sexta-feira , 22 novembro 2024
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Entrevista exclusiva com Dr. Vladimir Passos de Freitas

post-entrevistaPoucos brasileiros possuem a experiência de Vladimir Passos de Freitas. Paulista de nascimento, é reconhecido como cidadão sulista por sua atuação na Justiça Federal da 4º Região, que abrange os três estados do Sul. Fora do país, contribui na formação de Juízes para atuar no Direito Ambiental. Criador das Varas Ambientais na época em que presidiu o TRF4, caracteriza-se por peculiar pragmatismo na tutela ambiental. Realista, protege o ambiente sem afastar-se das necessidades sociais e publicou obras importantes numa época em que a aridez doutrinária reinava no direito ambiental brasileiro. As inesquecíveis obras “Direito Ambiental em Evolução” tiveram o início em 1998 e são marcos na história do Direito Ambiental.

Sua carreira é exemplar para qualquer profissional. Já foi aprovado em concursos para cargos de delegado federal, promotor em dois estados, professor e magistratura federal, onde se aposentou como Desembargador.

Atualmente é professor de Direito Ambiental na pós-graduação da PUCPR (mestrado/doutorado), consultor em escritório com sede no Paraná, é colunista do site Consultor Jurídico e em maio assumirá a presidência da “International Association for Court Administration – IACA”, com sede nos Estados Unidos da América.

DireitoAmbiental.Com agradece a contribuição do Prof. Vladimir em ceder parte do seu precioso tempo para falar conosco sobre a evolução do Direito Ambiental.

Acesse o currículo completo do Prof. Vladimir Passos de Freitas em: http://www.vladimirfreitas.com.br/curr_completo.asp

DireitoAmbiental.Com: Já escreveste sobre diversos temas, tais como Direito Criminal, Internacional e Previdenciário. Mas sua atuação no Direito Ambiental é sobremaneira reconhecida, o que lhe trouxe para este ramo do direito?

VPF: Direito Ambiental é a minha matéria. Nas outras áreas, inclusive Tributário, limito-me a coordenar livros sobre temas relevantes e, de regra, não comentados. Interessei-me pelo Direito Ambiental em 1974, quando era Promotor de Justiça em Caraguatatuba, litoral norte do Estado de São Paulo. A Polícia Florestal – este era o nome – mandava-me autos de infração por ofensa ao Código Florestal e Lei de Proteção à Fauna.  Aquilo me parecia importante, pois eu adorava a natureza exuberante da região, Mata Atlântica de um lado e Oceano Atlântico do outro. Comecei a denunciar os contraventores (ainda não eram crimes ambientais), fiz às minhas custas uma denúncia impressa, que incluía despacho do juiz, e com isto começaram a ter andamento processos e a sair sentenças. Das sentenças, recursos e depois jurisprudência do então Tribunal de Alçada Criminal. Além disto, mandei blocos daquelas denúncias impressas aos promotores de toda a região de Mata Atlântica do estado, sugerindo que processassem eventuais contraventores. Era uma época ingênua, pois os problemas ambientais ainda eram pequenos.

 

DireitoAmbiental.Com: Antes de ser advogado e professor, foste delegado, promotor e magistrado. Como cada carreira jurídica atua e pode contribuir para a evolução do Direito Ambiental?

VPF: Acredito que todos têm um papel importante e um dever constitucional de preservar o meio ambiente. Evidentemente, algumas profissões possibilitam uma ação maior. Por exemplo, ser Promotor de Justiça em comarca de grandes problemas ambientais. Mas, um advogado tem a missão relevante de orientar, prevenir a ocorrência do dano ambiental, além de defender e evitar excessos na área administrativa ou mesmo judicial. Um delegado pode fazer parte de uma especializada em crimes ambientais, onde terá funções relevantes. Mas pode, da mesma forma, apurar delitos em uma Delegacia comum. Todavia, eles têm muitas dificuldades quando não especializados, porque vivem envolvidos com outros crimes graves e não contam com peritos especializados. O juiz tem um papel ímpar, cabe-lhe medir os danos no caso e decidir com os olhos postos nos resultados da ação para o meio ambiente, sempre atento aos reflexos econômicos e sociais. Professores também assumem posição importante, despertando o interesse dos alunos para a matéria.

 

DireitoAmbiental.Com: Há décadas atuando ativamente no Direito Ambiental, pode afirmar que já é um ramo consolidado/maduro ou ainda em desenvolvimento?

VPF: Na minha opinião, pelo menos no Brasil, é um ramo consolidado. Poucas Faculdades de Direito não o adotam no seu currículo. É um ramo invasivo, às vezes predador de outra matérias mais tradicionais. Por exemplo, ao quebrar séculos de tradição que diziam não poder a pessoa jurídica ser responsabilizada criminalmente. Penso que ele está consolidado, mas está e estará sempre em desenvolvimento, porque vai se adaptando aos novos problemas que surgem com o tempo.

 

DireitoAmbiental.Com: Participaste da criação da Lei n. 9.605/98, a chamada Lei dos Crimes Ambientais, que deu nova dimensão à tutela ambiental brasileira. A Lei está atingindo a expectativa que se depositou nela?

VPF: Acredito que sim. Em que pese seus problemas, decorrentes da pressa com que foi projetada e editada, ela se tornou um bom auxiliar na prevenção e repressão das condutas danosas. Milhares de acordos são feitos em ações penais, com proveito ao meio ambiente. Tipos penais inovadores, como a ausência de licença para a prática de mineração, tornaram-se palco de centenas de condenações e assim colaboram na proteção do meio ambiente.

 

DireitoAmbiental.Com: Um rompimento com dogmas pré-existentes foi a responsabilidade penal da pessoa jurídica. Aos poucos a jurisprudência foi assimilando essa inovação. No início de sua aplicabilidade, o concurso com a pessoa física era inafastável, mas desde o ano de 2014 o STF, inclusive, já reconhece a possibilidade de a PJ responder sozinha pelo crime ambiental. Qual a importância de responsabilizar criminalmente uma empresa?

VPF: Acredito ser importante, pois a realidade mostra que nunca se chega à descoberta dos principais responsáveis pelos grandes danos. Então, o que nos Estados Unidos se faz desde 1909, por autorização da Suprema Corte, passou a ser possível no Brasil em 1998. Mesmo assim, a resistência inicial foi tanta que a primeira decisão colegiada só ocorreu em 2003, no TRF da 4a. Região.  Empresas temem a prisão de seus diretores e também a má divulgação de sua imagem. Funciona.

 

DireitoAmbiental.Com: Desastres como o da Mineradora Samarco, em Mariana/MG (nov/2015) são inesquecíveis e devem servir de exemplos sobre o que deve e, principalmente, como não se deve afastar-se do princípio da prevenção. O mar de lama tóxica instaurou uma crise socioambiental na região, com decisões judiciais conflitantes ou sobrepostas, atuação estadual e federal, mas na prática a população viu a degradação ambiental ocorrer sem medidas concretas que a evitassem. Ou seja, assistiu-se os resíduos chegarem no mar, após percorrerem dois Estados da Federação deixando um rastro de destruição e morte. O direito ambiental vigente não foi utilizado adequadamente para impedir a poluição? O que poderia ter sido feito, dentre os instrumentos vigentes, para evitar tamanha devastação?

VPF: O caso ainda não está bem esclarecido, mas acredito que o problema não foi do Direito Ambiental, mas sim de administração. A mineradora não cumpria as regras, agentes do órgão ambiental de Minas Gerais não monitoravam o local, segundo a imprensa foram até impedidos de entrar no local, e o Departamento Nacional de Produção Mineral, sabidamente sem estrutura adequada, revelou-se incompetente. Tenho viajado por todo o mundo e por ser curioso sempre visito instituições públicas, Universidades, converso com pessoas. Tenho uma visão pessimista do nosso povo como administradores. Se fosse dar uma nota de 0 a 10, daria 4. Somos criativos e cordiais, mas administramos mal. 

 

DireitoAmbiental.Com: Considerando esse desastre, é preciso que o Direito Ambiental seja aperfeiçoado? De que forma? A falha está na Lei ou na aplicação desta?

VPF: Como disse, acho que a falha está na aplicação da legislação. Nesta poderia haver alguns avanços, como o estabelecimento de competência judicial única para os milhares de processos. Mas o principal, na minha visão, é a aplicação.

 

DireitoAmbiental.Com: A tutela ambiental é comum a todos os entes da federação, mas o Sisnama efetivamente está preparado para uma atuação cooperada como preceitua a CF/88?

VPF: Penso que não. Outra característica nossa é o individualismo. Temos dificuldade de trabalhar em grupo. Isto se reflete em tudo, inclusive no Sisnama. Todos desconfiam de todos e o resultado é a ineficiência do sistema. Precisamos evoluir, sentar na mesa sem preconceito e discutir as formas de operar. No Canadá há exemplos fantásticos disto. Por exemplo, os Tribunais Administrativos de Toronto, inclusive o Ambiental, reúnem-se uma vez por mês, por suas chefias, para discutir formas de aprimoramento. Chegam até a ceder servidores para socorrer um mais necessitado. Quem sabe um dia chegamos a algo semelhante.

 

DireitoAmbiental.Com: A atuação do Ibama sobre o empreendimento licenciado pelo Estado de MG gerou um debate sobre competência em matéria ambiental. Algumas vozes entendem que o art. 17 da LC n. 140/11 revogou o art. 76 da Lei n. 9.605/98. Qual seu entendimento?

VPF: O artigo 17 da Lei Complementar 140 de 2011, veio como tentativa de pôr fim à confusa autuação por diferentes entes ambientais. Considero-o muito bom, quem licencia é que fiscaliza e autua. Claro e direto, dá as regras do jogo aos interessados. Não estudei e nem vi artigos discutindo a possível revogação do artigo 76 da Lei 9.605, de 1998. Revogação explícita não houve. Implícita, talvez. Mas acho que temos que amadurecer a discussão, porque é possível que em alguns casos haja superposição de licenças, pelas características do empreendimento.

 

DireitoAmbiental.Com: Reconhecidamente otimista, qual sua mensagem para os profissionais do direito e empresas que atuam com atividades potencialmente poluidoras?

VPF: Gostei do “reconhecidamente otimista”. Realmente, assim me considero, talvez até como uma forma de defesa diante dos problemas que a vida nos traz. A mensagem que eu daria às empresas com atividades potencialmente poluidoras é: aproximem-se e participem da comunidade, não economizem em prevenção de danos ambientais e procurem, apesar das dificuldades existentes, fazer contratos de seguros que arquem, mesmo parcialmente, com o ressarcimento de danos ambientais.

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Um comentário

  1. Kathia Vasconcellos Monteiro

    Não tem como ouvir o nome de Vladimir Passos de Freitas e não lembrar de Barra Grande. Casos como o da UHE de Barra Grande é um grande exemplo de que na vida real outros tantos pontos valem mais que e lei e a preservação do pouco que resta da mata atlântica
    Mas não importa, pessoas como nós ainda vamos ver a lei ambiental ser aplicada sem considerar questões econômicas e/ou políticas

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