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Temos que definir as APPs Urbanas

por Marcos Saes.

As Áreas de Preservação Permanente-APPs são áreas protegidas, cobertas ou não por vegetação nativa, com função ambiental de preservar recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas, conforme nos ensina o art. 3º, II, do Código Florestal. Assim, por toda essa relevância, essas áreas merecem uma especial atenção da legislação ambiental.

A União, sabendo da importância do tema e da necessidade de proteção dessas áreas, tratou de editar leis que visavam defender esses espaços. Já no Código Florestal de 1.934 (Decreto nº 23.793/1934) as florestas passaram a ter uma proteção especial. Mas foi no Código Florestal de 1.965 (Lei Federal nº 4.771/1965) que a sistemática de estabelecer parâmetros para essa proteção foi estipulada. Nesta lei que se estabeleceu, por exemplo, a APP de margens de cursos d’água. A partir de então, uma faixa marginal de todos os rios passou a ser considerada non aedificandi.

A lei de 1.965 talvez tenha cometido o equívoco de estabelecer uma metragem igual para todo o país, sem distinção de áreas urbanas e rurais, nem mesmo das diferentes regiões que compõem o Brasil. Dessa forma, talvez a União tenha editado não uma norma geral (a competência legislativa é concorrente e dessa forma cabe à União editar as chamadas normas gerais) mas sim uma norma que desceu a especificidade de determinar metragem de afastamento. Talvez fosse melhor ter definido parâmetros e deixar a especificidade de definição e metragem aos Estados ou até mesmo aos Municípios (observados os parâmetros definidos na chamada norma geral).

Mas os maiores problemas no conflito “proteção ambiental” x “direito de propriedade” vieram na década de 1980 quando os limites de afastamento foram consideravelmente alterados. Para se ter uma ideia da significância dessa alteração legislativa, um curso d’água com menos de 10 metros de largura desafiava uma APP de 5 metros de extensão (Lei Federal nº 7.511/1986). De um dia para o outro esse afastamento passou a ser de nada menos que 30 metros! Desnecessário dizer que inúmeros imóveis que possuíam possibilidade construtiva foram completamente esvaziados. Outros tantos, passaram a estar em desacordo com a lei florestal. Já os cursos d’água com maior largura (mais de 100 metros), que possuíam APP de 150 metros, passaram, após alteração legislativa ocorrida em 1989 (Lei Federal nº 7.803/1989), a ter exigido um afastamento de nada menos que 500 metros! Cidades inteiras passaram a ser consideradas APPs.

Além dos problemas acima citados, talvez o maior equívoco da lei florestal tenha sido o de não diferenciar áreas urbanas de áreas rurais. Assim como as regiões brasileiras poderiam desafiar limites diferentes (como ocorre, por exemplo, nos limites exigidos para Reserva Legal), certamente as cidades necessitam de uma normatização diferente do campo, das áreas rurais. Situações distintas precisam de um tratamento distinto.

Chegamos então ao atual Código Florestal, a Lei nº 12.651/2012, que manteve os limites de afastamento variando entre 30 e 500 metros, mas com uma sutil mudança: esses limites seriam mínimos! Ou seja, os Estados ou municípios poderiam aumentar, mas jamais diminuir a metragem estabelecida. Dessa forma, mesmo descendo a minúcia de definir metragem de afastamento, o Código Florestal passou a ter, em tese, um caráter de norma geral, permitindo aos demais entes federativos definirem outros limites, desde que mais restritivos. Em que pese ter mantido essa sistemática que não nos parece a mais adequada, o código novo quis dar tratamento diferenciado às áreas urbanas e rurais. “Quis” dar – e não deu – pois os parágrafos que visavam dar um tratamento diferenciado às áreas urbanas foram vetados. Os parágrafos originalmente previstos no art. 4º, (§§ 7º e 8º.) dispunham que os municípios poderiam, através de seus Planos Diretores, definirem a metragem necessária. Seguem as razões do veto:

“Conforme aprovados pelo Congresso Nacional, tais dispositivos permitem que a definição de largura de faixa de passagem de inundação, em áreas urbanas e regiões metropolitanas, bem como as áreas de preservação permanente, sejam estabelecidas pelos planos diretores e leis municipais de uso do solo, ouvidos os conselhos estaduais de meio ambiente. Trata-se de grave retrocesso à luz da legislação em vigor, ao dispensar, em regra, a necessidade de observância dos critérios mínimos de proteção, que são essenciais para a prevenção de desastres naturais e proteção da infraestrutura”.

Sem entrar no mérito de que ao que tudo indica os municípios sejam o melhor ente federativo para saber das necessidades locais de proteção ambiental e desenvolvimento sustentável, não concordamos que dar um tratamento diferente às áreas urbanas seja um retrocesso. Não o é! Trata-se sim de um avanço legislativo. Isso tanto é verdade que a jurisprudência e em muitos casos o próprio Ministério Público aceitam o parâmetro de afastamento previsto na Lei de Parcelamento de Solo Urbano (Lei nº 6.776/1979), que era de 15 e não de 30 metros enquanto vigia o Código Florestal de 1.965 e inclusive já na vigência do novo Código Florestal[1]

Dessa forma, é de todo elogiável que o Projeto de Lei do Senado (PLS 368/2012) que visa alterar o art. 4º. do Código Florestal para dispor sobre as APPs urbanas, tenha sido recentemente desarquivado. As Casas Legislativas devem enfrentar esse tema, pois o desenvolvimento urbano necessita de regras claras e que permitam um correto planejamento urbano e, assim, tragam o desenvolvimento sustentável.

Talvez a redação originalmente prevista, que permitia aos municípios criarem seus parâmetros, possa ser aprimorada. Como já está “consagrada” a criação de parâmetros mínimos pela lei federal, poder-se-ia criar parâmetros diferentes para as cidades. Ao invés do afastamento mínimo ser de 30 metros, poder-se-ia adotar a metragem inicial de 15 metros que, como já dito, existe na lei de parcelamento de solo urbano. A metragem final também não poderia ser de 500 metros, mas uma distância que permita a ocupação de regiões próximas aos cursos d’água de grande porte. Essa proposta, inclusive, fica em linha com o que o Supremo Tribunal Federal vem constantemente decidindo em questões ambientais. Pode-se diminuir parâmetros ou exigências, mas não simplesmente extirpá-las. Foi assim no julgamento do ADI nº 5312 /TO, em que o STF decidiu que os Estados podem simplificar o licenciamento ambiental de determinadas atividades produtivas, mas não podem dispensá-lo. Fazendo um paralelo com a questão da definição de metragem de afastamento de cursos d’água podemos afirmar que o legislador pode diminuir esses parâmetros para áreas urbanas, desde que mantenha um parâmetro mínimo que seja igual a todos os municípios.

Independente da forma que a regulamentação das APPs urbanas se dará, o fato é que ela precisa ocorrer. Não para se diminuir a proteção aos cursos d’água, mas para permitir o correto planejamento urbano aos municípios que fatalmente garantirá o desenvolvimento sustentável.

 —

Nota:

[1]  “Na hipótese de áreas urbanas consolidadas, e não sendo o caso de áreas de interesse ecológico relevante e situação de risco, será admitida a flexibilização das disposições constantes no art. 4º da Lei nº 12.651/2012, desde que observado o limite mínimo previsto no disposto no inc. III do art. 4º da Lei n.6.766/79 (quinze metros) para as edificações futuras; e o limite previsto no art. 65, §2º, da Lei n.12.651/2012 (quinze metros) para a regularização de edificações já existentes (Enunciado 03, do MPSC).

saes
Marcos André Bruxel Saes – Advogado e Consultor Jurídico. Especialista em Direito Ambiental. Presidente da Comissão de Direito Ambiental do IBRADIM. Presidente da Comissão de Desenvolvimento e Infraestrutura da OAB/SC. Conselheiro do Conselho Estadual de Meio Ambiente de Santa Catarina-CONSEMA/SC. Superintendente Regional do Instituto do Direito da Construção-IBDiC. Membro da União Brasileira da Advocacia Ambiental – UBAA.

 

– Coluna “Direito Ambiental em Debate

Este é o primeiro artigo da Coluna “Direito Ambiental em Debate”,  a qual é fruto de uma parceria entre o Portal DireitoAmbiental.com e a Comissão de Meio Ambiente do IBRADIM.

Quinzenalmente artigos que tratam dos principais temas relacionados ao meio ambiente serão publicados aqui.

Boa leitura.

Direito Ambiental

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