quinta-feira , 28 março 2024
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Turismo ambiental consciente: TRF4 mantém a suspensão de observação de baleias com embarcação em SC

Estão suspensas as atividades de turismo de observação de baleias com embarcação, com ou sem motor, na região da APA Baleia Franca, situada no litoral catarinense, nos municípios de Garopaba, Imbituba e Laguna. A ordem é válida até que o Instituto Chico Mendes (ICMBio) aplique as medidas de fiscalização necessárias para o equilíbrio do ecossistema, por meio de um plano de normatização, monitoramento, fiscalização e controle das baleias. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) confirmou hoje (30/8), por unanimidade, sentença proferida em dezembro de 2015 pela Justiça Federal de Laguna.

A ação civil pública foi movida pelo Instituto Sea Shepherd Brasil (Instituto Guardiões do Mar) contra as atividades desenvolvidas por duas operadoras de turismo da região.  Segundo o autor, as empresas estariam desconsiderando a distância mínima de 100 metros, permitindo aos turistas que tocassem as baleias. Requereram providências por parte do ICMBio.

A 1ª Vara Federal de Laguna (SC) julgou procedente o pedido e as partes recorreram ao tribunal. O Sea Shepherd quer a proibição da atividade e o ICMBio argumenta que já vem monitorando as embarcações, que desligam os motores ao se aproximarem das baleias, não havendo vedação ao toque nos animais. Para o instituto, isso impede que sejam tomadas medidas de proibição de acesso aos animais. A autarquia argumenta, ainda, que não caberia ao Judiciário determinar como deve ser fiscalizada a área. A apelação de ambas as partes foi negada.

Segundo o relator, desembargador federal Fernando Quadros da Silva, “ficou demonstrado o estado de risco às baleias francas e à comunidade, ainda mais diante das informações da falta de estudos de viabilidade, de plano de manejo e de estrutura técnica para a fiscalização convencional da atividade de turismo de observação de baleias”.

“Há a necessidade de proteção irrestrita, com medidas efetivas para a fiscalização”, afirmou o desembargador.

Fonte: TRF4, 30/08/2016

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Confira a íntegra da decisão:

APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5002236-48.2012.4.04.7216/SC

RELATOR : FERNANDO QUADROS DA SILVA
APELANTE : INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE – ICMBIO
APELANTE : INSTITUTO SEA SHEPHERD BRASIL ( INSTITUTO GUARDIOES DO MAR)
ADVOGADO : Renata de Mattos Fortes
APELADO : OS MESMOS
: ESTADO DE SANTA CATARINA
APELADO : TURISMO VIDA, SOL E MAR LTDA – ME
ADVOGADO : ANDRÉ LUIZ MENDES MEDITSCH
MPF : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

RELATÓRIO

O Instituto Sea Shepherd Brasil (Instituto Guardiões do Mar) – ISSB ajuizou ação civil pública contra o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio, objetivando que a parte demandada seja condenada a adotar, de forma permanente, medidas voltadas à proteção das baleias-francas, mediante fiscalização das empresas que exploram a atividade turística de observação com uso de embarcações, com ou sem motor.

O magistrado a quo, ratificando em parte a decisão que deferiu a tutela antecipatória, julgou procedente o pedido, com fundamento no art. 269, I, do Código de Processo Civil, para condenar o ICMBio a adotar, de forma permanente, medidas para efetiva fiscalização do estrito cumprimento dos atos normativos que regulamentam a atividade de observação de baleias francas com uso de embarcações, nos limites e zona de amortecimento da APA da Baleia Franca nos Municípios catarinenses de Garopaba, Imbituba e Laguna, mediante a elaboração e implementação de plano de fiscalização que contemple a inspeção in loco e ostensiva das atividades nas embarcações durante as saídas da atividade. Manteve a suspensão da atividade de turismo de observação até que o ICMBio comprove a adoção de tais medidas. O ICMBio e os assistentes litisconsorciais foram condenados ao pagamento de honorários advocatícios em favor da parte autora fixados em R$ 6.000,00 (seis mil reais), pro rata. A empresa Turismo Vida, Sol e Mar foi condenada também ao pagamento das custas processuais. O ICMBio e o Estado de Santa Catarina declarados isentos de custas (art. 4º, I, da Lei nº 9.289/96). A sentença foi submetida ao reexame necessário (evento 152- SENT1).

Opostos embargos declaratórios (evento 166), esses foram acolhidos (evento 168) com a finalidade de corrigir erro material, para fazer constar no dispositivo sentencial que a  condenação imposta ao ICMBio na sentença do evento 152 é adstrita aos limites da APA da Baleia Franca nos Municípios de Garopaba, Imbituba e Laguna, sem referência à zona de amortecimento.

Apelou o Instituto Sea Shepherd Brasil (Instituto Guardiões do Mar) – ISSB, reiterando a ilegalidade da atividade desenvolvida pelas duas operadoras de turismo, consistente no turismo de observação de baleias francas com o uso de embarcações (ou whale watching), porque desconsiderada a distância mínima de 100 metros, sendo que em alguns vídeos divulgados na internet é possível ver turistas tocando e barcos abalroando baleias adultas e filhotes. Aduz que é inadmissível o ICMBio e demais organizações (Instituto Baleia Franca e Projeto Baleia Franca) não possuírem plano de manejo e afirmarem ausência de condições de cumprir a Portaria IBAMA 117/96.

Refere que, ao considerar inovação, errou a sentença, não conhecendo dos pedidos relativos ao licenciamento ambiental da atividade ou a sua suspensão definitiva, uma vez que o próprio ICMBio reconheceu, nos eventos 77 e 131, a necessidade de regras mais restritivas ao desenvolvimento da atividade no interior da APA Baleia Franca, enquanto realizados os estudos de impacto ambiental. Refere ainda, que o ora apelante requereu esclarecimentos quanto a essas propostas, o que não foi considerado pelo Juiz a quo, que julgou antecipadamente o feito, infringindo o art. 462 do CPC. O apelante transcreve trecho do parecer técnico emitido pelo Prof. Dr. Antônio Libório Philomena, oceanógrafo e docente-pesquisador aposentado pela FURG, onde conclui sobre os perigos do molestamento acústico das baleias em SC, em especial por meio da referida atividade, causando estresse crônico nesses mamíferos marinhos, o que é capaz de impactar toda a vida nos oceanos. O apelante também transcreve trecho do parecer ministerial, da lavra do Procurador Regional da República Paulo Cogo Leivas, no sentido de que é necessária a suspensão da atividade de turismo de observação de baleias com embarcação na região da APA Baleia Franca. Postula, ainda, com base na Lei nº 7.643/87, na Portaria 117/96, no Decreto 6.698/08 e na Instrução Normativa ICMBio 04/09, a suspensão da sentença até o pronunciamento definitivo deste Tribunal, e a suspensão definitiva do Turismo de Observação de Baleias Embarcado, com ou sem motor, e a sua proibição na Região da APA Baleia Franca, diante da prova inequívoca de inobservância à legislação regulatória da atividade e protetiva da espécie Eubalaena Australis, em perigo de extinção. Alternativamente, propugna pela suspensão imediata da atividade até que os estudos de viabilidade e de impacto ambiental, bem como de licenciamento ambiental, sejam concluídos (evento 177).

Também apelou o ICMBio, alegando que há tempos a Autarquia vem tomando as medidas de fiscalização do turismo de observação de baleias embarcado, tanto que foi criada a APA Baleia Franca. Refere que em cumprimento à Portaria 117/96, desde 2005, a referida APA vem estabelecendo cadastramento obrigatório e anual que monitora as embarcações, como o cadastramento para a temporada de 2012, objeto da presente demanda, bem como cursos com as operadoras de turismo. Refere que muitas baleias se aproximam de embarcações com motores desligados e que o toque nas baleias não é vedado expressamente pela legislação atual, o que impede que sejam tomadas medidas de proibição e sanção pela Autarquia, concluindo que o turismo embarcado é atividade lícita e socialmente importante dentro dos limites legais, não havendo fundamento para a condenação imposta pela sentença. Aduz que a decisão, ao determinar as medidas de fiscalização, contraria o princípio de independência e harmonia entre os poderes, razão pela qual requer a reforma da sentença, com a inversão dos ônus sucumbenciais (evento 182).

Com as contrarrazões e o parecer do representante do MPF, Procurador Regional da República Paulo Cogo Leivas, opinando pelo desprovimento da apelação do ICMBio e pelo parcial provimento da apelação do ISSB (evento 19), vieram os autos a este Tribunal por força, inclusive, da remessa oficial.

 

É o relatório.

 

Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA

Relator

VOTO

A controvérsia da presente lide refere-se à suspensão da atividade de turismo de observação de Baleias Francas até que o ICMBio comprove nos autos a adoção das medidas administrativas necessárias para a sua efetiva fiscalização, com a apresentação de plano de fiscalização que contemple a inspeção in loco e ostensiva das atividades nas embarcações, bem como do estrito cumprimento dos atos normativos que regulamentam o turismo embarcado de observação de baleias francas nos limites da APA da Baleia Franca, nos Municípios catarinenses de Garopaba, Imbituba e Laguna.

O magistrado a quo, após realizada audiência de conciliação na qual restou inexitoso o acordo proposto, condenou a Autarquia a elaborar plano de fiscalização permanente, nos termos do art. 6º, § 1º, da Portaria nº 44/2008, do ICMBio, que contemple a fiscalização in loco de forma periódica nas épocas de avistamento das baleias francas, entre outras medidas fiscalizatórias consideradas pertinentes e eficientes, já adotadas ou não, mantendo a suspensão da atividade de observação com o uso de embarcações, com ou sem motor, até que as obrigações sejam cumpridas.

Assevera o apelante Instituto Sea Shepherd Brasil – ISSB, em síntese, que tais medidas não são suficientes para proteger as baleias francas, principalmente após a juntada aos autos de provas de molestamento da espécie durante a observação embarcada, razão pela qual pleiteia a suspensão em definitivo do turismo de observação ou a suspensão imediata até que os estudos de viabilidade ambiental e de impactos da atividade nos cetáceos sejam concluídos, bem como até que o licenciamento ambiental da atividade seja realizado.

Ao seu turno, o ICMBio, órgão gestor da APA Baleia Franca, defende a suficiência da fiscalização exercida, aduzindo que a Portaria 44/2008 foi revogada pela Portaria 95/2012, a qual é usada pela Autarquia para o monitoramento da atividade, manejo e conservação dessa espécie de cetáceo, em conjunto com a Portaria IBAMA 117/96. Aduz que está aplicando o disposto na Lei 7.643/87, que veda o molestamento intencional de todas as espécies de cetáceo e trata como conduta delituosa quem o pratica.

O bem lançado parecer do Ministério Público Federal, da lavra do Procurador Regional da República Paulo Gilberto Cogo Leivas, foi bastante elucidativo, razão pela qual peço vênia para adotar excerto dos seus fundamentos como razões de decidir, a seguir reproduzido:

2.1 DA APELAÇÃO DO ICMBIO

2.1.1 PROTEÇÃO AMBIENTAL DE ESPÉCIE AMEAÇADA DE EXTINÇÃO DA FAUNA BRASILEIRA: BALEIA FRANCA AUSTRAL

A Constituição Federal confere proteção à fauna ao vedar as práticas que coloquem em risco sua função ecológica e provoquem a extinção de espécies: 

Art. 225. § 1º – Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: (…) VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

O Brasil também é signatário da Convenção da Diversidade Biológica, que tem por objetivo, entre outros, a conservação da diversidade biológica e a utilização sustentável de seus componentes.

Em seu artigo 8º, alínea ‘f’, a CDB estabelece que os Estados Partes devem ‘recuperar e restaurar ecossistemas degradados e promover a recuperação de espécies ameaçadas por meio da elaboração e da implementação de planos e outras estratégias de gestão’.

Especificamente em relação aos cetáceos, nos quais se incluem as baleias francas, a Lei 7.643/87 define como crime qualquer forma de molestamento intencional de toda espécie de cetáceo nas águas jurisdicionais brasileiras:

Art. 1º Fica proibida a pesca, ou qualquer forma de molestamento intencional, de toda espécie de cetáceo nas águas jurisdicionais brasileiras.

Art. 2º A infração ao disposto nesta lei será punida com a pena de 2 (dois) a 5 (cinco) anos de reclusão e multa de 50 (cinqüenta) a 100 (cem) Obrigações do Tesouro Nacional – OTN, com perda da embarcação em favor da União, em caso de reincidência.

A espécie baleia franca (Eubalaena australis) consta na lista de espécies da fauna brasileira ameaçadas de extinção, que ficam protegidas de modo integral, de acordo com a Instrução Normativa nº 3, de 26 de maio de 2003, do Ministério do Meio Ambiente:

Art.1º Reconhecer como ‘Espécies da Fauna Brasileira Ameaçadas de Extinção’, aquelas constantes da lista anexa à presente Portaria.

Art. 2º As espécies constantes da presente Lista ficam protegidas de modo integral, de acordo com o estabelecido na legislação vigente.

Art. 3º A não observância desta Portaria constitui infração sujeita às penalidades previstas nas citadas Leis nºs 5.197, de 1967 e 9.605, de 1998, sem prejuízo dos dispositivos previstos no Código Penal e demais leis vigentes, com as penalidades nelas consideradas.

O Decreto 6.698/2008 declara as águas jurisdicionais marinhas brasileiras santuário de baleias e golfinhos do Brasil, com a finalidade de reafirmar o interesse nacional no campo da preservação e proteção de cetáceos e promover o uso não letal das suas espécies (art. 1º).

2.1.2 PRINCIPAIS AMEAÇAS À ESPÉCIE BALEIA FRANCA E ESTRATÉGIAS DE CONSERVAÇÃO

A baleia franca (Eubalaena australis) apresenta padrão de migração sazonal característico entre as áreas de reprodução, durante o inverno, e de alimentação, durante o verão. É encontrada em águas abertas na maior parte de suas áreas de alimentação e possui hábitos costeiros durante o período reprodutivo. No Brasil, uma de suas áreas de reprodução, a espécie ocorre durante os meses de maio a dezembro, com pico de avistagem de agosto a outubro. Durante esse período, os indivíduos procuram águas calmas e quentes para acasalamento, parição e cuidados com os filhotes, permanecendo nas proximidades da arrebentação das ondas.

Essas informações gerais constam no Livro Vermelho da fauna brasileira ameaçada de extinção, do Ministério do Meio Ambiente:

Eubalaena australis apresenta um padrão de migração sazonal característico entre as áreas de reprodução, durante o inverno, e de alimentação, durante o verão. Alimenta-se em águas frias por meio da filtração, na superfície ou logo abaixo, e sua dieta é constituída basicamente de copépodos e krill. É encontrada em águas abertas na maior parte de suas áreas de alimentação e possui hábitos costeiros durante o período reprodutivo. No Brasil, uma de suas áreas de reprodução, a espécie ocorre durante os meses de maio a dezembro, com pico de avistagem de agosto a outubro. Durante esse período, os indivíduos procuram águas calmas e quentes para acasalamento, parição e cuidados com os filhotes, permanecendo nas proximidades da arrebentação das ondas (Lodi et al., 1996; Groch, 2000). As fêmeas com filhotes permanecem nas áreas de reprodução durante mais tempo que os machos e realizam, em geral, deslocamentos menores ao longo da costa. Estudos de fotoidentificação demonstraram haver uma certa fidelidade às áreas de reprodução, principalmente pelas fêmeas, que tendem a retornar aos mesmos locais para concepção de um novo filhote (IWC, 2001). Parece haver, ainda, preferência por determinadas áreas de agregação dentro das áreas reprodutivas, bem como uma separação entre áreas de concentração de fêmeas com filhotes e grupos de acasalamento.

Especificamente a região da Área de Proteção Ambiental Baleia Franca, no litoral catarinense, é considerada berçário natural da espécie, que procura as águas calmas e com temperaturas amenas da região não apenas para ter seus filhotes e amamentá-los, como também para a reprodução.

As principais ameaças enfrentadas pela baleia franca atualmente são colisões com embarcações e emalhamento em artefatos de pesca. A atividade de turismo de observação embarcado representa outra ameaça, especialmente pelo fato de áreas mais costeiras serem utilizadas pelos pares de mãe e filhote. Essas também são informações que constam no Livro Vermelho elaborado pelo Ministério do Meio Ambiente:

PRINCIPAIS AMEAÇAS

A baleia-franca foi intensamente caçada no Hemisfério Sul entre os séculos XVII e XX, especialmente por apresentar um hábito costeiro nas áreas de reprodução, por ser relativamente lenta e apresentar uma espessa camada de gordura (IWC, 2001). Apesar de estar protegida internacionalmente desde 1935, capturas ilegais de baleias-francas foram realizadas até o início da década de 1970, inclusive em águas brasileiras. As estimativas mais recentes de tamanho populacional da espécie sugerem que existam cerca de 7.000 indivíduos no Hemisfério Sul, dos quais aproximadamente 3.000 no Atlântico Sul ocidental. Acredita-se que esses números correspondam de 5 a 10% da população existente no período anterior à caça comercial (IWC, 2001). Atualmente, as principais ameaças enfrentadas pelas baleias-francas são colisões com embarcações e emalhamento em artefatos de pesca (IWC, 2001). Na costa brasileira, registros desses eventos têm ocorrido principalmente no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, embora sejam também documentados em outras regiões (Lodi et al., 1996; Greig et al., 2001; Santos et al., 2001). Além desses fatores, a destruição e alteração do hábitat, a poluição e a expansão desordenada da ocupação costeira também constituem ameaças potenciais à espécie. A atividade de turismo de observação embarcado representa outra ameaça, especialmente pelo fato de áreas mais costeiras serem utilizadas pelos pares de mãe e filhote.

No próprio site do ICMBio consta como fatores de ameaça ‘caça, colisões com embarcações e emalhamento em artefatos de pesca, alteração do hábitat, poluição, turismo’.

Entre as estratégias de conservação dessa espécie para a costa brasileira constam no Livro Vermelho o ordenamento e fiscalização do turismo de observação de baleias e o incentivo do turismo para a sua observação a partir da terra. No âmbito das pesquisas, recomenda-se, prioritariamente, quantificação do impacto do turismo de observação de baleias.

ESTRATÉGIAS DE CONSERVAÇÃO A conservação dessa espécie migratória e de ampla distribuição depende de esforços de proteção nacionais e internacionais. Para a costa brasileira, recomenda-se: a) introdução nas cartas náuticas de um alerta informando a ocorrência da espécie na região costeira, durante o período de inverno; b) ordenamento e fiscalização do turismo de observação de baleias; c) incentivo do turismo para a observação de baleias a partir da terra. No âmbito das pesquisas, recomenda-se, prioritariamente: a) estimativas de abundância e tendências populacionais; b) avaliação do impacto das capturas acidentais e das colisões com embarcações; c) determinação da estrutura populacional, rotas migratórias e áreas de concentração; d) quantificação do impacto do turismo de observação de baleias; e) determinação dos atuais níveis de contaminantes.

A proteção dessa espécie ameaçada de extinção é principal finalidade da criação da Área de Proteção Ambiental – Baleia Franca.

2.1.3 FINALIDADE DA ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL APA-BALEIA FRANCA E O USO SUSTENTÁVEL DA BIODIVERSIDADE: ORDENAMENTO DO USO TURÍSTICO DA REGIÃO

Entende-se por espécies ameaçadas de extinção, entre as quais se encontra a baleia franca, aquelas com alto risco de desaparecimento na natureza em futuro próximo (definição de acordo com a Instrução Normativa nº 5, de 21 de maio de 2004, do Ministério do Meio Ambiente); aquelas cujas populações e habitats estão desaparecendo rapidamente, de forma a colocá-las em risco de se tornarem extintas.

O Decreto s/n, de 14 de setembro de 2000, dispõe sobre a criação da Área de Proteção Ambiental da Baleia Franca, no Estado de Santa Catarina. A APA Baleia Franca foi criada com a finalidade de proteger, em águas brasileiras, a baleia franca austral e ordenar o uso turístico e recreativo da região, entre outras, conforme o art. 1º:

Art. 1º Fica criada, na região costeira do Estado de Santa Catarina, a Área de Proteção Ambiental da Baleia Franca, com a finalidade de proteger, em águas brasileiras, a baleia franca austral Eubalaena australis, ordenar e garantir o uso racional dos recursos naturais da região, ordenar a ocupação e utilização do solo e das águas, ordenar o uso turístico e recreativo, as atividades de pesquisa e o tráfego local de embarcações e aeronaves.

Já o seu art. 3º, inc. IV, determina que na Área de Proteção Ambiental da Baleia Franca a atividade de exploração de serviços turísticos voltados à observação das baleias francas e demais espécies de cetáceos fica sujeita à regulamentação específica:

Art. 3º Na Área de Proteção Ambiental da Baleia Franca, ficam sujeitas à regulamentação específica dos órgãos competentes as seguintes atividades, dentre outras: (…) IV – a exploração de serviços turísticos voltados à observação das baleias francas e demais espécies de cetáceos, bem como o acesso às ilhas públicas englobadas em seu perímetro;

O Decreto nº 4.339/2002 institui princípios e diretrizes para a implementação da Política Nacional da Biodiversidade. Entre os seus princípios e diretrizes consta a necessidade de ações voltadas à recuperação de espécies ameaçadas de extinção.

Consta também como diretriz a utilização sustentável dos componentes da biodiversidade, que tem por objetivo específico, entre outros, ‘12.2.7. Promover instrumentos para assegurar que atividades turísticas sejam compatíveis com a conservação e a utilização sustentável da biodiversidade’.

O Decreto 6.698/2008, por sua vez, que declara as águas jurisdicionais marinhas brasileiras santuário de baleias e golfinhos do Brasil, dispõe no art. 2º que estão permitidos a pesquisa científica e o aproveitamento turístico ordenado, nos termos da legislação em vigor. Já o art. 3º estabelece que ‘a União promoverá, por meio dos canais diplomáticos e de cooperação competentes, a atuação do País nos foros internacionais, a articulação regional e internacional necessária a promover a integração em pesquisa e outros usos não-letais dos cetáceos no Santuário de Baleias e Golfinhos do Brasil, bem como buscará a conservação dessas espécies no âmbito da bacia oceânica do Atlântico Sul’.

A Portaria IBAMA nº 117, de 26-12-96, estabelece importantes vedações no que se refere à prevenção de molestamento de cetáceos encontrados em águas jurisdicionais brasileiras.

Dispõe o art. 2º da referida Portaria algumas dessas vedações, relativas, por exemplo, à distância permitida de aproximação das embarcações, bem como à produção de ruídos excessivos:

Art. 2° É vedado a embarcações que operem em águas jurisdicionais brasileiras:

  1. a) aproximar-se de qualquer espécie de baleia (cetáceos da Ordem Mysticeti; cachalote, Physeter macrocephalus, e orca, Orcinus orca) com motor ligado a menos de 100m (cem metros) de distância do animal mais próximo;
  2. b) religar o motor antes de avistar claramente a (s) baleia (s) na superfície ou a uma distância de, no mínimo, de 50m (cinqüenta metros) da embarcação; c) perseguir, com motor ligado, qualquer baleia por mais de 30 (trinta) minutos, ainda que respeitadas as distâncias supra estipuladas;
  3. d) interromper o curso de deslocamento de cetáceo (s) de qualquer espécie ou tentar alterar ou dirigir esse curso;
  4. e) penetrar intencionalmente em grupos de cetáceos de qualquer espécie, dividindo-o ou dispersando-o;
  5. f) produzir ruídos excessivos, tais como música, percussão de qualquer tipo, ou outros, além daqueles gerados pela operação normal da embarcação, a menos de 300 (trezentos metros) de qualquer cetáceo;
  6. g) despejar qualquer tipo de detrito, substância ou material a menos de 500m (quinhentos metros) de qualquer cetáceo, observadas as demais proibições de despejos de poluentes em Lei.

Já o art. 4º estabelece que caberá à Unidade de Conservação nas quais ocorra regularmente a presença de cetáceos as seguintes determinações em relação à operação de embarcações de turismo comercial em seu interior, como o seu cadastramento, a quantidade limite de embarcações que possam operar simultaneamente em seu interior, além de determinação de suas rotas e velocidades:

Art. 4° Quando da operação de embarcações de turismo comercial no interior de Unidades de Conservação, nas quais ocorra regularmente à presença de cetáceos, caberá à Unidade em questão determinar:

  1. a) o cadastramento das embarcações que operem regularmente na Unidade de Conservação, devendo constar o seu registro competente junto ao Ministério da Marinha, nome, tamanho, tipo de propulsão e lotação de passageiros da embarcação, bem como qualificação e endereço de seu responsável ou responsáveis;
  2. b) o número máximo de embarcações cuja operação simultânea seja permitida no interior da Unidade de Conservação;
  3. c) quando da existência de áreas de concentração ou uso regular por cetáceos, a(s) rota(s) e velocidade(s) para trânsito de tais embarcações no interior e/ou na proximidade de tais áreas.

Além disso, de acordo com o art. 5º da Portaria IBAMA nº 117/96, para a operação de embarcações de turismo comercial no interior de Unidades de Conservação nas quais ocorre regularmente a presença de cetáceos é obrigatória a provisão, em caráter permanente, de informações interpretativas sobre tais animais e suas necessidades de conservação aos turistas transportados até aquelas Unidades.

Considerando o consenso expresso no relatório final do workshop sobre Ciência para a Sustentabilidade no Turismo de Observação de Baleias, realizado na Cidade do Cabo, África do Sul, em março de 2004, sob o patrocínio do Comitê Científico da Comissão baleeira Internacional, da qual o Brasil faz parte, e que ressalta a importância, tanto do ponto de vista do manejo como da avaliação científica, da existência de áreas de refúgio onde o turismo de observação de baleias não ocorre, e que recomenda a adoção de áreas fechadas como ferramenta de gestão precautória e cientificamente embasada, entre outros motivos, foram estabelecidas restrições às atividades náuticas específicas em determinados setores da Área de Proteção Ambiental da Baleia Franca durante os meses de junho a novembro, mediante a Instrução Normativa do IBAMA nº 102, de 19 de junho de 2006.

Nos setores definidos na referida Instrução Normativa ficam vedadas as seguintes atividades náuticas por embarcações motorizadas: I- o transporte de passageiros com finalidade turística, mediante pagamento ou não; II – a prática e apoio a qualquer forma de esporte náutico; e, III- atividades recreativas em geral.

Contudo, não está sendo efetivada a garantia da adequada proteção das baleias francas no litoral catarinense. Conforme se depreende do que consta nos autos, sequer há avaliação segura dos impactos aos cetáceos gerados pela prática de turismo de observação com embarcações no litoral catarinense, em enseadas pequenas e fechadas.

2.1.4 CONSERVAÇÃO E USO SUSTENTÁVEL DA DIVERSIDADE BIOLÓGICA: IMPACTOS DO TURISMO DESORDENADO À BIODIVERSIDADE EM ESPECIAL EM ENSEADAS FECHADAS

De várias formas o turismo de observação pode afetar os mamíferos marinhos, causando efeitos adversos no comportamento, fisiologia ou afetando seu hábitat:

O turismo de observação de mamíferos marinhos, particularmente de baleias, é uma indústria em crescimento. (…)

O turismo de observação pode afetar as populações selvagens de três principais formas, causando efeitos adversos no comportamento, fisiologia ou afetando seu hábitat. Indivíduos que estão sujeitos a perturbações permanecerão menos tempo alimentando-se ou descansando, e gastarão mais energia na partida desses locais, podendo mudar para áreas menos produtivas ou mais distantes.

Nessas áreas eles podem estar sujeitos também à competição com outras espécies ou à predação em locais menos favoráveis. Durante períodos reprodutivos, interferências no comportamento da corte ou do acasalamento, e, mais tarde, no cuidado parental, reduzem o sucesso reprodutivo, sendo, desta forma, uma séria ameaça à manutenção e à sobrevivência da espécie. Estudos recentes demonstraram mudanças fisiológicas e alterações da bioquímica do sangue, como o aumento nos níveis de hormônios de stress em animais sujeitos a perturbações, (UNEP, 2006).

(…) Na medida em que o turismo de observação, principalmente de cetáceos, cresce no Brasil, possíveis colisões com os animais observados passam a ser uma ameaça a se considerar (Camargo & Bellini, 2007).

Conforme exposto na inicial desta ação civil pública, ‘a aproximação dos barcos, além do risco de abalroamento com as baleias, também provoca a interrupção e perturbação no sistema de ecolocalização ou biossonar, que garante às baleias a percepção de posição e distância dos elementos a sua volta. Assim a interferência de outras ondas sonoras são extremamente prejudiciais para esses animais’.

A parte autora apresentou nos autos uma série de imagens e notícias veiculadas na internet – inclusive nos sites de operadoras de turismo de observação de baleias – além de indicar vídeos postados no YouTube, nos quais se percebe aproximação de barcos a baleias francas. Em algumas imagens até mesmo aparecem as baleias sendo tocadas pelos turistas.

Essa aproximação das embarcações às baleias foi mencionada por uma das empresas de turismo que operam na APA- Baleia Franca (evento 16 – PROCADM6):

A Operadora Base Cangulo respeita a aproximação de cetáceos conforme a legislação de 100m, no entanto ocorrem manobras realizadas pelo capitão da embarcação durante o avistamento que são feitas de forma eventual para segurança e salva-guarda do barco e passageiros. Isto se deve a deriva da embarcação em função dos ventos predominantes na região. Em uma área de arrebentação onde as Baleias Franca costumam estar é fato que as embarcações utilizem este recurso sem qualquer desrespeito à lei.

As distâncias de aproximação de até 100m dos cetáceos são estabelecidas em função da sensibilidade do condutor que em ambiente terrestre já tem definido esta distância comparativa entre dois pontos em um mesmo plano. (…)

1 – Grupos de baleias se movimentam normalmente em uma área bastante próxima da arrebentação das ondas na costa. A presença de ventos dos quadrantes sul e norte e as correntes marítimas associadas conduzem as embarcações à deriva nos momentos das avistagens. Em dados momentos as manobras visando a segurança do barco e dos passageiros é obrigatória mesmo que os cetáceos estejam a uma distância inferior ao estabelecido pela legislação.

2 – mesmo respeitando a aproximação de 100 metros dos cetáceos ocorrem casos em que a embarcação estando em busca das baleias, muitas vezes se depara com um grupo que emerge subitamente próximo ao barco a uma distância inferior a da legislação;

3 – Em muitos procedimentos de avistamento ocorrem situações em que os cetáceos se movimentam em direção ao barco, motivados pela curiosidade, quando os motores são ligados.

(…) ‘Sabemos que houve um desrespeito a uma das normas, mas sempre procuramos realizar os corretos procedimentos de avistagem atendendo a legislação, mas é fato que também, às vezes a embarcação de avistamento é posta em situações de difícil manobra devido à posição da baleia que não se afasta da embarcação.

Conciliar estes aspectos com o respeito aos limites da área refúgio e também com os efeitos de ventos e correntes marítimas que empurram o barco para a praia podem gerar situações imprevisíveis como esta que gerou a notificação de nossa empresa.

Diante do exposto, saliento que as manobras realizadas pelo capitão da embarcação durante o avistamento próximo as áreas de refúgio e de arrebentação são feitas ou não de forma eventual para garantir a segurança e salva-guarda do barco/passageiros e do próprio cetáceo.

(…)

Infelizmente não é a primeira vez que situações como esta geram este desconforto. De qualquer forma, é pertinente que o fato seja averiguado em sua essência para o bom funcionamento das atividades de Whale Watching.

Como relatado pela operadora de turismo de observação de baleias embarcado, às vezes é feita manobra brusca pela embarcação visando à segurança dos passageiros, mesmo que os cetáceos estejam a uma distância inferior ao estabelecido pela legislação.

Conforme se constata do referido relato, assiste razão à parte autora quando sustenta que há regiões que não comportam este tipo de atividade, como é o caso da observação de baleias com uso de barcos em enseadas fechadas, causando danos aos cetáceos e risco à segurança dos turistas. Segundo a parte autora, haveria uma tendência mundial em proibir-se o TOBE em enseadas fechadas, como é o caso da região da APABF.

Dessa forma, ainda que de forma involuntária, há perturbação (intencional e/ou acidental) das baleias durante o turismo de observação com embarcações. Cabe ressaltar que esses cetáceos visitam a costa brasileira para darem à luz e alimentarem seus filhotes; contudo estariam sofrendo perturbações em face principalmente de não estarem sendo observados os limites legais de aproximação.

2.1.5 INSUFICIÊNCIA DA FISCALIZAÇÃO E MONITORAMENTO DA ATIVIDADE DE TURISMO DE OBSERVAÇÃO DE BALEIAS EMBARCADO NA APA – BALEIA FRANCA

Da análise do que consta nos autos, se verifica que não há uma efetiva fiscalização por parte do ICMBIO das embarcações que realizam o turismo de observação de baleias na região da APA – Baleia Franca, pois o atual sistema adotado – de cadastramento de embarcações e exigência de relatórios de viagens – não permite o controle das rotas ou tampouco se as embarcações respeitam os limites de aproximação previstos no art. 2º da Portaria nº 117/96 do IBAMA.

Outros critérios estabelecidos na Portaria nº 117/96 do IBAMA, como o número máximo de embarcações cuja operação simultânea é permitida no seu interior, bem como as rotas e velocidades para trânsito de tais embarcações no interior e/ou na proximidade das áreas de concentração ou de uso regular por cetáceos ainda não foram implementados pelo ICMBIO. Essa informação foi prestada pelo próprio ICMBio, que afirmou, ainda, que ‘a Unidade está em construção do seu Plano de Manejo e estas normativas serão construídas na elaboração do mesmo’, conforme Informação Técnica nº 024/2012 (evento 16 – PROCADM6).

Essa análise já foi efetuada pelo Ministério Público Federal, em parecer exarado no processo originário, parte dos fundamentos aos quais me reporto (evento 22):

O INSTITUTO GUARDIÕES DO MAR autor desta ação civil pública veicula por meio desta demanda sua preocupação com a proteção da Baleia Franca. Por sua vez, o ICMBIO aduz que, embora não tenha condições de empreender uma fiscalização in loco da atividade por falta de pessoal, vem adotando as necessárias medidas de proteção, por meio do cadastramento, fiscalização das embarcações e relatórios de bordo confeccionados apresentados empresas de turismo.

Na verdade, pelo que consta nos autos (inclusive pelas informações trazidas pelo próprio réu), apesar do reconhecido esforço empreendido pela administração da APA da Baleia Franca (ICMBio) nas ações de preservação da Baleia Franca, no que tange ao turismo de observação há deficiências na fiscalização.

A partir da contestação apresentada, nota-se que a APA da Baleia Franca, adota um sistema de cadastramento das embarcações que efetuarão o turismo de observação e exige relatórios das viagens. Há inclusive um código de conduta para esses operadores de turismo (documento PROCADM5 – anexo à contestação), estabelecido em 2011.

Entretanto, carece de uma efetiva fiscalização (ativa ou de algum outro mecanismo efetivo) das embarcações que praticam o turismo de avistamento, pois o atual sistema, a princípio, é limitado, pois não permite o controle das rotas, tampouco, se as embarcações respeitam os limites de aproximação previstos no art. 2º da Portaria nº 117/96 do IBAMA. Tal conclusão pode ser extraída dos documentos anexados à contestação (evento 16).

Além desses limites de aproximação (v.g.100m com motor engrenado; 50m para religar) previstos no artigo 2º, essa Portaria prevê algumas restrições para os casos de operação de embarcações de turismo no interior de UC. Eis o que estabelece o art. 4º, in verbis:

Art. 4º – Quando da operação de embarcações de turismo comercial no interior de Unidades de Conservação, nas quais ocorram regularmente a presença de cetáceos, caberá à Unidade em questão determinar:

  1. a) o cadastramento das embarcações que operem regularmente na Unidade de Conservação devendo constar o seu registro competente junto ao Ministério da Marinha, nome, tamanho, tipo de propulsão e lotação de passageiros da embarcação bem como qualificação e endereço de seu responsável ou responsáveis;
  2. b) o número máximo de embarcações cuja operação simultânea seja permitida no interior da Unidade de Conservação;
  3. c) quando da existência de áreas de concentração ou uso regular por cetáceos, a(s) rota(s) e velocidade(s) para trânsito de tais embarcações no interior e/ou na proximidade de tais áreas.

Nessa toada, para subsidiar a defesa nesta ação civil pública o ICMBio emitiu a Informação Técnica nº 024/2012 (evento 16 – PROCADM6), de onde se extrai:

‘A unidade ainda não possui normativas quanto ao número máximo de embarcações cuja operação simultânea é permitida no seu interior, bem como as rotas e velocidades para trânsito de tais embarcações no interior e/ou na proximidade das áreas de concentração ou de uso regular por cetáceos. Informamos que a Unidade está em construção do seu Plano de Manejo e estas normativas serão construídas na elaboração do mesmo.’

Nota-se, então, que os critérios estabelecidos na Portaria nº 117/96 IBAMA, ainda não foram completamente implementados na APA da Baleia Franca.

No mesmo sentido, este e. TRF4 ao julgar agravo de instrumento interposto em face de decisão liminar proferida nos autos originários:

Por certo, a aplicação da legislação protetiva dos cetáceos e a fiscalização e monitoramento realizados pelo ICMBio não estão sendo suficientes para garantir a segurança de baleias-francas, turistas e embarcações envolvidos na atividade, até mesmo em razão das características do litoral em que é realizada e de fatores como a movimentação das marés, os ventos e o próprio deslocamento das baleias-francas. Tais fatores acabam por colocar em risco não só as baleias-francas, como também turistas e exploradores da atividade.

Como já referido, essas razões – insuficiência da fiscalização e ausência de implementação de critérios previstos na legislação protetiva de cetáceos para a prática de turismo de observação de baleias com embarcações – são suficientes para a suspensão dessa atividade na APA – Baleia Franca.

Destaca-se, ainda, que o ICMBio chega a sustentar que ‘o toque manual nas baleias não é vedado expressamente pela legislação atual, impedindo que se tome medidas de proibição e sanção pela autarquia’.

Porém, como referido na sentença, a norma existente veda, ainda que não expressamente, o toque humano nos cetáceos: ‘Ora, se o art. 2º da Portaria nº 117/96 do IBAMA prevê distâncias mínimas a serem mantidas entre embarcações e baleias, principalmente em razão do ruído dos motores, e o art. 3º da mesma Portaria veda a prática de mergulho ou natação a uma distância inferior a cinquenta metros de baleia de qualquer espécie, observa-se que a norma não se preocupa só com o ruído dos motores, mas também busca evitar a própria aproximação humana’.

Portanto, o ICMBio sequer observa as diretrizes já definidas acerca do desenvolvimento da atividade.

Além disso, é reconhecido pelo ICMBio que seria preferível a fiscalização com inspeção in loco, porém procura se eximir da responsabilidade ao sustentar não ter condições operacionais para implementá-la.

Também sustenta que os critérios técnicos de sua atividade fiscalizatória é de competência do poder executivo, sob pena de contrariedade ao princípio da independência e harmonia entre os poderes.

Os argumentos do ICMBio devem ser afastados. Com efeito, a determinação ao ICMBio de adoção, de forma permanente, das medidas administrativas necessárias para efetiva fiscalização do estrito cumprimento dos atos normativos que regulamentam a atividade de observação de baleias-francas com uso de embarcações, nos limites da APA da Baleia Franca nos Municípios de Garopaba, Imbituba e Laguna, mediante a elaboração e implementação de plano de fiscalização que contemple a inspeção in loco e ostensiva das atividades nas embarcações durante as saídas, pode (e deve) ser executada pela autarquia em razão de estar compreendida no âmbito de sua atribuição e por sua atuação nesse sentido ter se demonstrado deficiente.

Correta a sentença nesse ponto, pois cabe ao ICMBio fiscalizar a referida atividade, o que está compreendida nas suas funções institucionais, não sendo concebível a sua completa omissão e/ou atuação deficiente em proteger, em águas brasileiras, a baleia franca austral e ordenar o uso turístico e recreativo da região, conforme o Decreto s/n, de 14 de setembro de 2000, que dispõe sobre a criação da Área de Proteção Ambiental da Baleia Franca, no Estado de Santa Catarina.

2.2 DA APELAÇÃO DO INSTITUTO SEA SHEPERD BRASIL

2.2.1 DA NECESSIDADE DE AVALIAÇÃO, PREVENÇÃO E MITIGAÇÃO DE IMPACTOS GERADOS PELA ATIVIDADE DE TURISMO DE OBSERVAÇÃO DE BALEIAS EMBARCADO

O Instituto Sea Shepherd Brasil, nas razões de apelação, pediu o seguinte:

  1. b) A suspensão definitiva do Turismo de Observação de Baleias Embarcado, com ou sem motor, com a sua PROIBIÇÃO nos municípios de Garopaba, Imbituba e Laguna, na região da APA da Baleia Franca/SC, diante da prova inequívoca do necessário descumprimento da legislação regulatória da atividade e protetiva da espécie Eubalaena Australis (em perigo de extinção) para a garantia da segurança de navegação e salvaguarda da vida humana (tripulação e turistas), ditadas pelos fatores ambientais locais imutáveis: formação geográfica (enseadas fechadas e semifechadas), ventos e correntes marítimas, levando-se em conta o documento trazido pelo apelado ICMBio, evento 16, PROCADM 6, p. 20 e os laudos juntados aos autos pelo apelante, no evento 39, que comprovam a inviabilidade da prática do TOBE na região da Área de Proteção Ambiental da Baleia Franca, conforme o art. 462 do Código de Processo Civil; ou alternativamente
  2. c) A suspensão imediata da observação de Baleias Franca com o uso de embarcações, com ou sem motor, nos limites da APA da Baleia Franca nos Município de Garopaba, Imbituba e Laguna, até que os estudos de viabilidade ambiental da atividade e dos impactos da atividade nos cetáceos sejam concluídos, bem como seja determinado o licenciamento ambiental da atividade;

Em relação aos pedidos relacionados à proibição definitiva da atividade, embora os relevantes argumentos da recorrente, correta a sentença ao decidir pelo seu não-conhecimento, considerando se tratar de inovação do pedido após a contestação, sem o consentimento do ICMBio.

Resta examinar o pedido de que a atividade esteja condicionada a estudos de viabilidade ambiental e ao licenciamento, se se trata de medidas que devem ser consideradas necessárias para a proteção da baleia franca.

Este e. TRF4 ao julgar agravo de instrumento interposto em face de decisão liminar proferida nos autos originários, considerou ‘a preocupação em não só estimular a educação ambiental, como menciona o ICMBio, e em proteger a atividade econômica dos trabalhadores que dela dependem mas, principalmente, a necessidade de se preservar a espécie em unidade de conservação em que é imprescindível o devido licenciamento ambiental’.

Por outro lado, sequer são observados os procedimentos previstos na Instrução Normativa nº 04/2009 sobre a autorização direta da atividade, como sustenta o Instituto Sea Shepherd Brasil nas razões de apelação: ‘Nos documentos acostados aos autos pelo apelado ICMBio não se verifica a observação a esta Instrução Normativa para a expedição da Autorização Direta, eis que em momento algum são apresentadas as informações previstas no art. 6º pelas operadoras, conforme verifica-se no evento 14, em que o apelado apresenta o procedimento adotado para a autorização do TOBE’.

De acordo com a referida Instrução Normativa nº 04/2009, uma das etapas do procedimento para autorização direta consiste na análise técnica, na qual devem ser considerados os impactos ambientais potenciais e efetivos na unidade de conservação e as propostas para mitigação dos potenciais impactos à unidade de conservação apresentada pelo interessado:

CAPÍTULO II DO PROCEDIMENTO PARA AUTORIZAÇÃO DIRETA

Art. 3º O procedimento de Autorização Direta obedecerá às seguintes etapas:

I – requerimento do interessado diretamente à unidade de conservação afetada, conforme Anexo I;

II – análise técnica;

III – deferimento ou indeferimento da Autorização; e

IV – encaminhamento da decisão ao interessado. Parágrafo único. O procedimento de concessão de Autorização Direta não depende da abertura imediata do processo administrativo, cabendo ao chefe da unidade de conservação formalizá-lo junto à unidade protocolizadora.

Art. 4º Na análise técnica serão considerados:

I – os impactos ambientais potenciais e efetivos na unidade de conservação, sua zona de amortecimento ou área circundante;

II – as restrições para a implantação e operação da atividade, de acordo com o decreto de criação, características ambientais, zona de amortecimento ou área circundante da unidade de conservação;

III – a compatibilidade entre a atividade e as disposições contidas no plano de manejo, quando houver.

Parágrafo único. Caso os elementos apresentados para subsidiar a análise e manifestação sejam insuficientes, serão solicitadas informações e documentos complementares.

Art. 5º A Autorização Direta será concedida pela unidade de conservação afetada pela atividade. Parágrafo Único. Nos casos em que a atividade solicitada afetar Reserva Particular do Patrimônio Natural, a competência para emissão de autorização será da Coordenação Regional à qual a unidade de conservação estiver vinculada.

Art. 6º A análise técnica para concessão de Autorização Direta será baseada nas informações da atividade apresentadas pelo interessado, incluindo:

I – descrição detalhada, com mapas ou croquis;

II – localização ou trajeto; I

II – cronograma de atividades;

IV – expectativa de duração;

V – dimensionamento do projeto ou atividade;

VI – propostas para mitigação dos potenciais impactos à unidade de conservação;

VII – apresentação de documentação que se fizer necessária visando atender legislação específica; e

VIII – demais informações pertinentes.

Parágrafo único. Em caso de propriedade particular, deverá ser apresentado documento comprobatório de propriedade ou posse da área.

Art. 7º O prazo para manifestação do Instituto Chico Mendes frente ao requerimento de que trata esta Instrução Normativa será de até 30 dias, contados a partir da data de protocolo.

Art. 8º A Autorização Direta de que trata esta Instrução Normativa deverá ser emitida em formulário próprio, conforme Anexo II.

Dessa forma, não se mostra suficiente para liberar a atividade somente a apresentação por parte do ICMBio de um plano de fiscalização, sem condicioná-la ao menos a estudos de sua viabilidade ambiental, ou até que seja assegurado que esse tipo de turismo se desenvolva com um mínimo de riscos de danos à espécie baleia franca e à segurança dos turistas.

A Lei nº 9.985/2000, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, no art. 27 determina que as unidades de conservação devem dispor de um Plano de Manejo e, no art. 28 estabelece que são proibidas, nas unidades de conservação, quaisquer alterações, atividades ou modalidades de utilização em desacordo com os seus objetivos, o seu Plano de Manejo e seus regulamentos.

É ainda definida pela Lei nº 9.985/2000 o Plano de Manejo como um documento técnico mediante o qual, com fundamento nos objetivos gerais de uma Unidade de Conservação, se estabelece o seu zoneamento e as normas que devem presidir o uso da área e o manejo dos recursos naturais (art. 2º, inc. XVII).

O Plano de Manejo deve disciplinar de forma expressa as condutas proibidas e admitidas na unidade de conservação, fixando regras de uso e ocupação; consiste, pois, em verdadeiro regulamento destinado a disciplinar as atividades a serem incentivadas, controladas, limitadas e proibidas em cada uma das áreas delimitadas pelo zoneamento:

A respeito do caráter normativo do Plano de Manejo, é possível extrair da definição da Lei do SNUC que se trata de norma jurídica preordenada a disciplinar de forma expressa as condutas proibidas a admitidas em cada uma das áreas da unidade de conservação. Deveras, para cumprir sua finalidade, o Plano de Manejo deve fixar regras de uso e ocupação da unidade de conservação e de sua zona de amortecimento. Assim, o Plano de Manejo consiste em verdadeiro regulamento destinado a disciplinar as atividades a serem incentivadas, controladas, limitadas e proibidas em cada uma das áreas delimitadas pelo zoneamento.

Apesar do estabelecimento do prazo de cinco anos a partir da data de criação das unidades de conservação para a elaboração do Plano de Manejo (art. 27, §3º, da Lei nº 9.985/2000), no caso da APA – Baleia Franca a partir de 2000, e de decisão transitada em julgado em que o IBAMA/Instituto Chico Mendes foi condenado a elaborá-lo para a APABF (ACP nº 200572000103279/SC), o Plano de Manejo ainda se encontra na fase de elaboração.

O art. 225 da Constituição Federal estabelece que para assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, incumbe ao Poder Público I – preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade.

A Lei 6.938/81, por sua vez, estabelece como um dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente a avaliação de impactos ambientais (art. 9º, inc. III).

Como uma das diretrizes estabelecidas no Decreto 4.339/2002 para a implementação da Política Nacional da Biodiversidade tem-se o monitoramento, avaliação, prevenção e mitigação de impactos sobre a biodiversidade.

Já o objetivo geral é ‘estabelecer formas para o desenvolvimento de sistemas e procedimentos de monitoramento e de avaliação do estado da biodiversidade brasileira e das pressões antrópicas sobre a biodiversidade, para a prevenção e a mitigação de impactos sobre a biodiversidade’.

Contudo, não há ainda estudo sobre o impacto ambiental da observação de baleias-francas com uso de embarcações nos limites e zona de amortecimento da APA da Baleia Franca, razão suficiente para justificar, com fundamento no princípio da precaução, a suspensão da atividade, até que tais estudos sejam realizados e a eventual viabilidade da atividade seja verificada.

O Ministério Público Federal, com base na obra intitulada Projeto Baleia Franca: 25 anos de Pesquisa e Conservação, 1982-2007, na manifestação do evento 22 do processo originário, considerou que, embora os estudos iniciais realizados pelo Projeto Baleia Franca indicasse que não há evidências claras sobre os distúrbios a curto prazo nas baleias francas, decorrentes da observação embarcada, aponta a dificuldade de se avaliar os potenciais prejuízos desse tipo de turismo sobre os cetáceos, além de não serem conhecidos os impactos que podem ser causados a longo prazo.

Transcrevo parte do referido estudo, especificamente quanto ao capítulo denominado ‘Observando as Baleias Francas’ (grifou-se):

Para assegurar a sustentabilidade do turismo e ao mesmo tempo prevenir o molestamento indevido das baleias, o Projeto desenvolve um monitoramento de longo prazo, voltado para avaliar as reações das baleias à aproximação dos barcos de turismo e analisar os possíveis impactos resultantes dessa interação.

Estes impactos não são necessariamente prejudiciais às baleias, contudo a principal preocupação consiste da dificuldade de se avaliar os potenciais prejuízos do turismo embarcado sobre os cetáceos. É fato que vários parâmetros podem ser utilizados para este tipo de avaliação. Parâmetros comportamentais, fisiológicos e acústicos podem ser medidos a curto prazo, e parâmetros como produtividade, condição física dos indivíduos, distribuição, habituação e tolerância podem ser avaliados a longo prazo. Contudo, as reações das baleias a atividades humanas, tais como o turismo embarcado, variam de acordo com a espécie e ao longo do tempo, e podem variar também de acordo com o tipo de embarcação, bem como o modo de aproximação realizado pela mesma. No Hemisfério Sul, tem-se observado que aproximações bruscas e ofensivas podem resultar em respostas evasivas, enquanto aproximações mais cautelosas podem resultar na aproximação dos animais à embarcação.

Estudos dos impactos antropogênicos sobre os cetáceos têm sido desenvolvidos em diversos lugares no mundo todo.

Enquanto a maioria tem relatado alterações significantes no comportamento dos cetáceos, tem sido mencionado, quase sem exceção, que o significado biológico a longo prazo destas alterações ainda não está claro. Ademais, o pouco que se sabe provém de observações relativas a determinadas espécies em algumas regiões, e geralmente as informações obtidas não podem ser diretamente comparadas com outras espécies e outros lugares.

Dessa forma, o ICMBIO não vem garantindo a proteção aos cetáceos, que enseja o desenvolvimento de estudos de impacto ambiental, implementar medidas de controle de riscos associados, identificar e minimizar a atividade antrópica e exigir o licenciamento ambiental de atividades potencialmente causadoras de impacto ambiental, considerando o turismo desordenado desenvolvido na região da APA Baleia Franca.

2.2.2 AVALIAÇÃO DOS RISCOS EM MATÉRIA AMBIENTAL: PREVALÊNCIA DA PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE NA PONDERAÇÃO DOS INTERESSES EM CONFLITO

Conforme visto, a questão fundamenta-se na necessidade de proteção de espécie ameaçada de extinção: até o presente momento não há evidências quanto à ausência de impactos significativos ocasionados pela atividade de turismo de observação de baleias embarcado em enseadas no litoral catarinense.

Pelo contrário, tudo indica que a forma como está sendo conduzida a referida atividade na APA – Baleia Franca, região onde ocorre a reprodução das baleias e localizado seu berçário, constitui em série ameaça aos cetáceos, seja por não ser observada a distância limite de aproximação às baleias, seja pela poluição sonora ou pela possibilidade de colisão com as embarcações, entre outros fatores.

Incide, no caso, o princípio da precaução: como não há avaliação segura sobre os impactos do turismo de observação de baleias embarcado no litoral catarinense há a necessidade de serem adotadas medidas de segurança e de precaução em relação aos cetáceos.

Sobre a definição do princípio da precaução, Paulo Affonso Leme Machado se manifesta da seguinte forma:

A invocação do princípio da precaução é uma decisão exercida quando a informação científica é insuficiente, não conclusiva ou incerta e haja indicações de que os possíveis efeitos sobre o ambiente, a saúde das pessoas ou dos animais ou a proteção vegetal possam ser potencialmente perigosos e incompatíveis com o nível de proteção escolhido’. O princípio da precaução aconselha um posicionamento – ação ou omissão – quando haja sinais de risco significativo para as pessoas, animais e vegetais, mesmo que esses sinais não estejam perfeitamente demonstrados. O princípio ‘significa que medidas podem e, algumas vezes, devem ser tomadas equitativamente, se ainda não há prova, mas, mais exatamente, suspeita de efeitos riscosos.

Havendo dúvida ou controvérsia quanto à viabilidade ambiental da atividade, ela não deve ser retomada em virtude dos riscos ambientais daí decorrentes. Tomando-se medidas de forma a impedir a ocorrência de atividade potencialmente lesiva ao meio ambiente.

Se houver uma carga de argumentação em benefício da proteção do meio ambiente, deve ser dada a ela preferência (in dubio pro ambiente), precedência fundamentada no princípio da precaução e no princípio da solidariedade entre gerações (art. 225 da Constituição Federal).

Além disso, ainda temos de ponderar que o malefício ocasionado pela retomada das atividades representa um maior peso, por estarem em jogo a possibilidade da irreversibilidade dos danos ambientais, que eventuais prejuízos causados pela manutenção da sua paralisação.

Dessa forma, a mera probabilidade de serem ocasionados danos ao cetáceos, considerando o princípio da precaução, impõe a necessidade de adoção de medidas acautelatórias para a sua proteção.

Em relação à necessidade de prevenção e/ou precaução devido à existência de riscos de danos ao meio ambiente, o seguinte posicionamento doutrinário:

Agir debaixo de risco’ (Handeln unter Risiko), reflectindo antes de agir e atendo aos efeitos directos e efeitos laterais (Nebenfolge) desconhecidos da acção, pode parecer não ser uma questão de direito. Na verdade, se os riscos da acção não são, por natureza, determináveis, como posso apelar ao domínio kantiano dos fins? Mas a resposta impõe-se: se os recursos são escassos e certas situações irreversíveis, a convicção de que o futuro pode ser afectado pela acção presente mostra que no horizonte da decisão de agir e, logo, do seu ‘dever ser’, tem de estar a previsibilidade possível dos efeitos desse agir, bem como a inerente responsabilidade.

Os valores defendidos através da proteção ao meio ambiente, como uma ‘responsabilidade de longa duração’, inserida em uma ideia de proteção ecológicoambiental dirigida à posteridade10, não podem ser olvidados enquanto não houver um juízo de certeza em relação à não configuração de danos potenciais ao meio ambiente.

Com efeito, o princípio da precaução determina que a ação para eliminar possíveis impactos danosos ao ambiente seja tomada antes de um nexo causal ter sido estabelecido com evidência científica absoluta.

Assim, considerando a necessidade de uso sustentável da biodiversidade e o princípio da precaução, a atividade de turismo de observação de baleias com embarcações deve ser antecedida de estudo sobre a sua viabilidade ambiental.

A solução para o caso dos autos, portanto, conduz à manutenção da paralisação da atividade de turismo de observação de baleias com embarcação na região da APA – Baleia Franca.

2.2.3 PONDERAÇÃO DOS INTERESSES EM CONFLITO E A ALTERNATIVA REPRESENTADA PELO TURISMO DE OBSERVAÇÃO DE BALEIAS EM TERRA: TURISMO DE OBSERVAÇÃO AMBIENTALMENTE SUSTENTÁVEL

A existência de prejuízo econômico decorrente de suspensão da atividade de turismo de observação de baleias embarcado (TOBE) não deve ser razão para obstar a suspensão da atividade.

Sobre a necessidade de ponderação de princípios da liberdade empresarial, desenvolvimento econômico e da defesa ambiental, Andreas J. Krell afirma o seguinte:

Somente nos últimos anos progrediu no Brasil a discussão sobre os valores constitucionais colidentes da liberdade empresarial, do desenvolvimento econômico e da defesa ambiental (art. 170 CF). Em geral, seria necessário o exercício de uma ponderação mais equilibrada dos valores jurídicos e interesses sociais envolvidos por parte dos operadores de Direito, para podermos chegar a soluções que correspondem às metas axiologicamente fixadas na legislação constitucional e ordinária. Infelizmente, pode-se observar ainda um tipo de ponderação deformada, na qual os tribunais costumam dar ampla preferência aos interesses públicos ‘tradicionais’, como a criação e manutenção de empregos, a produção de bens, a geração de tributos etc.

Comparados com estes interesses econômicos, os julgadores costumam relegar ao segundo plano os interesses difusos. Nesse processo de decisão, no entanto, não é permissível ‘jogar’ uma geração (ou dimensão) de direitos contra a outra, nesse caso: a segunda (direitos sociais, v.g.: emprego) contra a terceira (v.g.: meio ambiente).

(…)

No entanto, a ordem jurídica brasileira estabelece uma nítida preferência para a proteção dos valores que expressam os interesses difusos (…).

Não se pode, ponderando os interesses em conflito, privilegiar o interesse particular, meramente patrimonial, em detrimento não apenas de toda a coletividade, como também das gerações futuras. Ademais, a liberdade econômica e a livre iniciativa não possuem caráter absoluto, em face inclusive da necessidade de atendimento da proteção ao meio ambiente.

Dessa forma, a defesa do meio ambiente ainda que não represente proibição ao desenvolvimento de atividades econômicas, deve representar a observância às suas normas protetivas.

Afinal, ‘a Constituição Federal diz também que a ordem econômica tem por fim assegurar a todos existência digna, observados dentre outros, os princípios da função social da propriedade e da defesa do meio ambiente (art. 170)’.

Conforme sustentado pelo ora apelante, mesmo que o TOBE gere renda pelos turistas que visitam a região da APA da Baleia Franca para avistar os cetáceos, esse mesmo turismo pode ser feito por terra, diante dos mirantes naturais e da proximidade com que as baleias franca ficam dos costões, a menos de 20 metros. Inclusive há relato de que as operadoras já iniciaram a oferta de passeios por terra, que não apresentaria riscos para as baleias e nem para os turistas.

Como enfatizado pelo Projeto Baleia Franca (evento 22, PROCADM2, processo originário), ‘as baleias francas se prestam maravilhosamente à observação em terra’ e ‘a costa da APA da Baleia Franca oferece excelentes oportunidades para observar as baleias a partir de terra’:

Além do turismo de observação embarcada, entretanto, graças ao seu hábito costeiro na época da reprodução as baleias francas se prestam maravilhosamente à observação em terra. É assim que a imensa maioria dos visitantes da costa catarinense no inverno e primavera se dedicam a ver as baleias, percorrendo trilhas nos promontórios e costões rochosos, ou simplesmente subindo à duna mais próxima para apreciar os tranquilos gigantes passeando com seus filhotes logo após a arrebentação. A costa da APA da Baleia Franca oferece excelentes oportunidades para observar as baleias a partir de terra, em locais como a Ilha do Papagaio, em Palhoça; os costões que limitam a praia do Rosa, o morro da Ribanceira, o mirante do Silvestre Praia Hotel e o morro de Itapirubá (além do deck de observação do Projeto Baleia Franca, na mesma praia), em Imbituba; o mirante do Laguna Tourist Hotel e o Cabo de Santa Marta Grande, em Laguna; e o mirante da Prefeitura construído na Praia do Arroio Corrente, em Jaguaruna.

Dessa forma, possível o desenvolvimento de atividade de turismo de observação de baleias – em terra – de forma ambientalmente sustentável.

  1. CONCLUSÃO

Diante do exposto, o Ministério Público Federal opina pelo desprovimento da apelação do ICMBio e parcial provimento da apelação do Instituto Sea Sheperd Brasil  (destaques no original)(evento 19 -PARECER1).

Conforme bem enfatizado na promoção do Parquet, restou demonstrado que o ICMBio não vem garantindo a proteção dos referidos cetáceos.

Como é fato notório, as Baleias Francas (no caso em tela, a espécie Eubalaena australis), assim como todos os cetáceos, são mamíferos que sofreram adaptações para a vida aquática, mas possuem sangue quente, realizam fecundação interna e respiram por meio de pulmões, sendo necessário vir à superfície para respirar. Esses mamíferos visitam a costa brasileira para reproduzir e alimentarem os seus filhotes, no período de julho a novembro.

Assim, é natural que os animais se aproximem com facilidade das embarcações que os buscam observar. Contudo, verifica-se do exame dos autos, pelos documentos e vídeos anexados, que a atividade de observação, ao invés de manter a distância determinada pelo IBAMA, representa verdadeiro molestamento intencional e usual, não se tratando de mera situação ocasional em que o cetáceo se aproxima das embarcações.

Em consulta aos sítios do Centro de Estudos Costeiros Limnológicos e Marinhos – CECLIMAR da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS (http://www.ufrgs.br/ceclimar/ceram/fauna-marinha-e-costeira/baleia-franca-austral) e da Associação Catarinense de Proteção aos Animais – ACAPRA (http://acaprasc.wix.com/baleiafranca) pode-se ver as características desse cetáceo, com a sua biologia populacional e comportamental, desde a forma como se reproduzem até o porquê da região ser considerada berçário da espécie, assim como que as principais ameaças à espécie são as colisões com embarcações, pelo crescente desenvolvimento do turismo de observação, e o emalhamento em artefatos de pesca.

Além disso, relata o Instituto Sea Shepherd que a atividade, com a aproximação dos barcos com motores e o toque, ainda perturba o sistema biossonar das Baleias Francas, o que também afetaria a sua sobrevivência e reprodução.

O estado de risco para os referidos cetáceos, bem como aos turistas, diante da falta de estudos acerca dos impactos e viabilidade da atividade de avistamento embarcado, e da falta de recursos para proceder à fiscalização pela APA Baleia Franca e pelo ICMBio, revelada em sede de contestação (evento 16- PET1), ensejou novo pedido de antecipação da tutela pelo ISSB para que houvesse a suspensão imediata da atividade e a proteção total dos animais, para além do período de reprodução da temporada de 2013, a par do cumprimento da Portaria 117/96 do IBAMA e do plano de manejo da unidade de conservação (evento 24 – PET1), a qual foi deferida parcialmente (evento 25 – DECLIMTUTELA1).

Interposto o Agravo de Instrumento nº 5012653-43.2013.4.04.0000/SC contra essa decisão, este Tribunal entendeu que o ICMBio não vem tomando as devidas medidas para fiscalizar e proteger os animais, uma vez que ‘[…] colhe-se das alegações apresentadas na contestação e dos documentos trazidos aos autos pelo autor e pelo ICMBio que inexiste qualquer estudo sobre o impacto ambiental da observação de baleias-francas com uso de embarcações nos limites e zona de amortecimento da APA da Baleia Franca, de modo que a atividade é realizada sem o conhecimento dos eventuais riscos e malefícios que possa causar às baleias-francas’.

Julgado por esta Turma o referido agravo de instrumento, restou assim ementada a decisão:

ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. TURISMO DE OBSERVAÇÃO DE BALEIAS FRANCAS EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL.

Merece ser mantida a decisão que determinou a suspensão imediata da observação de baleias-francas com o uso de embarcações, com ou sem motor, nos limites e zona de amortecimento da APA da Baleia Franca nos Municípios de Garopaba, Imbituba e Laguna, bem como que adote as medidas administrativas cabíveis para fiscalizar e coibir a atividade de observação, excetuada a observação em terra, até que haja o competente estudo acerca da viabilidade ambiental da atividade na região, bem como o licenciamento ambiental da atividade, comprovando a adoção de tais medidas no prazo de 15 dias.

(TRF/4ª Região, 3ª Turma, AI nº 5012653-43.2013.404.0000/SC, Rel. Des. Federal Fernando Quadros da Silva, DJE 25-10-2013) (eventos 58 e 62).

Ao longo de todo o processamento do feito, ficou demonstrado o estado de risco às Baleias Francas e à comunidade, mormente diante das informações da falta de estudos de viabilidade, de plano de manejo e de estrutura técnica para a fiscalização convencional da atividade de turismo de observação de baleias por meio do cumprimento da Portaria IBAMA 117/96.

Por outro lado, conforme bem observado pela sentença, ‘a APA da Baleia Franca recebeu recentemente ou está em vias de receber reforço em sua equipe de fiscalização, conforme noticiado pelo ICMBio nos autos da Ação Civil Pública nº 5009764-79.2015.404.7200 (evento 6 – OFIC2), em tramitação na 6ª Vara Federal de Florianópolis, cujo objeto envolve a elaboração de plano de manejo e reforço de pessoal para a APA. Desse modo, é de ser afastada a alegação de que a Unidade de Conservação não possui, em seus quadros, pessoal suficiente para a realização de fiscalização in loco'(evento 152 – SENT1).

Contudo, ainda assim há a necessidade de sua proteção irrestrita, com medidas efetivas para a fiscalização, com estudos de viabilidade, de plano de manejo e do licenciamento da atividade pelo órgão competente e com a restrição da atividade turística à observação por terra, dentro dos limites da APA Baleia Franca e zona de amortecimento, nos termos como determinado pela bem prolatada sentença.

Assim, a solução para o caso dos autos passa pela suspensão da atividade de turismo de observação de baleias com embarcação, com ou sem motor, na região da APA Baleia Franca, qual seja, nos Municípios catarinenses de Garopaba, Imbituba e Laguna, uma vez que restou demonstrado que o ICMBio não vem garantindo a proteção dos referidos cetáceos, devendo, além da fiscalização, desenvolver estudos de impacto ambiental, implementar medidas de controle de riscos, identificar e minimizar a atividade antrópica e exigir o licenciamento da atividade de turismo de observação, potencialmente causadora de impacto, excetuada a atividade de observação de baleias por terra, a qual se realiza de forma sustentável.

Ante o exposto, voto no sentido de negar provimento às apelações, do Instituto Sea Shepherd Brasil – ISSB e do ICMBio, e à remessa oficial.

Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA

Relator

 

EMENTA
DIREITO AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ICMBIO. INSTITUTO SEA SHEPHERD BRASIL – ISSB (INSTITUTO GUARDIÃES DO MAR). APA BALEIA FRANCA. ATIVIDADE TURÍSTICA DE OBSERVAÇÃO DE BALEIAS FRANCAS COM O USO DE EMBARCAÇÕES. FISCALIZAÇÃO. ESTUDOS DE IMPACTO AMBIENTAL E LICENCIAMENTO AMBIENTAL.
          1. Ação Civil Pública objetivando a proteção da espécie Eubalaena Australis, popularmente conhecida como Baleia Franca, nos limites da APA da Baleia Franca, administrada pelo ICMBio, nos Municípios catarinenses de Garopaba, Imbituba e Laguna, em face da exploração da atividade de turismo de obervação com o uso de embarcações.
         2. Hipótese em que comprovados nos autos os malefícios da atividade turística de observação das baleias francas, assim como a falta de proteção ambiental da espécie, em razão da ausência de plano de manejo e de condições da Autarquia exercer a fiscalização adequada.
         3. Determinação de suspensão imediata da atividade de turismo de observação de baleias com embarcação, com ou sem motor, na região da APA Baleia Franca, bem como a realização de estudos de impacto ambiental, implementação de medidas de controle de riscos, identificação da atividade antrópica e exigência do licenciamento da atividade, mantida apenas a atividade de observação de baleias por terra, a qual se dá de forma sustentável.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento às apelações, do Instituto Sea Shepherd Brasil-ISSB e do ICMBio, e à remessa oficial, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 30 de agosto de 2016.
Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
Relator

 

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