segunda-feira , 30 dezembro 2024
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Ações urgentes no pós-queimadas: aumento do rigor legal, educação ambiental e recuperação áreas queimadas

Por Luiz Fernando Schettino e Fabiano Lepre Marques

O artigo 225 da Constituição Federal de 1988 estabelece que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, impondo ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

A teor do exposto, o Código Penal Brasileiro, por sua vez, tipifica diversos crimes ambientais, incluindo dentro deste contexto a destruição de florestas e vegetação. No entanto, apesar da gravidade in abstrato das condutas, as sanções penais previstas se revelam demasiadamente brandas, o que acaba por não desestimular as práticas criminosas por parte dos infratores.

A Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998), de forma complementar ao Código Penal, estabelece sanções penais e administrativas para condutas lesivas ao meio ambiente. Nesse turno a lei prevê, como regra, a imposição de penas restritivas de direitos de caráter pecuniário, reservando a imposição da pena privativa de liberdade somente a casos mais graves. No entanto, é cediço que a aplicação dessas penas ainda enfrenta desafios, tais como a falta de rigor na fiscalização e na execução das sanções.

Desse modo, torna-se nitidamente perceptível uma relação/conexão entre o disposto no artigo 225 da Constituição Federal e as previsões constantes do Código Penal e da Lei de Crimes Ambientais – o que realça a flagrante necessidade de um sistema jurídico robusto e eficaz para a proteção do meio ambiente. queimadas

Cabe ressaltar, que as queimadas em vegetação/florestas podem ser causadas por fatores naturais, mas no corrente ano, conforme amplamente divulgado pela mídia, é resultado da ação humana. Destarte, as principais causas que ensejam os danos ambientais estão relacionadas aos desmatamentos decorrentes de condutas de expansão agrícola e pela queima da vegetação para limpeza de terrenos.

Assim, diante da latente preocupação humana com o surgimento de incêndios em vegetação/florestas e os danos ambientais e à saúde resultantes, tem-se como urgente a necessidade de implementação de ações coordenadas com o  fim de conter a sanha de quem degrada o meio ambiente irresponsavelmente. queimadas

Face o exposto, a adequada tipificação dos crimes ambientais, o endurecimento das sanções correlatas aos crimes dessa natureza e a obrigatoriedade de recuperação ambiental se apresentam como alternativas jurídicas para uma maior proteção ambiental.  queimadas

Ainda nesse turno, a destruição de vegetação e florestas, especialmente por meio de queimadas, tem consequências devastadoras para a biodiversidade, para o clima e para a saúde pública, o que torna crucial a implementação de uma revisão legislativa que efetivamente possa responsabilizar, dissuadir a quem praticar ilícitos ambientais, assim como compelir os infratores a recuperar os danos causados ao meio ambiente.

Neste aspecto, em especial, a restauração de áreas degradadas se revela essencial para a mitigação dos impactos ambientais e para a promoção da recuperação dos ecossistemas. Medidas como: o plantio de árvores nas áreas queimadas, a recuperação de solos, a proteção de nascentes e a realização de um programa robusto de educação ambiental são fundamentais para garantir a sustentabilidade ambiental a longo prazo.

Nesse contexto, como contribuição jurídica para o debate, faremos uma singela proposição legislativa. queimadas

No Código Penal Brasileiro (CP) – Decreto Lei nº 2.848 de 07 de dezembro de 1940, não há uma definição específica para incêndio em relação à vegetação/florestas. O artigo 250 do mencionado codex trata do crime de incêndio de maneira generalizada, estabelecendo esse normativo a quem causar incêndio, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem, sem especificar a queima do patrimônio natural. Ainda nessa toada, a pena prevista para esta conduta é de reclusão de três a seis anos e multa, como pode ser visto a seguir:

Art. 250 – Causar incêndio, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o
patrimônio de outrem:
Pena – reclusão, de 3 a 6 anos e multa.
Aumento de pena
§ 1º – As penas aumentam-se de um terço:
I – se o crime é cometido com intuito de obter vantagem pecuniária em proveito
próprio ou alheio;
II – se o incêndio é:
a) em casa habitada ou destinada a habitação;
b) em edifício público ou destinado a uso público ou a obra de assistência social
ou de cultura;
c) em embarcação, aeronave, comboio ou veículo de transporte coletivo;
d) em estação ferroviária ou aeródromo;
e) em estaleiro, fábrica ou oficina;
f) em depósito de explosivo, combustível ou inflamável;
g) em poço petrolífico ou galeria de mineração;
h) em lavoura, pastagem, mata ou floresta.
Incêndio culposo
§ 2º – Se culposo o incêndio, é pena de detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois)
anos.

Em que pese a previsão legal vigente o delito previsto no artigo 250 do CP precisa ser revisado/aprimorado para atender às necessidades de proteção ambiental do presente momento, decorrentes das condutas daqueles que desrespeitam a natureza e as condições climáticas. queimadas

Desse modo, para fins de efetividade jurídica e social da norma penal, sugerimos uma nova modelagem normativa à referida conduta criminosa, cuja finalidade principal consiste em apresentar uma tipificação penal específica para o incêndio em vegetação/florestas e, por via de consequência, as sanções devidas por seus danos ambientais e socioeconômicos, com penalidades mais rigorosas para aqueles que ateiam fogo propositalmente em vegetação/florestas, causando danos ambientais e riscos à saúde humana, conforme propusemos abaixo:

Inserção do artigo 250-A no Código Penal Brasileiro

Art. 250-A – Causar incêndio, de forma intencional, em vegetação, expondo a perigo a vida, a integridade física, o patrimônio de outrem, ou causando danos ambientais significativos:
Pena – reclusão, de 5 a 10 anos e multa.
§1º Se o incêndio resultar em danos graves ao meio ambiente ou causar riscos à saúde humana, a pena será aumentada de um terço até a metade.
§2º As penas aumentam-se de metade se o crime for cometido:
I – em áreas de preservação permanente ou unidades de conservação;
II – durante períodos de seca ou em locais com alta suscetibilidade a incêndios;
III – com o objetivo de obter vantagem econômica, direta ou indireta.
§3º Se o incêndio for culposo, a pena será de detenção, de 1 a 3 anos e multa.

Ainda no campo legislativo (e de forma complementar ao Código Penal) é cediço que a tipificação penal para as infrações ambientais fora estabelecida no Brasil pela Lei 9.605/1998, nos artigos 29 a 37 (Crimes contra a fauna);
artigos 38 a 53 (Crimes contra a flora); artigos 54 a 61 (Da Poluição e outros Crimes Ambientais); artigos 62 a 65 (Dos Crimes contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural); e artigos 66 a 69-A (Dos Crimes contra a administração ambiental).

Não resta dúvida que a mencionada Lei já traz (em seu Art. 41) a tipificação criminal da conduta relativa a provocar incêndio em mata ou floresta, cuja previsão legal comina pena de reclusão de 2 a 4 anos, além de multa (na hipótese dolosa) e de detenção de detenção de 6 meses a 1 ano e multa (na hipótese culposa). Ocorre que as sanções penais supra apresentadas se revelam de sobremaneira leves e não intimidativas aos infratores (face a lesividade social da conduta) sejam eles pessoas físicas e/ou jurídicas.

Nessa esteira, na hipótese de condenação dos infratores (o que nem sempre ocorre), a resposta penal normalmente fixada, que quase sempre se traduz em prestações pecuniárias associadas à trabalho comunitário, não traz consigo nenhum efeito pedagógico e nem atende às finalidades preventiva, retributiva e de readaptação social – escopo do Direito Penal.

Assim, face a realidade de queimadas que assolam todo território nacional é que urge de forma a necessidade de uma tipificação penal mais clara desse comportamento, tanto no Código Penal Brasileiro quanto na Lei de Crimes Ambientais, com a consequente previsão de sanções penais mais rígidas e expressa previsão de recuperação da área degradada em função do ilícito cometido.

Ad argumentandum, insta ressaltar que o endurecimento da resposta penal desprovido da imposição de obrigatoriedade de recuperação da área degradada /ou mitigação dos danos não irá atingir a real necessidade social que enseja a proposta legislativa constante do presente ensaio, sendo este aspecto fundamental para a preservação da vida humana e para o futuro das gerações.

Nessa mesma linha de pensamento, alguns dispositivos carecem de melhor tipificação jurídico-penal, bem como de uma revisão de suas reprimendas.

A teor do exposto, tem-se como urgente a reformulação dos tipos penais constantes dos artigos 38, 41, 48, 54 e 67 da Lei 9.605/98, cuja realidade enseja uma tipificação penal mais clara, objetiva e abrangente e capaz de conferir uma maior proteção ambiental, o que nos permite apresentar algumas ideias (ainda que de forma sumaríssima):

Desmatamento Ilegal: Embora já considerado crime, o desmatamento ilegal poderia ter penas mais severas, especialmente em áreas de preservação permanente e reservas legais.

Poluição: A poluição de rios, mares e do ar, especialmente por indústrias, poderia ser mais rigorosamente punida. Isso inclui o despejo de resíduos tóxicos e a emissão de gases poluentes.

Tráfico de Animais Silvestres: Este crime já é tipificado, mas as penas poderiam ser aumentadas para desestimular essa prática que ameaça a biodiversidade.

Mineração Ilegal: A extração ilegal de minérios, que causa grande degradação ambiental, poderia ser mais severamente punida, incluindo a obrigatoriedade de recuperação das áreas afetadas2
.
Construções Irregulares: A construção em áreas de preservação ambiental ou sem as devidas licenças ambientais poderia ser mais rigidamente controlada e punida.

Pesca Predatória: A pesca em períodos de defeso ou em áreas protegidas, que ameaça espécies em extinção, poderia ter penas mais duras.

Assim, em razão da já exposta necessidade social de proteção ambiental, além da alteração no Código Penal, sugerimos que seja dada nova redação a alguns dispositivos legais constantes da Lei 9.605/98, os quais seguem abaixo:

Nova redação dos artigos: 38, 41,48, 54 e 67 de Lei de Crimes Ambientais

  • Artigo 38: Destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção.

Pena: reclusão de 3 a 6 anos e multa.

  • Adicional: Obrigatoriedade de recuperação ambiental da área degradada, conforme plano aprovado pelo órgão ambiental competente e com o aval do Ministério Público.
  •  Artigo 41: Provocar incêndio em mata ou floresta.
  • Pena: reclusão de 5 a 10 anos e multa.
  • Adicional: Obrigatoriedade de recuperação ambiental da área atingida pelo incêndio, conforme plano aprovado pelo órgão ambiental competente e com o
    aval do Ministério Público.
  • Artigo 48: Impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais
    formas de vegetação.
  • Pena: reclusão de 5 a 10 anos e multa.
  • Adicional: Obrigatoriedade de recuperação ambiental da área afetada, conforme
    plano aprovado pelo órgão ambiental competente e com o aval do Ministério
    público.
  • Artigo 54: Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou
    possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade
    de animais ou a destruição significativa da flora.
  • Pena: reclusão de 5 a 10 anos e multa.
  • Adicional: Obrigatoriedade de recuperação ambiental da área poluída, conforme
    plano aprovado pelo órgão ambiental competente e com o aval do Ministério
    público.
  • Artigo 67: Conceder licença, autorização ou permissão em desacordo com as normas ambientais, para atividades, obras ou serviços cuja realização depende
    de ato autorizativo do Poder Público.
  • Pena: reclusão de 5 a 10 anos e multa.
  • Adicional: Perda de função pública, além da obrigatoriedade de recuperação ambiental das áreas afetadas pelas atividades autorizadas irregularmente, conforme plano aprovado pelo órgão ambiental competente e com o aval do Ministério público.

Por todo o exposto, diante da drástica situação ambiental atravessada pelo Brasil em razão das queimadas, é fundamental que no período pós-queimadas sejam implementadas céleres modificações no arcabouço de normativo de proteção ambiental brasileiro, bem como que sejam intensificadas políticas sociais de educação ambiental visando a adoção de atitudes proativas em prol da proteção ambiental.

Por derradeiro, diante das premissas apresentadas, tem-se como fundamental o endurecimento das sanções penais e a obrigatoriedade de recuperação dos danos causados ao meio ambiente e à biodiversidade como um todo – ações estas essenciais para a proteção humana e para o futuro do planeta.

Luiz Fernando Schettino – Engenheiro Florestal, Mestre em Ciência Florestal e Doutor em Ciências Florestal- UFV; Licenciatura em Letras – ES/FAFIA; Advogado, Escritor, Especialista em Gestão Estratégica do conhecimento e Inovação- Ufes; Especialista em processo Civil, Penal e do Trabalho- Faculdade Doctum de Vitória; foi Professor Titular na Área ambiental na Universidade Federal do Espírito Santo – Ufes; foi Membro titular do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA ; foi Membro do Conselho Nacional de Recursos Hídricos – CNRH; foi Membro titular do Conselho Estadual de CTI/ES – CONCITEC; foi Membro titular do Conselho Estadual de Ética Pública do Espírito Santo; foi Secretário de Estado de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Espírito Santo; foi Diretor de Pesquisa na Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-graduação da UFES; foi Subsecretário de Coordenação das Unidades de pesquisa do Ministério da ciência, Tecnologia e Inovação -MCTI; foi Diretor Técnico Científico da FAPES/ES; foi Diretor Geral da Agência de Serviços Públicos de Energia do Espírito Santo, ASPE; foi Membro Titular da Comissão Permanente de Política Docente – CPPD/UFES; foi Membro Titular do Conselho Municipal de Ciência e Tecnologia de Vitória, ES- CMCT. É comentarista de Sustentabilidade da Radio Jovem Pan News Vitoria, com o quadro semanal “Conexão Verde”!

Fabiano Lepre Marques – Advogado. Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais pela FDV. Especialista em Ciências Criminais pela Uniderp. Graduado em Direito pela FDV. Professor Universitário de disciplinas correlatas ao Direito Penal e Processual Penal

 

 

 

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