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Reserva Legal: Evolução Histórica

por Cezar Eduardo Machado.

A Reserva Legal foi introduzida no ordenamento pátrio pela primeira vez no antigo Código Florestal de 1934, em seu artigo 23, o qual estabeleceu que parte da vegetação em propriedade particular não poderia ser derrubada a menos que fosse para a transformação de florestas heterogêneas nativas em florestas homogêneas, destinadas à exploração industrial[1].

Entretanto, verifica-se que a preocupação com a exploração predatória das florestas é antiga e surgiu ainda no período Brasil-Colônia, com as Ordenações Manuelinas (1548) e com as Ordenações Filipinas (1603).

Mais tarde, com o “Regimento sobre o Pau-Brasil”, de 1605, é que se pode verificar a edição da primeira norma de natureza protecionista brasileira.

Dos termos da referida norma, revela-se uma preocupação com a exploração indiscriminada do Pau-Brasil e pela drástica diminuição dos indivíduos arbóreos das florestas litorâneas.

Sendo assim, essa norma já previu a necessidade de licença para extração.

Em caso de desobediência, a norma já trazia previsão de punições (confisco do pau-brasil, perda da fazenda e até morte).

No caso de exploração de quantidade superior aquela prevista na licença de exploração, o infrator pagaria multas proporcionais a quantidade retirada indevidamente e perderia aquilo que explorasse em excesso.

À época, já se percebia a existência de técnicas de preservação, à exemplo de extração de quantidades condizentes com a regeneração.

Aliás, essa mesma norma já trazia previsão impeditiva de cultivos de roças em áreas de existência de Pau-Brasil de modo a não se impedir a regeneração natural daquela espécie (par. 8º).

Desde então, percebemos um aumento constante da preocupação do legislador com a preservação do Meio Ambiente.

Mas de fato, como alhures destacado, somente em 1934 houve a introdução da Reserva Legal na legislação florestal.

“Foi, inclusive, esse Código Florestal de 1934 que introduziu em nosso ordenamento a idéia de Reserva Florestal legal, no momento em que proibia aos proprietários de terras cobertas de matas o abate de três quartas partes da vegetação existente. As únicas exceções constavam no art. 24, que limitava tal proibição à vegetação espontânea ou àquela resultante de trabalho feito pela Administração Pública, e no art. 51, que permitia excepcionalmente o aproveitamento integral da propriedade mediante termo de obrigação de replantio e trato cultural por prazo determinado[2].”

A doutrina registra que o diploma legal de 1934 foi, ao que parece, o primeiro dispositivo legal a agregar a ideia de reserva legal e noção de interesse coletivo:

“…é importante destacar que aquele Decreto possivelmente tenha sido o primeiro diploma legal, no Brasil, a incorporar a noção de interesses metaindividuais, coletivos, e, especialmente, difusos, posto que as florestas, e assim, também as demais formas de vegetação, foram legalmente declaradas ‘bens de interesse comum a todos os habitantes do país’[3].

Anos mais tarde, diante do cenário da época, aos 15 de setembro de 1965 foi promulgado o atual Código Florestal, revogando o Decreto 23.793/34.

 A versão original do Código Florestal de 1965, trazia limites mínimos, mas sua redação ainda era tímida e incompleta no que diz respeito a Reserva Legal e sua definição legal, que sequer existia na oportunidade de sua promulgação.

Por outro lado, com a vigência da supracitada norma, o legislador introduziu limites ao uso da propriedade privada quando o exercício daquele direito colidisse com os princípios preservacionistas de direito ambiental.

Ficou estabelecido, também, que a exploração florestal contrária as disposições previstas na novel legislação seriam consideradas uso nocivo da propriedade, de modo a estabelecer sobreposição da proteção ambiental, direito de propriedade, de modo a estabelecer sobreposição da proteção ambiental, direito de toda a coletividade, indistintamente, em relação ao direito de propriedade, permitindo a União, Estados ou Municípios promover as ações necessárias a cessação desse nocivo uso, pois em detrimento ao interesse público.

No que diz respeito a Reserva Legal, verificou-se que, a partir da vigência do Código de 1965, foi dado início às discussões técnicas e doutrinárias a seu respeito de modo a se aperfeiçoar o instituto.

Na esteira da preocupação constitucional com o meio ambiente, já com quase 25 (vinte e cinco) anos de vigência daquele diploma florestal, foi promulgada a lei 7.803/89 que assumiu contorno de relevância significativa ao introduzir no código a obrigação de averbação da área de reserva legal no respectivo registro imobiliário e a impedir seu fracionamento das áreas de reserva legal através de sucessivos desmembramentos.

A preocupação do legislador, com as alterações da Lei 7.803/89, acrescentando os parágrafos 1º e 3º, ao artigo 16, do Código Florestal de 1.965 foi tornar mais efetiva a limitação da exploração florestal e a proteção contra o corte raso.

A averbação no registro imobiliário da obrigação de instituição da Reserva Legal, veio como forma de tornar público o cumprimento da norma ambiental e sacramentar a imutabilidade de sua destinação.

Mas foi somente em 2001, através da Medida Provisória n.° 2.166-67/2001 é que o avanço da legislação ambiental alcançou o atual status de proteção, na medida em que foi promovida uma alteração significativa no Código Florestal de 1965, inclusive no que diz respeito inclusão no texto da lei uma definição legal para Reserva Legal, além da redação do artigo 16 e todos os seus parágrafos.

Dentre os benefícios introduzidos na legislação ambiental pela Medida Provisória n.° 2.166-67/2001, destacam-se como principais, os seguintes:

a) Aplicação de procedimento sumário para as ações decorrentes de violação aos preceitos estabelecidos no Código Florestal (artigo 1°, §1°);

b) Introdução de definições para pequena propriedade rural (artigo 2°, inciso I), área de preservação permanente (artigo 2°, inciso II), reserva legal (artigo 2°, inciso III), atividade pública (artigo 2°, inciso IV), interesse social (artigo 2°, inciso V) e de Amazônia Legal (artigo 2°, inciso VI);

c) Nova previsão legal em matéria de supressão de vegetação em área de preservação permanente (artigo 4°);

d) Nova redação ao artigo 16 para redefinir as áreas sujeitas a instituição da reserva legal;

e) Aumento da área de reserva legal nas propriedades localizadas na Amazônia Legal (artigo 16, inciso I);

f) Supressão de vegetação sob regime de manejo florestal sustentável (artigo 16, §2°);

g) Aprovação da autoridade ambiental estadual ou federal sobre a localização da reserva legal dentro da propriedade (artigo 16, §4°);

h) Vedação de alteração da destinação da área de reserva legal, mesmo em casos de alienação, desmembramento ou retificação de área (artigo 16, §8°);

i) Extensão da obrigação de instituição de reserva legal para possuidores de áreas rurais (artigo 16, §10);

j) Obrigação de recomposição da área de reserva legal (artigo 44).

Mesmo após significativa evolução da legislação ambiental e da proteção da vegetação nativa, o Código Florestal de 1965 e a Medida Provisória 2.166/2001 foram revogados expressamente pelo artigo 83, da lei 12.651, de 28 de maio de 2012.

Com a edição da lei 12.651, de 28 de maio de 2012, e a vigência do inc. III, do artigo 3°, verifica-se uma sutil alteração na redação, mas que pode ter impacto significativo:

Artigo 3°. Para efeitos desta Lei, entende-se por:

Inciso III – Reserva Legal: área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, delimitada nos termos do art. 12, com a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora nativa.

 

Isso porque, conforme a redação atual, não existe referência expressa de exclusão das Áreas de Preservação Permanente no cálculo da Reserva Legal. Pelo contrário, na medida em que o artigo 15, da lei 12.651/12, traz previsão direta ao cômputo das áreas de APP´s no cálculo da Reserva Legal, se atendidos os requisitos específicos ali delineados.

Ainda dentro do campo das alterações do novel conceito, devemos ressaltar uma dupla função atribuída às áreas de Reserva Legal, sendo:

a) Assegurar o uso econômico de modo sustentável de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural; e

b) Auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e da biodiversidade.

A nova norma, também prevê que a Reserva Legal deve ser registrada no órgão ambiental competente, por meio de inscrição no Cadastro Ambiental Rural, vedando alteração de sua destinação, mesmo nos casos de transmissão a qualquer título ou de desmembramentos.

E, ainda, que a inserção do imóvel em perímetro urbano definido em legislação municipal não desobriga o proprietário ou possuidor a manutenção da Reserva Legal, obrigação que somente será extinta concomitantemente ao registro do parcelamento do solo para fins urbanos aprovado segundo legislação específica.

O novo conceito, aliado a outros dispositivos que aqui não serão abordados, portanto, sacramenta a possibilidade de exploração comercial, dentro dos limites da lei, afastando qualquer discussão quanto a um possível esvaziamento econômico da propriedade.

Notas:

[1] Magalhães, Vladimir G. Código Florestal 45 anos Estudos e Reflexões: A Reserva Legal, 2010, Editora Letra da Lei, p. 234.

[2] Milaré, Édis. Direito do Ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 5ª Edição, 2007, Editora Revista dos Tribunais, p. 699.

[3] Ibidem, p. 66-67.

Cezar Eduardo Machado. Pós-Graduado em Direito Imobiliário e Direito Ambiental e Gestão Estratégica de Sustentabilidade (PUC/SP). Pós-Graduando em Direito Notarial e Registral pela Escola Paulista de Magistratura. Membro das Comissões de Direito Notarial e Registral e Direito Ambiental do IBRADIM. Advogado em São Paulo.

 

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