestinidade.
Em virtude de tudo isto, diversas propostas de aprimoramento do licenciamento ambiental estão em trâmite, tanto no Congresso Nacional quanto no próprio CONAMA.
O projeto de lei que tem causado certa polêmica é o 654/2015 do Senador Romero Jucá que propõe uma simplificação do licenciamento de projetos estratégicos para o Governo, tais como nas áreas de transporte, energia, telecomunicações e outros de infraestrutura. A simplificação proposta vem na supressão da audiência pública que é a etapa que dá publicidade ao projeto a ser licenciado e dá aos interessados a oportunidade de manifestação, mas não tem qualquer papel deliberativo, ou seja, as manifestações não vinculam o órgão licenciador.
Outra alteração sugerida é o estabelecimento de prazo para o trâmite dos processos. Conforme a proposta do projeto de lei, os órgãos ambientais terão entre 7 e 9 meses para se manifestarem sobre a aprovação do empreendimento, o que para o padrão dos prazos de licenciamento é muito rápido.
Na Câmara dos Deputados o PL 327/2004, que tem mais 11 projetos a ele anexados, trata do assunto de forma diferente, mas também nesta linha, de simplificação e celeridade. Alguns projetos, no entanto, aumentam as exigências, como o PL do Deputado Chico Alencar que pretende tornar obrigatório o inventário de emissões de gases do efeito estufa nos processos de licenciamento, além de todos os documentos já necessários.
Preocupado com o tema, o Ministério Público Federal está realizando audiência públicas pelo Brasil para ouvir a sociedade. É imprescindível a participação do setor produtivo nas discussões para que haja o entendimento das necessidades daqueles que buscam os órgãos ambientais na dinâmica do acontecimento das atividades diárias.
Mais do que toda a evolução das normas, mais do que a importância em proteger o meio ambiente através de instrumentos eficazes ou de haver posições contra e a favor às modificações propostas para o licenciamento ambiental, é necessário que este seja um balizador das atitudes dos empreendedores e gestores públicos, é para isto que a ferramenta licenciamento foi criada e não pode desviar de sua finalidade. No entanto, para que isto aconteça é preciso que a mentalidade de que o empreendedor é sempre mal-intencionado e que busca o lucro a qualquer custo, mesmo que a custo do ambiente em que viverão seus filhos e netos, seja abolida.
Evoluir o conceito da divisão entre o bom e mau para desburocratizar e deixar o processo de licenciamento mais fluido, com regras mais claras, só tem a contribuir para o desenvolvimento e para o cuidado adequado com o meio ambiente, pois atualmente há eficazes regras de punição, inclusive criminais, para aqueles que causarem danos.
Tudo isto pode parecer bastante complicado, mas na hora de defender a melhoria do licenciamento ambiental no Brasil não se tem muito a pedir. Pode-se resumir o aprimoramento necessário das regras a alguns pontos principais, a começar por uma Lei Federal que uniformize as regras gerais e trate de, pelo menos, 5 itens básicos:
1. Termo de referência prévio, que consiste em uma lista de documentos necessários e adequados ao licenciamento de cada tipo de empreendimento ou atividade para que aquele que vai pedir a licença saiba com antecedência do que vai precisar;
2. Estudos definidos e dimensionados a cada nível de impacto ambiental;
3. Definição de um rito ordinário e um rito sumário, para que o trâmite seja previamente conhecido e adequado à dimensão do que se está licenciando;
4. Estabelecimento de prazos para cada etapa do procedimento, inclusive para a manifestação dos órgãos ambientais e
5. Procedimento eletrônico que facilitará o trâmite do licenciamento, principalmente em áreas distantes.
A consciência de que o resultado das discussões sobre o licenciamento ambiental irá influenciar diretamente na vida do produtor deve leva-lo à busca por informação e participação. O direito sempre deve ser o resultado dos anseios da sociedade.
(* Artigo originalmente publicado na Revista A Granja, maio/2016, nº 809 – Ano 72, pp. 38-41)
Samanta Pineda é Advogada Especialista em Direito Socioambiental pela PUC/PR, Professora de Direito Ambiental da FGV. Sócia do Escritório Pineda & Krahn (www.pinedaekrahn.com.br).
Obrigado pelo comentário Guilherme.
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Att
Maurício Fernandes
DireitoAmbiental.Com
Dra. Samanta, com todo respeito à suas colocações, venho discordar, não apenas como ambientalista convicta, não chiita, mas como consultora em meio ambiente, com uma prática de acompanhamento de empreendimentos polêmicos, licenciados por razões políticas, e suas consequências sócio ambientais, como Belo Monte.
Meu questionamento é, a senhora já fez trabalho de campo? Já acompanhou o atendimento às condicionantes da LP, e os impactos reais sobre comunidades e o meio ambiente? A Samarco teve as barragens licenciadas e o que aconteceu? Será que a segurança jurídica é mais importante que a das pessoas e do ambiente?
O “entrave ambiental” não tem impedido desastres como Mariana, Belo Monte e não impedirá o rompimento de qualquer das outras 152 barragens de rejeitos. Acredito que precisamos de uma modificação na Legislação Ambiental para tornar mais severas e imediatamente aplicáveis as multas e demais penalidades para os empreendimentos como a Samarco e seus sócios. Quanto aos prazos, é impossível estabelecer prazos fixos, quando as realidades sócio ambientais do país são tão diversas. Pelas mesmas razões, criar uma “padronização” será desastroso.
O problema dos EIA/RIMAs é que são feitos por Consultorias de alto padrão, especializadas, em linguagem técnica, dentro de escritórios, sem contato com a realidade dos locais. Aí, como aconteceu com Belo Monte, o primeiro Parecer de especialistas sérios e competentes do IBAMA foi contrário ao projeto. Então, por interesse políticos e das barrageiras, foi entregue a outra equipe para aprovação. E daí em frente, o que aconteceu só comprova o seu argumento sobre a corrupção. Mas nada tem a ver com prazos ou padronização.
A Lei Complementar 140/2011, atribui aos Municípios uma competência para licenciar, sem que a grande maioria tenha a mínima condição ou expertise para tanto. Muitos prefeitos nem sabem do que se trata. Há que se ter em conta que o maior número de Municípios no Brasil é de pequeno porte. E justamente os mais afastados é que terão que lidar com o licenciamento, lembrando que se situam em áreas sujeitas aos grandes impactos.
O PL 654/2015, já começa mal pelo autor. e continua com o relator, conhecido nacionalmente como o “senhor motosserra”. É evidente que representa os interesses de uma classe e de políticos envolvidos no maior escândalo de corrupção já visto no mundo! Imagine suprimir as Audiências Públicas, que já não cumprem sua função!
Nem todos os empreendedores são mal intencionados, Dra., mas a grande maioria é voltada apenas para seus interesses econômicos financeiros, com foco no lucro, custe o que custar, não importa os métodos a serem usados. Como exemplo de boas práticas, as Indústrias Klabin, antes da metade do Século XX, já replantavam araucárias, no Paraná.
Quanto à regras de “punição” são sempre ineficazes! Qual a “punição” para a morte do Rio Doce, a destruição das comunidades, as perdas das vidas e de todas as identidades culturais, tradicionais das comunidades atingidas? Nem a pena de morte para os irresponsáveis que deram causa ao rompimento da barragem seria eficaz. Como a multa ridícula de R$ 15.000.000,00 (quinze milhões) para a Norte Energia por danos morais, que seguramente ainda vai ter todos os recursos legais e, no final, provavelmente nem será aplicada.
Agora há uma mineradora canadense – SUN – que pretende extrair ouro, na Vota grande do Xingu, a 19 kms da usina de Belo Monte, usando cianeto!!!! Felizmente, ainda não conseguiu a licença do IBAMA.
Para encerrar reiterando o meu respeito pelas suas colocações, concordo que “o direito sempre deve ser o resultado dos anseios da sociedade”, mas entendo que estes não se identificam com os anseios de um empreendedorismo irresponsável, causador de degradação ambiental e de tragédias sociais.
Sulema Mendes de Budin