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TJSC reitera que as regras do Código Florestal não se aplicam em área urbana consolidada

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina – TJSC manteve a improcedência de ação popular ajuizada por morador do Município de São Bento do Sul – SC, na qual pedia a anulação de atos administrativos supostamente ilegais e lesivos ao meio ambiente, por ter permitido a construção e a realização de obras com distanciamento de apenas 15 (quinze) metros das margens de cursos d’água, ainda que tubulados, em todo o Município, sustentando violação das regras previstas pelo Novo Código Florestal – Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012, exigindo distanciamento de 30 (trinta) metros das margens.

O Tribunal ressaltou que o Novo Código Florestal não retira o caráter especial da Lei de Parcelamento do Solo Urbano em relação aos imóveis objeto de edificação nas áreas urbanas consolidadas. Destacou-se, ainda, que os cursos d’água canalizado e tubulado já não mais atendem fins ecológicos.

 

 

Direito Ambiental

Confira a íntegra da decisão:

Apelação n. 0006913-58.2012.8.24.0058

Relator: Desembargador Cesar Abreu

 

 

AÇÃO POPULAR AMBIENTAL. INSURGÊNCIA RECURSAL PARA REFORMAR A SENTENÇA E, CONSEQUENTEMENTE, ANULAR OS ATOS ADMINISTRATIVOS QUE CONCEDERAM ALVARÁ DE CONSTRUÇÃO COM DISTANCIAMENTO INFERIOR A 30 (TRINTA) METROS DAS MARGENS DO CURSO D’ÁGUA NO MUNICÍPIO, BEM COMO PARA SUSPENDER TODAS AS AUTORIZAÇÕES ANTERIORMENTE CONCEDIDAS  QUE NÃO ATENDAM AO REFERIDO DISTANCIAMENTO, SOB A ALEGAÇÃO DE AFRONTA AO CÓDIGO FLORESTAL. IRRESIGNAÇÃO QUE NÃO MERECE ACOLHIMENTO. EMPREENDIMENTO QUE SE SITUA EM ÁREA URBANA CONSOLIDADA E EM AMPLO DESENVOLVIMENTO. CURSO D’ÁGUA CANALIZADO E TUBULADO, QUE NÃO MAIS ATENDE AOS FINS ECOLÓGICOS. APLICABILIDADE DA LEI DE PARCELAMENTO DO SOLO URBANO (LEI FEDERAL N. 6.766/1979), QUE PREVÊ O RECUO DE 15 (QUINZE) METROS. PRECEDENTES DESTE TRIBUNAL. DESPROVIMENTO DO RECURSO .

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n. 0006913-58.2012.8.24.0058, da comarca de São Bento do Sul 1ª Vara em que é Apelante Arnaldo José de Conto e Apelados Município de São Bento do Sul e outros.

A Terceira Câmara de Direito Público decidiu, por unanimidade, negar provimento ao recurso. Custas legis.

O julgamento realizado nesta data,  foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Ronei Danielli e dele participou o Exmo. Sr. Des. Pedro Manoel Abreu. Funcionou como Representante do Ministério Público o Exmo. Sr. Dr. André Carvalho.

Florianópolis, 18 de outubro de 2016 .

Desembargador Cesar Abreu

Relator

RELATÓRIO

Trata-se de ação proposta por Arnaldo José de Conto em desfavor do Município de São Bento do Sul e do seu Prefeito, na qual objetiva a anulação de atos administrativos supostamente ilegais e lesivos ao meio ambiente, ocorridos antes do ajuizamento do feito (4.12.2012), os quais teriam permitido a construção e a realização de obras com distanciamento de apenas 15 (quinze) metros das margens de cursos d’água, ainda que tubulados, em todo o Município, infringindo, dessa forma, no entender do autor, a legislação ambiental. Especificadamente, impugna o alvará de construção concedido à empresa Supermercado MIG Ltda.

Ainda, requer a suspensão de todas as autorizações para construção, bem como aquelas concedidas a qualquer obra, iniciada ou não, que esteja às margens de cursos d’água com recuos inferiores a 30 (trinta) metros em faixa marginal. Por fim, pleiteia a indenização dos prejuízos causados ao meio ambiente.

Na primeira análise, o juízo a quo extinguiu o processo sem resolução de mérito, sob a alegação de não estarem demonstrados dois requisitos que ensejam a propositura da ação popular, quais sejam: a ilegalidade do ato e a lesividade deste ao patrimônio público.

Foi interposto recurso de apelação, sendo este provido, determinando-se o prosseguimento do feito no primeiro grau.

Após o regular trâmite, com a participação do interessado MIG Supermercados Ltda., sobreveio a sentença, a qual julgou improcedente a Ação Popular Ambiental. Irresignado o autor interpôs este recurso de apelação, no qual repisa as teses e pedidos iniciais.

Expressamente requer a suspensão definitiva de todas as licenças para edificação às margens de cursos d’água, com recuos inferiores a 30 metros.

Com as contrarrazões apresentadas pelos réus, os autos alcançaram a esta instância recursal, tendo a Douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Excelentíssimo Sr. Dr. Sandro José Neis, opinado pelo conhecimento e desprovimento do recurso.

Este é o relatório.

VOTO

O recurso, adianta-se, não é de ser provido.

O novo Código Florestal define como área de preservação permanente as faixas marginais de 30 (trinta) metros para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de largura (artigo 4º, inciso I, alínea a). No entanto, tem-se decidido que em regiões que apresentam estágio de urbanização e em amplo desenvolvimento, não se mostra necessário adotar as disposições severas da legislação federal.

A insurgência do apelante circunda exatamente sobre o viés acima citado, eis que, conforme bem acentuou o Procurador de Justiça Dr. Sandro José Neis:

[…] a controvérsia ora em comento se encontra na possibilidade ou não de flexibilização da norma ambiental, tendo em vista a situação peculiar vivenciada no Município de São Bento do Sul, que possui diversos cursos d’água tubulados, totalmente descaracterizado como área de preservação permanente.

Desta forma, não se desconhece que o assunto possui entendimentos controvertidos nos Tribunais, porém, no presente caso, entende-se pela aplicação da Lei de Parcelamento do Solo, especialmente porque o local objeto desta actio, ao que tudo indica, não se encontra em área de risco de inundações (fato que obrigatoriamente remeteria a aplicação do Código Florestal).

A Lei n. 6.766/79 (Lei do Parcelamento do Solo) em seu artigo 4º, III, dispõe que:

Art. 4º. Os loteamentos deverão atender, pelo menos, aos seguintes requisitos:

III – ao longo das águas correntes e dormentes e das faixas de domínio público das rodovias e ferrovias, será obrigatória a reserva de uma faixa não-edificável de 15 (quinze) metros de cada lado, salvo maiores exigências da legislação específica; (Redação dada pela Lei nº 10.932, de 2004)

Pois bem! O Ministério Público elaborou, sobre o assunto, Enunciados das APPs Urbanas, objetivando maior uniformização de entendimento no trato do tema afeto aos distanciamento de proteção às margens dos cursos d’água, no aspecto razoabilidade de tratamento, admitindo a aplicação para as áreas urbanas dos municípios o distanciamento de 15 metros previsto no artigo 4º, inciso III, da Lei n. 6.766/79, e não aquele previsto no Código Florestal.

Assim, no conceito de área urbana consolidada (Enunciado 2), considera-se “aquela situada em zona urbana delimitada pelo poder público municipal, com base em diagnóstico socioambiental, com malha viária implantada, com densidade demográfica considerável e que preencha os requisitos do art. 47, II, da Lei nº 11.977/2009, excluindo-se o parâmetro de 50 habitantes por hectare”.

Em seguida, o Enunciado 3 estabelece que “na hipótese de áreas urbanas consolidadas, e não sendo o caso de áreas de interesse ecológico relevante e situação de risco, será admitida a flexibilização das disposições constantes no art. 4º da Lei n.12.651/2012, desde que observado o limite mínimo previsto no disposto no inc. III do art. 4º da Lei n.6.766/79 (quinze metros) para as edificações futuras; e o limite previsto no art. 65, §2º, da Lei n.12.651/2012 (quinze metros) para a regularização de edificações já existentes”.

Além disso, “O Novo Código Florestal não retira o caráter especial da Lei de Parcelamento do Solo Urbano em relação aos imóveis objeto de edificação nas áreas urbanas, circunstância que impõe observar o disposto no art. 2.º, § 2.º, da LINDB, segundo o qual “a lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior”. Em se tratando de área urbana, a distância para construções das margens de rios, córregos e canais deve ser aquela estabelecida pela Lei Federal 6.766/79, qual seja, 15 metros, salvo limite maior imposto por lei municipal (Des. Newton Janke)”. (TJSC, Reexame Necessário n. 2014.083336-1, de Itajaí, rel. Des. Pedro Manoel Abreu, j. 15-09-2015).

De igual feito são os julgados: Agravo de Instrumento n. 2014.024579-3; Apelação n. 0301293-90.2014.8.24.0035; Apelação n. 0005803-65.2013.8.24.0033.

Os rigores de preservação previstos na legislação federal, dessa forma, não se mostram necessários em área urbana consolidada, o que é, de fato, verificado no caso da concessão do alvará de construção à empresa “Supermercado MIG Ltda”.

Isso porque, os documentos acostados aos autos, especificadamente as fotos de fls. 130-149 e a certidão emitida pela Secretaria Municipal de Planejamento e Urbanismo (fls. 265-266), evidenciam que a localidade em que foi construída a empresa se trata de área urbana consolidada. Além de que as cópias dos levantamentos aerofotogramétricos dos anos de 1978-1980 e 2003 (fls. 267-268) demonstram que o curso d’água já é tubulado há muito tempo, não compondo o equilibro natural do meio ambiente.

Sendo assim, verifica-se que não há ilegalidade na emissão do alvará de construção concedido à empresa, eis que pertinente a aplicação da Lei do Parcelamento do Solo Urbano no caso em concreto, o qual prevê o recuo de 15 (quinze) metros.

Ainda, resta inviável anular os atos administrativos refutados pelo apelante, bem como suspender as autorizações concedidas, eis que o Município de São Bento do Sul segue, corretamente, a aplicação da Lei do Parcelamento do Solo Urbano.

Aliás, em recente julgado que trata exatamente dos afastamentos da margem de rio para construções em área densamente urbanizada consignei, verbis:

Agravo de Instrumento. Insurgência contra decisão que negou o pedido de liminar em Mandado de Segurança. Pretensão que visava a redução da distância para construção de loteamento industrial à margem do Rio do Brejo, localizado na Cidade de Joinville. Parecer técnico elaborado pela Fundação Municipal do Meio Ambiente de Joinville – FUNDEMA, que recomenda a observância de 30 (trinta) metros, de acordo com o Novo Código Florestal. Intenção do agravante em ver aplicada a Lei de Parcelamento do Solo Urbano (Lei Federal n. 6.766/1979), que prevê o recuo de 15 (quinze) metros. Possibilidade. Área Urbana Consolidada em amplo desenvolvimento. Precedentes deste Tribunal. […]  (AI n. 2014.024579-3, de Joinville).

Extrai-se do corpo do supracitado acórdão:

Como é sabido, de fato, o novo Código Florestal define como área de preservação permanente as faixas marginais de 30 (trinta) metros para os cursos d’água natural de menos de 10 (dez) metros de largura, como é o caso do Rio do Brejo na cidade de Joinville. No entanto, tem-se decidido que em regiões que apresentam estágio de urbanização em amplo desenvolvimento, como é a situação dos autos, não se mostra necessário adotar os rigores de preservação previstos naquele Estatuto.

Conforme se colhe do PRAD – Programa de Recuperação de Área Degradada e de imagens obtidas na internet, o imóvel em questão, localizado na Rua Dorothóvio do Nascimento, Bairro Jardim Sofia, está próximo a importantes equipamentos urbanos e comunitários, a exemplo de Universidades, Shoppings e empresas de grande porte que ocupam espaços também marginais ao Rio do Brejo, muitos dos quais, é possível observar, sequer se distanciam de 15 (quinze) metros desse curso d’água.

Sendo assim, lastreado no entendimento mais atual deste Tribunal de Justiça, entende-se que a solução adotada no presente caso deve ser interpretada “com base nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para que a edificação, além de preservar razoavelmente o meio ambiente, seja adequada a uma boa ordenação da cidade e cumpra a função social da propriedade sob o pálio do desenvolvimento sustentável, da precaução e da cautela, em atenção a cada caso concreto” (Ap. Cív. em MS n. 2011.092623-4, de Itajaí, rel. Des. Jaime Ramos, j. 31-5-2012).

E, mais:

“O Novo Código Florestal não retira o caráter especial da Lei de Parcelamento do Solo Urbano em relação aos imóveis objeto de edificação nas áreas urbanas, circunstância que impõe observar o disposto no art. 2.º, § 2.º, da LINDB, segundo o qual ‘a lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior’.

‘Em se tratando de área urbana, a distância para construções das margens de rios, córregos e canais deve ser aquela estabelecida pela Lei Federal 6.766/79, qual seja, 15 metros, salvo limite maior imposto por lei municipal (Des. Newton Janke).’ (Apelação Cível n. 2013.065451-1, da Capital, rel. Des. Pedro Manoel Abreu, j. Em 23/09/2014).

Além disso, em situação semelhante à dos presentes autos, na qual se trata de agravo de instrumento em face de decisão que denega antecipação de tutela para adoção de margem menor aos 30 (trinta) metros previstos no novo Código Florestal, já se disse, verbis:

AGRAVO POR INSTRUMENTO. INSURGÊNCIA EM FACE DA DECISÃO DENEGATÓRIA DA LICENÇA DE OPERAÇÃO À EMPRESA LOCALIZADA EM ÁREA URBANA DA CIDADE DE JOINVILLE A 28 METROS DE DISTÂNCIA DA MARGEM DE UM RIO. ALEGADA INOBSERVÂNCIA DA FAIXA NÃO EDIFICÁVEL, DECORRENTE DA ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. EXIGÊNCIA EM TERMO DE AJUSTE DE CONDUTA FIRMADO COM A FUNDEMA DE RECUO DA CONSTRUÇÃO, A FIM DE SE ADEQUAR AOS DITAMES DO CÓDIGO FLORESTAL. REQUISITO NÃO CUMPRIDO, INDISPENSÁVEL À OUTORGA DA LICENÇA ALMEJADA. IMPOSSIBILIDADE DE SUA CONCESSÃO, EM UM JUÍZO DE COGNIÇÃO SUMÁRIA, EM ESTRITA ATENÇÃO AO PRINCÍPIO DA CAUTELA QUE, EM MATÉRIA AMBIENTAL, DEVE PENDER EM FAVOR DA COLETIVIDADE. AFASTAMENTO, CONTUDO, DA NECESSIDADE DE RETIRADA DA EDIFICAÇÃO DO LOCAL. ÁREA URBANA CONSOLIDADA. INCIDÊNCIA DOS DITAMES DA LEI DE PARCELAMENTO DO SOLO URBANO (LEI FEDERAL Nº 6.766/1979) QUE PREVÊ O RECUO DE 15 METROS. PRECEDENTES DESTE SODALÍCIO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO (grifo nosso – Agravo de Instrumento n. 2013.051407-3, de Joinville, rel. Des. Carlos Adilson, j. 19-8-2014)

De tal sorte, considerando que se trata de reexaminar a decisão de concessão de tutela antecipada em mandado de segurança, mostram-se presentes os pressupostos autorizadores da medida, quer seja o fummus boni iuris em virtude de todo o arrazoado aqui dispendido, quer seja o periculum in mora consubstanciado no gravame que a demora da prestação jurisdicional pode causar à parte, empresa do ramo imobiliário que necessita deste provimento para dar prosseguimento ao investimento no terreno ora debatido.

Logo, não restam dúvidas, o recurso deve ser provido neste ponto para que as autoridades coatoras, na apreciação de possível instalação do condomínio industrial, observem os parâmetros estabelecidos pelo art. 4º, inc. III, da Lei de Parcelamento do Solo Urbano (Lei Federal n. 6.766/1979) no que diz respeito à distância mínima entre a edificação a ser realizada pela agravante e o Rio do Brejo, portanto, 15 (quinze) metros.

(…)

Ademais, a solução de aplicação da Lei de Parcelamento do Solo Urbano se faz excepcional, por conta de uma urbanização consolidada e em amplo desenvolvimento, e, portanto, no mais, se mostra aplicável o Código Florestal, o qual não distingue a área urbana da rural para a sua incidência.

No mesmo sentido: Agravo de Instrumento n. 2015.026808-6 e Apelação Cível n. 2009.028857-7.

Diante do exposto, nega-se provimento ao recurso, mantendo-se incólume a sentença combatida.

Este é o voto.

 

Direito Ambiental

Leia também:

– Indicação de leitura:

* O Portal DireitoAmbiental.com recomenda como leitura obrigatória sobre o tema o artigo  “Áreas de Preservação Permanente Urbanas” de autoria de Paulo de Bessa Antunes, Presidente da União Brasileira da Advocacia Ambiental – UBAA, publicado na  Revista de informação legislativa, v. 52, n. 206, p. 83-102, abr./jun. 2015, que pode ser acessado diretamente da página do autor no Portal Academia.edu, clicando aqui.
Direito Ambiental

* Para tirar eventuais dúvidas, fazer algum comentário, corrigir alguma falha no texto ou críticas, entre em contato com a Equipe do Portal DireitoAmbiental.com pelo seguinte e-mail:  [email protected]

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