quinta-feira , 28 março 2024
Home / Jurisprudências / Justiça paulista defere liminar que preserva área rural de Ribeirão Preto visando proteger o Aquífero Guarani

Justiça paulista defere liminar que preserva área rural de Ribeirão Preto visando proteger o Aquífero Guarani

Leia notícia divulgada pelo Núcleo de Comunicação Social do Ministério Público do Estado de São Paulo, publicada em 14/10/2015:

MP obtém liminar que preserva área rural de Ribeirão Preto para proteger Aquífero Guarani

Decisão impede mudança de zoneamento de gleba de 65 km²

O Ministério Público do Estado de São Paulo obteve liminar da Justiça determinando que o Município de Ribeirão Preto conserve como zona rural permanente uma área de 65 km² na zona leste da cidade para assegurar a preservação da área de afloramento e recarga do Aquífero Guarani, reserva subterrânea com capacidade para abastecer toda a população brasileira por mais de 3.000 anos e que abrange 7 países.

A decisão, proferida no último dia 30, impede a conversão de qualquer trecho da área em zona urbana ou zona de expansão urbana, bem como proíbe a implantação de novos parcelamentos do solo, sob pena de multa diária no valor de R$ 100 mil.

A medida foi concedida em ação civil pública ambiental ajuizada pelos Promotores de Justiça do Grupo de Atuação Especial do Meio Ambiente (GAEMA) – Núcleo da Bacia do Rio Pardo, baseada em um estudo técnico realizado por iniciativa de diversos órgãos com atuação na área ambiental e subscrito por vários órgãos públicos, técnicos e universitários do Estado e do Município, além de diversas organizações da sociedade civil.

O estudo foi motivado pela necessidade de estabelecer normas e procedimentos relacionados ao uso e a ocupação do solo na Zona de Uso Especial (ZUE) do município de Ribeirão Preto, uma vez que as normas e procedimentos até então vigentes e aplicáveis mostravam-se insuficientes para conter o processo de ocupação acelerada e degradação da zona de recarga direta do aquífero Guarani, essencial para o abastecimento público, tendo como principal exemplo o município de Ribeirão Preto, que é totalmente abastecido por este recurso hídrico subterrâneo.

O documento afirma que o aquífero poderá sofrer severos danos ambientais com a exploração de suas águas, que tem provocado o preocupante rebaixamento do seu nível.  Segundo o estudo técnico, a exploração do aquífero ‘exige a perfuração de poços cada vez mais profundos e o rebaixamento dos poços já existentes’.

O relatório aponta situação extremamente preocupante porque ‘as reservas exploráveis podem se exaurir mais rapidamente do que o senso comum faz pensar, principalmente se considerarmos, por um lado, a ausência de políticas efetivas voltadas para o uso racional da água e a diminuição da velocidade de exploração e, por outro lado, que apesar do colossal volume de água do Aquífero Guarani, a espessura das camadas de arenito que abrigam essas águas é limitada e não permitirá o aprofundamento indefinido dos poços novos ou antigos’.

E conclui pela necessidade de adoção de diretrizes e critérios especiais na Zona de Uso Especial ‘visando diminuir a impermeabilização do solo para garantir a infiltração de águas fluviais e promover a recarga do aquífero, bem como restringir atividades potencialmente poluidoras visando garantir a qualidade das águas que reabastecem o aquífero’.

Na ação, os Promotores argumentam que ‘nesse contexto se justifica a criação de uma Área de Proteção Ambiental Municipal, de vez que a área de recarga do Aquífero Guarani, situada na zona leste de Ribeirão Preto, necessita de permanente permeabilidade, sob a pena de redução do potencial do aquífero e comprometimento do balanço hídrico desse corpo d’água subterrâneo e inviabilizando-o como fonte de abastecimento de água potável para as populações de inúmeras cidades, inclusive Ribeirão Preto’.

Na decisão, a Juíza da 2ª Vara da Fazenda Pública de Ribeirão Preto fundamenta que ‘embora produzido sem o crivo do contraditório, esse estudo técnico ambiental constitui relevante valor do ponto de vista de prova dos danos e riscos ambientais, já que os dados foram apurados por uma comissão técnica multidisciplinar, com competências específicas, como Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Secretaria de Planejamento e Gestão Pública, CETAE/IPT, CETESB Ribeirão Preto, Secretaria Estadual do Meio Ambiente, DAEE, SindusCon-SP, Associação dos Engenheiros e Arquitetos e Agrônomos de Ribeirão Preto, DAERP, Associação Cultura e Ecológica Pau Brasil, Instituto Práxis de Políticas Públicas e Cidadania, TRANSERP, SMA/CBRN/Centro Tecnológico Regional de Ribeirão Preto, decerto que na audiência preliminar, embora considerações sobre a complexidade da matéria, os experts respaldaram as premissas básicas favoráveis ao intento de proteção da área de recarga do Aquífero Guarani (…), no sentido de que há grandes passivos ambientais na Zona Leste; é necessário regramento para a ocupação da área, adiando a urbanização’“.

aquifero

Leia também a notícia publicada pelo Portal G1:

Justiça ‘blinda’ área do tamanho de 9 mil Maracanãs do Aquífero Guarani – Liminar de juíza de Ribeirão Preto protege reservatório da expansão urbana. Região na zona leste é alvo de impasse em revisão do Plano Diretor local“.


Abaixo, confira a íntegra da decisão (também divulgada versão fac simili, em formato PDF):

Tribunal de Justiça de São Paulo

Comarca e Foro de Ribeirão Preto – 2ª Vara da Fazenda Pública

Processo nº 1012954-76.2015.8.26.0506

Classe: Ação Civil Pública – Meio Ambiente

Requerente: Ministério Público do Estado de São Paulo

Requerido: Município de Ribeirão Preto

DECISÃO

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Lucilene Aparecida Canella de Melo

Vistos.

Adotado o relatório de fls.301/302, acrescento que foi realizada audiência preliminar (fls.322/323), com substrato no poder instrutório (art.125, 130 CPC), com vistas à oitiva de técnicos e representantes de órgãos de gestão ambiental, contando, dentre outros, com a presença dos vereadores Beto Gangussu e Marcos Papa e de assessores parlamentar dos vereadores Bertinho Scandiuzzi, Gláucia Berenice e também de Marcos Papa.

É a síntese.

Pelo que se observa das cópias do inquérito civil que instrui a inicial, o Ministério Público visando produzir estudo técnico sobre a necessidade de adoção de medidas para preservação das áreas de interesse ambiental em questão, instituiu grupo de trabalho formado por técnicos de órgãos ambientais estaduais (CETESB e DAEE), técnicos de diferentes Secretarias da Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto, técnicos do DAERP, pesquisadores do IPT, do Instituto Geológico da USP, da Escola de Engenharia da USP de São Carlos, bem como por representantes do SINDUSCON, AEAARP, ACI, FIESP / CIESP / SidusCon / SENAI, da Associação Cultural e Ecológica “Pau-Brasil”, do Instituto Práxis de Políticas Públicas e Cidadania e do Núcleo de Estudos de Política Ambiental da FFCL-RP, da USP.

Esses estudos e levantamentos culminaram no Relatório Técnico do Grupo de Trabalho – GT ZUE (fls. 60/96), por meio do qual se infere que “o Aquífero Guarani é continuamente recarregado, pela infiltração de água da chuva em suas áreas de afloramento, como a Zona Leste de Ribeirão Preto daí a importância em se buscar soluções para o uso e ocupação sustentável da região”, “todo o abastecimento de água do município de Ribeirão Preto é proveniente do aquífero Guarani, manancial subterrâneo cuja preservação é de importância estratégica para o bem estar das presentes e futuras gerações”; “apesar da sua grande extensão, a recarga ocorre apenas nas bordas dessa grande formação localizadas na Zona Leste do Município, também denominada Zona de Uso Especial (ZUE),subdividida em 08 (oito) setores;”A despeito de sua grande importância enquanto zona de recarga do aquífero Guarani, a ZUE acumulou ao longo das últimas décadas um passivo ambiental expressivo que representa uma ameaça à qualidade das águas subterrêneas. Por outro lado, o crescimento urbano desordenado do passado resultou num passivo urbanístico relacionado ao sistema viário e ao saneamento básico da região. Dentre os principais componentes destacam-se os lixões abandonados, a ausência de saneamento básico em determinados núcleos urbanos, graves problemas no sistema público de coleta e afastamento de esgoto doméstico; presença de grandes volumes de entulho da construção civil misturado com lixo doméstico; lixo industrial, toda sorte de resíduos e efluentes em grandes depósitos, falta de sistema viário compatível”; ” na ZUE há necessidade de adoção de diretrizes e critérios especiais visando diminuir ou impedir a impermeabilização do solo para garantir a infiltração de águas fluviais e promover a recarga do aquífero, bem como restringir atividades potencialmente poluidoras visando garantir a qualidade das águas que reabastecem o aquífero” (fls.74/75) ; “na ZUE ocorrem também Zonas de Proteção Máxima correspondentes às áreas de preservação permanente (APP), várzeas e remanescentes de vegetação natural(fls.77) (grifei);”O Setor 3-A corresponde à área de drenagem da bacia endorreica (sem drenagem natural) e apresenta-se como área adequada para promover-se a infiltração das águas pluviais, enquanto o Setor 8 corresponde à zona rural da Zona de Uso Especial, na qual a urbanização implicaria em maiores riscos de contaminação do aquífero, além de diminuição da área de infiltração e recarga. Inclusive, conforme Deliberação CRH 18 de 08/04/1998 que instituiu a área de proteção do Aquífero Guarani nas Bacias Hidrográficas dos rios Pardo e Mogi-Guaçú, as áreas a serem especialmente protegidas devem incluir os setores 3-A e 8.”

Embora produzido sem o crivo do contraditório, esse estudo técnico ambiental constitui relevante valor do ponto de vista de prova dos danos e riscos ambientais, já que os dados foram apurados por uma comissão técnica multidisciplinar, com competências específicas, como Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Secretaria de Planejamento e Gestão Pública, CETAE/IPT, CETESB Ribeirão Preto, Secretaria Estadual do Meio Ambiente, DAEE, SinduCon -SP, Associação dos Engenheiros e Arquitetos e Agrônomos de Ribeirão Preto, DAERP, Associação Cultural e Ecológica Pau Brasil, Instituto Práxis de Políticas Públicas e Cidadania, TRANSERP; SMA/CBRN/CTR – (Centro Técnico Reginonal de Ribeirão Preto) (fls.61), recerto que na audiência preliminar, embora considerações sobre a complexidade da matéria, os experts respaldaram as premissas básicas favoráveis ao intento de proteção da área de recarga do Aquífero Guarani, como se observa da fala do Engenheiro Agrônomo Olavo Nepomuceno, no sentido de que há grandes passivos ambientais na Zona Leste; é necessário regramento para ocupação da área, adiando a urbanização; “tem havido o rebaixamento do Aquífero em 2,5m/ano e em cinco ou 10 anos não haverá mais água” .

Destaque-se que as áreas de recarga “correspondem às porções aflorantes das formações rochosas porosas que o compõem e correspondem basicamente às áreas de borda dessas formações, as quais não foram recobertas por material impermeabilizante (rochas não porosas)” (fl. 113). Por meio delas o aquífero é constantemente reabastecido, possibilitando a recomposição de água extraída e o equilíbrio do meio ambiente local, tal como preconizado pela Constituição Federal, em seu art. 225:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I – preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
(…)
III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;

Nessa esteira, tendo como objetivo o desenvolvimento sustentável, o Código Florestal (Lei nº 12.651/12) elegeu como princípio o uso sustentável da água (art. 1º-A, V) e consagrou “o compromisso do País com a compatibilização e harmonização entre o uso produtivo da terra e a preservação da água” (art. 1º-A, III).

Na esfera municipal, a preocupação com o meio ambiente não foi deixada de lado. Nos termos do art. 41 do Plano Diretor do Município de Ribeirão Preto (Lei Complementar nº 501/95, com as alterações dadas pela Lei Complementar nº 2.216/07), “o planejamento e o zoneamento ambiental deverão ser compatibilizados com as diretrizes gerais da produção e da organização do espaço físico do Município, englobando todos os recursos e garantindo o controle dos possíveis riscos e prejuízos ao meio ambiente e respectivas populações”. No artigo seguinte (art. 42, II), a área de recarga e afloramento do Aquífero Guarani é considerada Zona de Uso Especial, sem, contudo, garantir à área proteção compatível com sua importância. Veja:

Art. 42. O Município passa a ser subdividido, de acordo com o zoneamento ambiental, considerados os aspectos geológicos, geotécnicos, pedológicos, biológicos, de ocupação atual e riscos potenciais, nas seguintes zonas:
I – Zona de Proteção Máxima (ZPM): abrangendo as planícies aluvionares (várzeas); margens de rios, córregos, lagoas, reservátorios artificiais e nascentes, nas larguras previstas pelo Código Florestal (lei Federal n°4.771/65 alterada pela Lei n° 7803/89) e Resolução n° 04/85 do conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA); áreas recobertas com vegetação natural remanescentes; demais áreas de Preservação Permanente que ocorram no Município, de acordo com o Código Florestal;
II – Zona de Uso Especial (ZUE) – refere-se à área de afloramento das Formações Botucatu e Pirambóia (aqüíferos), correspondente à recarga do Aqüífero Guarani, subdividindo-se em:
a) ZUE 1: área urbanizada interna ao perímetro urbano e em zona de expansão urbana;
b) ZUE 2: área industrial, no perímetro urbano e expansão urbana;
c) ZUE 3: área rural.

Dessarte, sem prejuízo da discussão crítica acerca das possibilidades de regularização/urbanização e das estratégias mais contundentes para proteção dessas áreas, presumidamente, significativas para o cumprimento de suas funcionalidades ambientais, o que se fará em sede de cognição ampla e exauriente, como também por meio da revisão do Plano Diretor em curso neste Município, a fim de se evitar que a ocupação consolidada da área ambiental objeto de proteção traga implicações negativas imediatas ao abastecimento da água (a exemplo do que já vem ocorrendo em diversos outros centros, como é exemplo a cidade de São Paulo) com fulcro no princípio da precaução (in dubio pro ambiente ou in dubio contra projectum) e no poder geral de cautela (art.19 Lei Ação Civil Pública, art.798, CPC) DEFIRO a liminar, para nos termos do requerimento formulado a fls.17, determinar ao Município de Ribeirão Preto e todas as suas Secretarias, Departamentos, Empresas e demais órgãos públicos municipais, que por ocasião dos licenciamentos, autorizações, aprovações e fiscalizações municipais, bem como obras, contratações, concessões, convênios e serviços municipais, observem, no mínimo as diretrizes constantes dos itens 4.3.4 e 4.3.9, do relatório GT ZUE de fls.57 e 59, observado que o Setor 8 (oito) deverá ser considerado zona rural permanente, vedada conversão de quaisquer de seus trechos em zona urbana ou de expansão urbana, bem como que no Setor 3 A, não seja permitida a implantação de novos parcelamentos de solo”, sob pena de multa diária de R$100.000,00, sem prejuízo da intervenção judicial na propriedade, para permitir a execução específica por interventor nomeado.

Cite-se, com as advertências legais, expedindo-se o necessário, inclusive para o cumprimento da decisão acima, cabendo ao réu informar no mesmo prazo sobre a existência de lotes particulares e esclarecer se há pedidos de loteamento, construção ou incorporação aprovados ou pendentes de aprovação na região atingida por esta decisão, Expeça-se edital nos termos do art.94, CDC, divulgando-se pelos meios de comunicação social por parte dos órgãos de defesa do meio ambiente.

Remetam-se ao setor próprio as mídias, para transcrição por estenotipia, das declarações colhidas/captadas por sistema audiovisual realizada na audiência preliminar. Cumpra-se em regime de urgência pelo plantão.

Intimem-se.

Ribeirão Preto, 30 de setembro de 2015.

 

 

Além disso, verifique

Javalis atacam lavouras

Javalis atacam lavouras de arroz e soja no Rio Grande do Sul

Os ataques acontecem em lavouras de arroz, que foram semeadas no tarde, em novembro e …

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *