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Sentença em Ação Civil Pública condena proprietário de barco por dano ambiental decorrente de pesca sem autorização

“A 1ª Vara Federal de Rio Grande (RS) condenou um morador de Pelotas pela captura, sem autorização, de seis toneladas de pescado. A sentença foi proferida pela juíza federal Marta Siqueira da Cunha no sábado (24/10). A indenização pelos danos causados ao meio ambiente foi fixada em R$ 100 mil.

Segundo o Ministério Público Federal (MPF), o armador teria sido flagrado por fiscais do pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama) com a carga em sua embarcação. Sua licença para o exercício da atividade, entretanto, estaria expirada há pelo menos quatro anos. Além disso, a espécie capturada estaria sob risco de sobreexplotação.

O homem se defendeu alegando ter apresentado toda a documentação necessária aos técnicos do Ibama. Afirmou que sua permissão para pesca ainda estaria válida e que não teria cometido ato ilícito.

Para a magistrada, não seria difícil demonstrar a veracidade das afirmações do réu. Contudo, nenhuma prova nesse sentido teria sido apresentada. ‘Ora, para a comprovação de que o réu possuía autorização legal para o exercício da pesca bastava a juntada aos autos da permissão de pesca válida, o que em nenhum momento ocorreu. De mais a mais, poderia evidenciar a existência da permissão por outros meios hábeis, tais como a apresentação do comprovante de pagamento da taxa de emissão da licença. Causa espécie que o documento tenha efetivamente sido expedido, tal como sustentado pelo réu, e nenhum registro dele tenha sido encontrado. Veja-se que o próprio despachante, alegadamente o responsável pelo encaminhamento da solicitação de permissão de pesca para a embarcação, não teve a cautela de guardar quaisquer documentos atinentes ao procedimento administrativo para a expedição da permissão’, disse.

Ela lembrou, ainda, as restrições impostas à pesca de espécies consideradas pelo Ministério do Meio Ambiente como sobreexplotadas. ‘Consideram-se espécies sobreexplotadas aquelas cuja condição de captura de uma ou todas as classes de idade em uma população são tão elevadas que reduz a biomassa, o potencial de desova e as capturas no futuro, a níveis inferiores aos de segurança‘, explicou. ‘O nexo causal entre a atividade do réu e o dano, como demonstrado, é cristalino. A pesca sem o devido permissionamento denota clara desconsideração à legislação de regência, impondo o dever de indenizar‘, complementou.

Marta julgou procedente a ação e condenou o acusado ao pagamento de indenização por danos ao meio ambiente no montante de R$ 100 mil. Cabe recurso ao TRF4″.

Notícia publicada pela Justiça Federal do Rio Grande do Sul em 27/10/2015.


 Veja a íntegra da decisão extraída da movimentação processual em www.jfrs.jus.br:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº 5007828-93.2013.4.04.7101/RS

AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

AUTOR: INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS – IBAMA

RÉU: PEDRO DIONIZIO NEITZKE RODRIGUES

ADVOGADO: ELOY JOSÉ LENA

ADVOGADO: SUZANA MARA DA ROLD LENA

SENTENÇA

I)

Trata-se de ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal contra Pedro Dionizio Neitzke Rodrigues, objetivando a condenação do requerido ao pagamento de indenização por danos causados ao meio ambiente.

Aduziu que, no dia 20 de agosto de 2010, a fiscalização do IBAMA constatou que o réu, na qualidade de proprietário e armador da embarcação “Laiz“, havia pescado 6.000 kg de peixes, sendo que não possuía permissão de pesca. Sustentou que a responsabilidade civil ambiental segue a teoria do risco integral e que, havendo pluralidade de autores do dano, a responsabilidade pela reparação é solidária. Discorreu sobre os efeitos deletérios da atividade pesqueira, especialmente quando efetuada sem autorização dos órgãos competentes e, ao final, requereu a procedência da demanda, com a condenação do requerido ao pagamento de indenização a ser arbitrada pelo Juízo.

Intimado, o IBAMA postulou seu ingresso no feito na condição de assistente simples (evento 9), tendo anexado documentos atinentes à infração ambiental imputada ao demandado (evento 10).

Citado, o réu apresentou contestação (evento 21). Asseverou ter apresentado toda a documentação solicitada pelos fiscais do IBAMA, evidenciando não ter cometido ilícito ambiental. Afiançou que a sua permissão para a pesca valia até data posterior à da ocorrência dos fatos. Citou ofício expedido pelo Departamento de Registro da Pesca e Aquicultura, afirmando que a sua permissão para pesca tinha validade até 11-08-2011. Defendeu que a pesca de espécies sobreexplotadas não configura ilícito e que não houve dano ambiental. Por fim, pugnou pela improcedência da demanda e requereu a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita.

O Parquet requereu a produção de prova testemunhal (evento 34). O réu, a seu turno, postulou o seu depoimento pessoal em audiência e a oitiva de testemunha (evento 37).

Foi indeferido o pleito de depoimento pessoal formulado pelo réu e deferida a produção de prova testemunhal (evento 39).

Foi realizada a audiência, com a oitiva das testemunhas arroladas pelas partes (evento 59).

Encerrada a instrução processual, o Ministério Público Federal apresentou memoriais no evento 64 e o requerido no evento 70.

Vieram os autos conclusos para sentença.

É o sucinto relatório. Passa-se a decidir.

II)

Trata-se de ação civil pública para reparação de dano ambiental decorrente da captura de pescado sem Permissão de Pesca.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, na esteira do recrudescimento da proteção do ambiente levada a cabo em outros países e acompanhando a evolução trazida por convenções internacionais concernentes à matéria ambiental, positivou em seu artigo 225 o direito ao ambiente ecologicamente equilibrado, atribuindo-lhe, a partir da cláusula de abertura do artigo 5º, § 2º, o status de direito fundamental do indivíduo e da coletividade.

Portanto, o sistema constitucional brasileiro reconhece a dupla funcionalidade da proteção ambiental no ordenamento jurídico pátrio, visto que a salvaguarda da higidez e do equilíbrio do ambiente assume tanto a forma de um objetivo e tarefa do Estado quanto de um direito e dever do indivíduo e da coletividade, caracterizando um feixe de direitos e deveres fundamentais de cunho ecológico.

Para uma adequada compreensão da conformação jurídico-constitucional do direito fundamental ao ambiente e de sua amplitude, oportuno trazer à baila a lição de Robert Alexy, segundo o qual:

Ele é formado por um feixe de posições de espécies bastante distintas. Assim, aquele que propõe a introdução de um direito fundamental ao meio ambiente, ou que pretende atribuí-lo por meio de interpretação a um dispositivo de direito fundamental existente, pode incorporar a esse feixe, dentre outros, um direito a que o Estado se abstenha de determinadas intervenções no meio ambiente (direito de defesa), um direito a que o Estado proteja o titular do direito fundamental contra intervenções de terceiros que sejam lesivas ao meio ambiente (direito a proteção), um direito a que o Estado inclua o titular do direito fundamental nos procedimentos relevantes para o meio ambiente (direito a procedimentos) e um direito a que o próprio Estado tome medidas fáticas benéficas ao meio ambiente (direito a prestação fática) (ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 443).

Nessa esteira, os atos normativos e fáticos praticados devem observar o direito fundamental em exame. Para esse desiderato, primordial o atendimento ao princípio do desenvolvimento sustentável, que consiste na adequada integração dos eixos social, ambiental e econômico. Não é por outra razão que a Constituição Federal estabelece o respeito ao ambiente como pressuposto da atividade econômica em seu artigo 170, inciso VI. Além disso, os artigos 3º e 225 da Carta Magna igualmente fundamentam uma concepção de desenvolvimento ecológico e economicamente sustentável, além de socialmente includente. Desse modo, afigura-se essencial a racionalização da exploração dos estoques pesqueiros para a preservação do equilíbrio ambiental e restauração dos processos ecológicos essenciais envolvidos.

Assentadas essas premissas acerca do bem jurídico tutelado, passa-se a analisar se o réu efetivamente exerceu atividade pesqueira sem permissão válida.

Pois bem, os documentos anexados ao feito demonstram que o demandado pescou, aproximadamente, seis mil quilogramas de peixes diversos, predominantemente pertencentes à espécie Umbrina Canosai, popularmente conhecida como Castanha (PROCADM2, evento 1 e ANEXO3, evento 10), sem possuir permissão legal para tanto.

A aludida espécie de peixe consta no Anexo 2 da Instrução Normativa nº 5/2004, do Ministério do Meio Ambiente, como sobreexplotada ou ameaçada de sobreexplotação (INSTNORM2, evento 64). Com efeito, consideram-se espécies sobreexplotadas aquelas cuja condição de captura de uma ou todas as classes de idade em uma população são tão elevadas que reduz a biomassa, o potencial de desova e as capturas no futuro, a níveis inferiores aos de segurança (Art. 2º, II, da IN nº 05/2004 – MMA).

O Analista Ambiental do IBAMA que acompanhou a autuação, Heitor de Souza Peretti, salientou que “a captura de espécie sobreexplotada é um absoluto agravante em relação ao ato“. Segundo ele, sendo a espécie caracterizada como sobreexplotada, ela corre sério risco de entrar futuramente em extinção e, inclusive, a sua captura ameaça a própria atividade de pesca (VIDEO2, evento 59).

Em sua contestação, assevera o réu que a embarcação Laiz apresentou toda a documentação necessária e que possuía permissão de pesca, com validade até 18-11-2010, ou seja, data posterior ao dia em que ocorreram os fatos que deram azo à autuação (evento 21). Contudo, a alegação vai de encontro à prova coligida aos autos.

No ofício nº 879/2011, oriundo da Superintendência Federal do Rio Grande do Sul, vinculado ao Ministério da Pesca e Aquicultura – MPA, restou consignado o seguinte (p. 26-27, PROCADM2, evento 1):

Não consta no processo nenhum Certificado de Registro e Autorização de Pesca da embarcação Laiz, anterior ao dia 30-08-2010“.

Outrossim, acerca da discrepância de informações entre o ofício supramencionado e o ofício nº 067/2011, oriundo do Departamento de Registro de Pesca e Aquicultura DRPA (p. 21, PROCADM2, evento 1), o qual dá conta de permissão para pesca com validade até 18-11-2010, esclarece a Nota Técnica nº 241/2013 – CGPC/DRPA/SEMOC/MPA (p. 34-35, PROCADM2, evento 1):

Não localizamos nos sistemas disponíveis do MPA nenhuma cópia da Permissão de Pesca com validade de 18 de novembro de 2010, citada no documento nº 0000.004388/2013-41 PRM-RGR-RS.

O Superintendente Federal da SFPA/RS – Ministério da Pesca e Aquicultura, que (p. 36-37, PROCADM2, evento 1), por sua vez, informou:

Que o processo de registro nº 00372.010437/2006-27, da referida embarcação, teve origem pela Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca (SEAP/PR) em 26 de outubro de 2006. Nessa data, a embarcação era de propriedade do Sr. Pedro Francisco Nunes Rodrigues e possuía o nome “Superamigo”.

O processo apresenta lacunas referentes à documentação que deveria comprovar os trâmites de concessão e posteriores renovações anuais da Permissão de Pesca, desde o ano de 2006 até meados de 2010, inclusive no tocante às Permissões de Pesca eventualmente fornecidas no período supracitado […]

A lacuna na documentação entre os anos de 2006 e 2010 e a inobservância da anexação de documentos de renovação ao respectivo processo no período supracitado, provavelmente aconteceu no período que compreende a mudança de órgão responsável pela gestão da pesca embarcada marítima (SEAP para MPA).

Não constam no processo cópias de Permissões de Pesca da embarcação “Laiz” anteriores a 30/08/2010. Constam apenas documentos de pedido de permissão de pesca do ano de 2006 e documentos de renovação da Permissão de Pesca dos anos de 2007, 2009 e a partir de 2010 […]

Sobre a existência ou não de permissão de pesca, a testemunha Heitor Peretti assentou o seguinte (VIDEO2, evento 59):

“[…] Toda embarcação que exerce atividade de pesca para fins econômicos precisa de permissão. É a forma de controlar o esforço de pesca no território nacional. A embarcação foi notificada e, no prazo, não apresentou a documentação necessária para a regularidade da pesca. Nenhuma documentação foi apresentada naquele momento. O fato da documentação não ser apresentada já configura, por si só, o ilícito ambiental […]

O que a gente procura entender é quando o pescador não dá causa ao ilícito. O protocolo de renovação deve ser realizado, no mínimo, com 120 dias de antecedência […] Não foi apresentada  a devida permissão ao IBAMA porque ela não existia […] Armar uma embarcação custa caro. Perder o pescado custa ainda mais caro. Portanto, se a licença existia, penso que ela teria sido apresentada […]

Eu lembro perfeitamente do caso porque nenhuma documentação foi apresentada na ocasião. O meu comportamento é sempre aproveitar o máximo possível a documentação apresentada no sentido de valorizar a boa-fé de quem tá fazendo isso. Então, a gente tem muito cuidado em fazer a apreensão com base sólida […]”

Nesse quadrante, a própria testemunha arrolada pela defesa (VIDEO3, evento 59), despachante de pesca da embarcação Laiz há cerca de dez anos, quando indagado se havia permissão anterior aos pedidos de renovação, disse não saber responder, o que reforça a inexistência de permissão para a pesca anterior à data da lavratura do auto de infração.

Ora, para a comprovação de que o réu possuía autorização legal para o exercício da pesca bastava a juntada aos autos da permissão de pesca válida, o que em nenhum momento ocorreu. De mais a mais, poderia evidenciar a existência da permissão por outros meios hábeis, tais como a apresentação do comprovante de pagamento da taxa de emissão da licença. Causa espécie que o documento tenha efetivamente sido expedido, tal como sustentado pelo réu, e nenhum registro dele tenha sido encontrado. Veja-se que o próprio despachante, alegadamente o responsável pelo encaminhamento da solicitação de permissão de pesca para a embarcação Laiz, não teve a cautela de guardar quaisquer documentos atinentes ao procedimento administrativo para a expedição da permissão.

Em síntese, verifica-se dos autos que o réu não apresentou qualquer documento, ainda que indiciário, de que à época dos fatos efetivamente contava com permissão de pesca válida, mesmo tendo tido a oportunidade de fazê-lo, tanto na esfera administrativa quanto no presente processo. Incumbe a quem exerce atividade econômica demonstrar, quando exigido, a sua regularidade, mormente em se tratando de prática potencialmente causadora de degradação ambiental, que afeta a coletividade como um todo.

De outra banda, alega o réu a inocorrência de dano ambiental e consequente ausência de obrigação de indenizar.

Todavia, as provas anexadas ao feito evidenciaram que o demandado não possuía autorização para o exercício da atividade pesqueira à época da fiscalizada realizada pelo IBAMA. O exercício da pesca como atividade comercial, sem autorização dos órgãos competentes, caracteriza, ipso facto, o dano ambiental, à medida que implica o desenvolvimento de atividade lesiva ao ecossistema à margem de qualquer controle por parte do Poder Público.

Com efeito, a atividade de pesca acarreta a apropriação privada de bens que pertencem a todos. Logo, mostra-se imprescindível a expedição prévia de permissão, que deve seguir critérios técnicos e científicos para apurar as condições nas quais a atividade pode ser exercida, sob pena de comprometimento do acesso aos recursos pelas gerações presentes e futuras (princípio da solidariedade intra e intergeracional). A outorga da permissão deve levar em conta, necessariamente, o estoque de pescado existente e o número de pessoas interessadas em exercer a atividade. Por conseguinte, a pesca desprovida de permissão representa ofensa a todo o sistema de controle e a mecanismo indispensável na garantia da sustentabilidade da atividade pesqueira.

Além disso, no caso vertente o réu capturou cerca de seis mil quilogramas de pescado, predominantemente pertencente à espécie sobreexplotada ou ameaçada de sobreexplotação, consoante ressaltado alhures. A classificação como espécie sobreexplotada demandaria esforço de pesca mais limitado, com o intuito de evitar o futuro ingresso em lista de espécie ameaçada de extinção ou mesmo extinta. Note-se que a supereconomicização transforma a abundância em escassez, e espécies que eram facilmente encontradas estão rapidamente desaparecendo.

Assim, demonstrado o dano ambiental, que é intrínseco à própria conduta imputada, passa-se a verificar a responsabilidade civil do réu.

O art. 225, § 3º, da CFRB, dispõe que:

As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

O art. 14, § 1°, da Lei n° 6.938/81, a seu turno, preconiza:

§ 1º – Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.

De acordo com o entendimento do STJ, que firmou tese, inclusive para fins do art. 543-C do CPC, a responsabilidade civil por danos ambientais, seja por lesão ao meio ambiente propriamente dito (dano ambiental público), seja por ofensa a direitos individuais (dano ambiental privado), é objetiva, fundada na teoria do risco integral, em face do disposto no art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81, que consagra o princípio do poluidor-pagador. Nessa senda, para fins de apuração do nexo de causalidade do dano ambiental, não se admitem excludentes da responsabilidade, designadamente caso fortuito, força maior, culpa exclusiva da vítima e fato de terceiro. À guisa de exemplo:

RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANO AMBIENTAL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. DANOS DECORRENTES DO ROMPIMENTO DE BARRAGEM. ACIDENTE AMBIENTAL OCORRIDO, EM JANEIRO DE 2007, NOS MUNICÍPIOS DE MIRAÍ E MURIAÉ, ESTADO DE MINAS GERAIS. TEORIA DO RISCO INTEGRAL. NEXO DE CAUSALIDADE.

1. Para fins do art. 543-C do Código de Processo Civil: a) a responsabilidade por dano ambiental é objetiva, informada pela teoria do risco integral, sendo o nexo de causalidade o fator aglutinante que permite que o risco se integre na unidade do ato, sendo descabida a invocação, pela empresa responsável pelo dano ambiental, de excludentes de responsabilidade civil para afastar sua obrigação de indenizar; b) em decorrência do acidente, a empresa deve recompor os danos materiais e morais causados e c) na fixação da indenização por danos morais, recomendável que o arbitramento seja feito caso a caso e com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível socioeconômico do autor, e, ainda, ao porte da empresa, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, de modo que, de um lado, não haja enriquecimento sem causa de quem recebe a indenização e, de outro, haja efetiva compensação pelos danos morais experimentados por aquele que fora lesado.

2. No caso concreto, recurso especial a que se nega provimento. (REsp 1374284/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 27/08/2014, DJe 05/09/2014 – grifo nosso)

O nexo causal entre a atividade do réu e o dano, como demonstrado acima, é cristalino. A pesca sem o devido permissionamento denota clara desconsideração à legislação de regência, impondo o dever de indenizar. Outrossim, uma vez que a atividade econômica nociva ao ambiente objetivava locupletamento pessoal, oportuno frisar a incidência do princípio do poluidor-pagador, insculpido no artigo 4º, inciso VII, da Lei nº 6.938/81, nos seguintes termos:

Art 4º – A Política Nacional do Meio Ambiente visará:

[…]

VII – à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos.

Destarte, havendo o dano ambiental, a prática da conduta degradadora pelo réu, bem como existente o nexo de causalidade entre a ação do demandado e o dano ambiental ocorrido, impõe-se responsabilizar o agente poluidor. Faz-se mister, portanto, quantificar o montante devido a título de indenização.

Vigora no âmbito do direito ambiental o princípio da reparação integral. Sobre o tema, entende de forma pacífica o STJ que “a reparação ambiental deve ser feita da forma mais completa possível, de modo que a condenação a recuperar a área lesionada não exclui o dever de indenizar, sobretudo pelo dano que permanece entre a sua ocorrência e o pleno restabelecimento do meio ambiente afetado (= dano interino ou intermediário), bem como pelo dano moral coletivo e pelo dano residual (= degradação ambiental que subsiste, não obstante todos os esforços de restauração)” (REsp 1180078/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/12/2010, DJe 28/02/2012).

Nessa esteira:

DIREITO ADMINISTRATIVO. DIREITO AMBIENTAL. DIREITO CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. DANO AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. RECUPERAÇÃO DE ÁREA DEGRADADA. INDENIZAÇÃO POR DANOS AMBIENTAIS. ARBITRAMENTO. AFERIÇÃO DA EXTENSÃO DO DANO AMBIENTAL E DA SITUAÇÃO ECONÔMICA DO DEMANDADO. . De acordo com artigo 14, parágrafo 1º, da Lei nº 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente), o poluidor é obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade (responsabilidade civil objetiva dos causadores do dano ambiental). Presente o dano, não se perquire a razão da degradação para que haja o dever de indenizar ou reparar; . O objetivo da reparação ambiental não implica apenas em indenização pecuniária, mas, na medida do possível, recuperação das condições ambientais anteriores (status quo ante). A reparação do dano deverá ser a mais completa possível, buscando recompor a área degradada ao estado em que se encontrava antes da ocorrência do dano ambiental; . A jurisprudência do STJ está firmada no sentido de que a necessidade de reparação integral da lesão causada ao meio ambiente permite a cumulação de obrigações de fazer, de não fazer e de indenizar, que têm natureza propter rem; . Para a fixação do valor da indenização, independente da recuperação da área, é necessária a aferição da extensão do dano ambiental e da situação econômica do demandado; . Ao questionar o quantum indenizatório fixado em sentença, há necessidade do recorrente indicar critérios objetivos para fixação da indenização, compatíveis com elementos probatórios concretos que existam nos autos, a fim de justificar a majoração do valor arbitrado. (TRF4, AC 5000364-22.2012.404.7208, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Candido Alfredo Silva Leal Junior, juntado aos autos em 26/03/2015)

O valor fixado deve atender aos pressupostos acima explicitados, bem como ao postulado da razoabilidade. Pois bem, o réu exerceu a pesca sem a corresponde permissão e capturou, aproximadamente, seis mil quilogramas de pescado, predominando espécie sobreexplotada ou ameaçada de sobreexplotação, de acordo com o Anexo 2 da Instrução Normativa nº 5/2004, do Ministério do Meio Ambiente. Assim, o dano ambiental ocasionado é de relevante monta e insuscetível de recomposição. De outro vértice, não há elementos concretos para a aferição da situação econômica do demandado.

Nesse cenário, afigura-se adequada a fixação de indenização pelos danos causados ao ambiente no montante de R$ 100.000,00 (cem mil reais), quantia a ser revertida para o Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, previsto no art. 13 da Lei nº 7.347/85.

III)

Ante o exposto, julgo procedentes os pedidos vertidos na inicial, extinguindo o feito com resolução de mérito, nos termos do artigo 269, I, do Código de Processo Civil, para condenar o réu ao pagamento de indenização por danos causados ao meio ambiente, no montante de R$ 100.000,00 (cem mil reais), a ser revertida para o Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, de que trata o artigo 13 da Lei n° 7.347/85, nos termos da fundamentação.

Os juros de mora e a correção monetária devem fluir a partir da data do evento danoso, fulcro no art. 398 do Código Civil e enunciados das Súmulas 54 e 43 do STJ.

Deixo de condenar o réu ao pagamento de honorários advocatícios, pois não são devidos ao Ministério Público Federal, na forma do art. 128, II, “a”, da CFRB.

Não há custas processuais a serem ressarcidas, inteligência do art. 18 da Lei nº 7.347/85.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.


Documento eletrônico assinado por MARTA SIQUEIRA DA CUNHA, Juíza Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência daautenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 710001437787v83 e do código CRC b5db162a.

Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): MARTA SIQUEIRA DA CUNHA
Data e Hora: 24/10/2015 12:20:27


 

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