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Artigo: Ditadura e soberania ambiental

IMG_7134Por José Alberto Wenzel – Geólogo e escritor

Durante o período ditado pelo golpe de 1964, havia algo se expandindo com vigor ainda não suficientemente entendido. Enquanto as perseguições se faziam inescrupulosas num cenário de atemorização e muito sofrimento, havia um vórtice para o qual fluíam manifestações que pretendiam mais do que mudanças dos modos de produção ou de regime político. Onde enquadrar um jovem que subisse em alguma árvore para que a mesma não fosse decepada? O que fazer com os que se rebelavam contra usinas nucleares, uso indiscriminado de agrotóxicos, barragens desalojadoras de populações, urbanização desenfreada e poluição industrial?

Esse espaço onde cabiam as mais diversas pretensões de mudança de comportamento foi a área ambiental. Seria incorreto afirmar que os movimentos ambientais brasileiros tiveram seu berço no período da ditadura, tanto que, já no tempo do Império, José Bonifácio de Andrade ensinava que nos fracionamentos de glebas se deixasse um sexto das mesmas para proteção dos recursos ambientais, especialmente a água e as florestas, cujas queimadas o revoltavam. Não se pode esquecer a luta do padre Rambo, que já em 1942 lançou a magnífica obra Fisionomia do Rio Grande do Sul, livro decisivo para o conhecimento ambiental do Estado. Muitos mais, em seus municípios ou em suas áreas de influência, desenvolveram suas batalhas em favor do meio ambiente, a exemplo de Henrique Luiz Roessler, que nos anos 50 se tornou referência gaúcha do movimento conservacionista.

Da visão retrospectiva fica uma lição: o desenvolvimento da luta ambiental não se atrela a esse ou àquele regime ou ideologia. Não se rendeu à execrável ditadura, como não se condiciona a qualquer outro regime instituído ou destituído. Essencialmente, o movimento ecológico transita pelo espaço da soberania em favor da existência de todas as criaturas no processo relacional/interativo/sinérgico do universo. Portanto, não há como restringir ou limitar o cuidado com o meio ambiente a períodos governamentais, decisões setoriais ou enquadramento cartorial. Sempre que isto foi tentado, resultou infrutífero e passageiro, até porque o tempo/espaço ambiental nem sempre coincide com o dos empreendimentos demandados. O que se precisa é priorizar a tarefa ambiental como de responsabilidade e atitude coletiva e, compromisso de todos os governos.

Daqui a poucos dias, mais precisamente no dia 14 de maio, estaremos rememorando 12 anos da morte de José Lutzenberger, que soube se independizar e transformar as amarras produtivas internacionais para se tornar um ícone da luta ambiental. Morreu provocando, instigando, inquietando. Assim como a natureza o acolheu, envolto apenas em um despojado pano de algodão, não há por que se prender ou ser conivente com o que não se coaduna com a saudável convivência ambiental.

Publicado em: Zero Hora (edição de 04/04/14)
Foto: Jovens tentam evitar corte de árvores em Porto Alegre/2013 – Crédito: Cesar Cardia

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